Reações à morte de Otelo. “É ainda cedo para a História o apreciar com a devida distância”

O papel de Otelo Saraiva de Carvalho foi elogiado por quase todas as forças políticas. “O que sobressai é o capitão de Abril, no seu papel essencial”, diz Marcelo.

A morte de um dos mais importantes Capitães de Abril, neste domingo, não passou em branco no seio político, onde Otelo Saraiva de Carvalho é mais visto como um herói do que como um vilão. Uma das primeiras reações surgiu por parte do Presidente da República que, através de um comunicado oficial lembrou que Otelo Saraiva de Carvalho teve “um papel central de comando no 25 de Abril”.

“Um dos mais ativos capitães de Abril, exerceu funções muito relevantes durante a revolução e candidatou-se à Presidência da República em 1976. Afastado do poder na sequência do 25 de novembro de 1975, viria a ser considerado, pela Justiça, envolvido nas FP25, condenado e amnistiado”, lembra Marcelo Rebelo de Sousa, garantindo que “é ainda cedo para a História o apreciar com a devida distância”.

Ainda assim, o Chefe de Estado diz que “parece inquestionável a importância capital que teve no 25 de abril, o símbolo que constituiu de uma linha político-militar durante a revolução, que fica na memória de muitos portugueses associado a lances controversos no início da nossa Democracia, e que suscitou paixões, tal como rejeições”.

E acrescenta: “O Presidente da República, consciente das profundas clivagens que a sua personalidade suscitou e suscita na sociedade portuguesa, evoca-o, neste momento como o Capitão que foi protagonista cimeiro num momento decisivo da História  contemporânea portuguesa”.

Mais tarde, o Presidente da República voltou a falar sobre Otelo dizendo que “o que sobressai é o capitão de Abril, no seu papel essencial, naquilo que constituiu um momento decisivo da história contemporânea do nosso país, que foi o 25 de Abril e a viragem que trouxe na ditadura, através da revolução para a democracia”.

Também o Governo lamentou o falecimento do coronel, lembrando que “foi o coordenador operacional da ação militar do Movimento das Forças Armadas, que, no dia 25 de abril de 1974, derrubou o regime do Estado Novo, pondo fim à mais longa ditadura do século XX na Europa e abrindo caminho à democracia”.

E não tem dúvidas ao garantir que “a capacidade estratégica e operacional de Otelo Saraiva de Carvalho e a sua dedicação e generosidade foram decisivas para o sucesso, sem derramamento de sangue, da Revolução dos Cravos”, o que levou Otelo a tornar-se “a justo título, um dos seus símbolos”, lê-se na nota do Executivo liderado por António Costa.

Do lado da Assembleia da República, Ferro Rodrigues lembrou “o maior símbolo individual do Movimento das Forças Armadas”, que concretizou o sonho de todos os que “ansiavam por viver em liberdade”.

“Apesar dos excessos que se possam apontar, nomeadamente no período pós 25 de Abril, Otelo Saraiva de Carvalho foi, e será sempre considerado, o maior símbolo individual do Movimento das Forças Armadas”, escreve o presidente da AR numa nota de pesar.

“Liderança militar” e “classe estratégica” são as palavras usadas pelo ministro da Defesa Nacional para falar do capitão de Abril. Foi essa liderança e essa classe que permitiram “pôr fim à ditadura e abrir caminho à democracia em Portugal. Hoje evoco o seu papel na conquista da Liberdade”, escreveu João Gomes Cravinho.

 

Momento de reconhecer o seu papel

Quem não ficou também indiferente à morte do coronel foi Rui Rio, ao escrever que “o dia da morte de Otelo Saraiva de Carvalho é momento para reconhecer o seu papel corajoso e decisivo no 25 de Abril e na conquista da liberdade”, escreveu no Twitter o líder do PSD, acrescentando que “competirá à História fazer, com isenção, a avaliação global de tudo que ele fez de bom e de mau. Hoje, não é o dia para isso”.

Já a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, não tem dúvidas que Otelo foi “estratega do 25 de Abril” e que “será sempre lembrado como um dos libertadores de Portugal”, sendo “uma figura maior do que a sua própria história”.

Opinião que é partilhada pelo partido que, numa nota, defende que “Otelo Saraiva de Carvalho foi um construtor do 25 de Abril, estratega da Revolução que trouxe ao país a Liberdade, pôs fim à guerra e à colonização e abriu a esperança de uma democracia política e social”.

