Fronteira e arranhões

Em capitalismo, não precisam de pôr todos os vossos ovos no mesmo cesto. Podem diversificar investindo em vários projetos promissores. Mesmo que um falhe há uma alta probabilidade de que pelo menos um deles tenha sucesso.

Por Pedro Ramos

Nova Iorque julho de 2021

Queridas Filhas,

«Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Fernando Pessoa, in Mar Português

Muito da sabedoria da vida, passa por conseguir equilibrar objetivos e forças muitas vezes contraditórias. Por exemplo, queremos reduzir riscos e proteger a nossa segurança, mas ficar em casa de porta fechada leva a uma vida definhada, esbanjada e sem sentido.

Na vida financeira temos o mesmo conflito: queremos assegurar o nosso futuro e proteger as nossas poupanças. Mas também queremos retornos altos que melhorem a qualidade de vida da nossa família e das gerações futuras. Como navegar estas contradições?

Quanto a filosofia de vida, deixo um espaço para os vossos conselheiros espirituais, mas partilho algumas lições que aprendi na vida financeira.

A primeira missão é assegurar a saúde financeira das vossas famílias. Poupar todos os meses. De preferência um valor definido à partida (p. ex. 10% dos rendimentos, ou uma quantia fixa de euros). Isso coloca o leme da vida financeira nas vossas mãos.

A segunda missão é conseguir amealhar poupanças suficientes para assegurar uma reforma confortável. Idealmente, isto resulta das poupanças mensais investidas em depósitos garantidos pelo estado e pelo Banco Central. A postura aqui é muito conservadora. Deve-se correr o mínimo risco possível com este capital. Por muitos choques que aconteçam durante a vossa vida (guerras mundiais, crises financeiras, pandemias, problemas de saúde …) a vossa solvabilidade fica de pé. Com alicerces de pedra, a vossa casa pode resistir a tempestades.

A terceira missão é investir o capital que não precisam para a reforma para aumentar o vosso património e o das gerações futuras. Aqui o foco é em projetos com alto potencial para transformar a sociedade e o bem-estar dos consumidores. São projetos com alta taxa de rentabilidade, mas também com alta probabilidade de encontrarem tempestades pelo caminho. Porquê? Porque se fosse simples, já há muito tempo atrás teria sido resolvido por um empreendedor.

Estes projetos implicam expandir as fronteiras do que a humanidade e as sociedades desfrutam hoje. Implica ser pioneiro e ousar experimentar em áreas ainda não desbravadas. Implica aceitar alguns arranhões pelo caminho. Implica ainda aceitar alguns projetos falhados. Por definição, este capital investido é capital de que não precisam para a vossa reforma.

Por outro lado, em capitalismo, não precisam de pôr todos os vossos ovos no mesmo cesto. Podem diversificar investindo em vários projetos promissores. Mesmo que um falhe há uma alta probabilidade de que pelo menos um deles tenha sucesso, talvez mesmo um sucesso colossal, que mais do que compense os projetos menos bem-sucedidos e aumente substancialmente a vossa riqueza.

Procurar, descobrir, avaliar e monitorar este tipo de projetos não é fácil. O uso de profissionais com talento é altamente recomendado. Infelizmente, a maior parte das pessoas acaba por investir no negócio do vizinho ou do amigo em vez de em oportunidades verdadeiramente atrativas.

Esta procura, avaliação e investimento em projetos inovadores é a minha vocação. Nada me dá maior satisfação profissional do que descobrir uma ideia com grande potencial e uma equipa forte para a executar.

Na escolha da vossa carreira devem usar a mesma filosofia. Encontrar algo que garanta rendimentos para cobrir as vossas despesas e reforma. Garantido isso, devem seguir a vossa paixão de forma a criar e deixar no mundo algo novo. Trazer a vossa voz única ao mundo. Aparecerão inimigos e pessoas que vos vão desencorajar. Contratempos e tempestades são certas também. Mas vale a pena aceitar isso e viver uma vida grande, do que ficar em casa a definhar.

Uma parábola do padre jesuíta Anthony de Mello ilustra isto:

Um homem encontrou um ovo de águia e o colocou debaixo da galinha que chocava seus ovos no quintal. Nasceu uma águia com os pintos e com eles crescia normalmente. Durante todo o tempo a águia fazia o mesmo que faziam os pintinhos, convencida de que era igual a eles. Picava, ia ao chão buscar insetos, piava como os pintos, e também batia as asas conseguindo voar um metro ou dois porque, afinal de contas, é só isso que um frango pode voar, não é verdade?

Passam anos e a águia ficou velha…

Certo dia, ela viu, riscando o espaço, num céu azul, uma ave majestosa, planando, no infinito, graciosa, levada, docemente, pelo vento sem nem sequer bater a asa dourada. A águia do chão olhou-a com respeito e logo, perguntou ao seu amigo: «Que tipo de ave é aquela que lá vai»? «É uma águia! É rainha», diz-lhe o amigo, mas é bom não olhar muito para ela pois nós somos de raça diferente, simples frangos do chão e nada mais.

Daí por diante, então, a pobre da águia nunca mais pensou nisso, até morrer convencida de ser uma simples galinha.
 

Padre Anthony de Mello, S.J.