Por seu turno, lembra o PCP, nesta altura deve “registar-se no essencial o seu papel no levantamento militar do 25 de Abril”, defendendo que “o momento do seu falecimento não é a ocasião para registar atitudes e posicionamentos que marcam o seu percurso político”.

Já André Ventura diz que “o juízo sobre a sua alma caberá definitivamente a Deus”. No entanto, o líder do Chega acrescenta que “se este país fosse justo, Otelo Saraiva de Carvalho deveria ter morrido numa prisão portuguesa”, escreveu o líder do Chega do Facebook.

Pouco depois, o partido emitiu uma nota onde vai mais longe, escrevendo que não se pode  “esquecer hoje o papel perverso e destrutivo que Otelo Saraiva de Carvalho teve no Portugal pós-25 de Abril, bem como a mancha de sangue que deixou durante esse processo histórico em que foi um protagonista fundamental”.

E acrescenta ­– ainda que deixe os sentimentos à família e amigos – que “Otelo Saraiva de Carvalho enfrentou a justiça portuguesa, mas acabou por nunca a cumprir nem a sentir na pele devido a um processo de indulto, o que jamais devia ter acontecido”.

 

Vasco Lourenço e Garcia dos Santos evocam Otelo

As palavras são de quem conheceu Otelo Saraiva de Carvalho durante toda uma vida e de quem, tal como ele, desempenhou importantes papéis a 25 de Abril de 1974. É já com saudade que  o coronel Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril, e o general Garcia dos Santos recordam o amigo.

“Penso que a importância da ação dele no 25 de abril de 1974 se irá sobrepor a tudo o resto”, começou por dizer Vasco Lourenço à RTP1, reconhecendo o papel controverso do amigo. “De facto, o Otelo deixou-se levar por ideais demasiado fortes que o levaram a algumas atitudes menos corretas mas acho que, acima de tudo, o Otelo merece ficar na História de Portugal como o comandante das operações militares que no dia 25 de abril de 1974 derrubaram a ditadura e restituíram a liberdade a Portugal e criaram condições para a paz e para a democracia”. Para Vasco Lourenço, “é assim que acho que no futuro a História de Portugal o irá recordar”.

A nível pessoal, o coronel não tem dúvidas: “Era um homem com um coração enorme, amigo do seu amigo, capaz de despir a camisa para dar a um necessitado”. E garante que o país “tem que estar permanentemente agradecido porque foi um dos principais atores das transformações que acabaram com a ditadura em Portugal e abriram as portas à liberdade”.

Já o capitão de Abril Garcia dos Santos lembrou Otelo como “um idealista,  um homem cheio de espírito de intervenção e que ia muito atrás das suas ideias repentinas que o faziam às vezes meter o pé na poça”. No entanto, garante que Otelo “era, de facto, um homem absolutamente excecional”. Os dois lembraram  o papel do estratega no Movimento das Forças Armadas e defendem que Otelo deve ser reconhecido no país pelo bem que fez.

 

Comissário Executivo para comemorações não quis comentar

Pedro Adão e Silva, nomeado comissário executivo das comemorações dos 50 anos do 25 de abril, não quis comentar ao i a morte do capitão de Abril, Otelo Saraiva de Carvalho. Questionado sobre se a morte desta figura importante da Revolução alteraria qualquer programação, Pedro Adão e Silva avançou apenas: “Não tenho nada a dizer sobre o assunto”.

A comissão executiva para as comemorações do 25 de abril – em funções desde o mês passado – terá de elaborar, até ao final deste ano, uma proposta de programa oficial das comemorações, acompanhada de uma previsão de encargos.

Recorde-se que a nomeação de Pedro Adão e Silva levantou celeuma. O salário de cerca de 4500 euros por mês que o comentador político e professor vai auferir, um contrato que dura mais de cinco anos e uma equipa de técnicos, secretário pessoal e motorista à sua disposição são as condições do posto oferecido a Adão e Silva, e as críticas não tardaram em chover, nomeadamente dos partidos da direita. Rui Rio, Francisco Rodrigues dos Santos, André Ventura e João Cotrim Figueiredo alçaram a sua voz contra a nomeação, apontando para uma alegada troca de favores entre Adão e Silva e o Partido Socialista, que terá garantido a nomeação para o lugar.

Adão e Silva, que fez parte do Secretariado Nacional de Ferro Rodrigues no início do milénio, passa a ocupar um cargo para o qual foi nomeado pelo próprio António Costa.