O luto do regime

O golpe de Abril não foi obra de um só homem, mas sim um movimento encabeçado por diversos militares, todos com responsabilidades repartidas.

O regime prepara-se para se despedir de um dos seus símbolos, no momento em que este vai prestar ao Criador as contas que ficaram por saldar na vida terrena.

O facto de uma das principais figuras de referência do regime ser alguém que tem as mãos manchadas de sangue inocente, tendo sido liberado desses crimes pelo poder político, apesar de condenado em tribunal, revela bem a podridão em que o Estado de Abril de deixou submergir e a completa ausência de sentido de ética dos seus principais actores.

Otelo não passou de uma invenção da esquerda radical que, logo após a abrilada, o catapultou  para a liderança da revolução que visava implementar uma ditadura dita popular.

O primeiro passo nesse sentido foi o de criar a ideia de que Otelo fora o cérebro do golpe militar que derrubou o Estado Novo e que esse objectivo somente foi alcançado graças ao papel por ele desempenhado.

Nada mais falso!

O 25 de Abril teve na sua génese reivindicações exclusivamente corporativas, sem nenhumas intenções políticas, e nas quais, numa primeira fase, aqueles que mais tarde vieram a ter todo o protagonismo não participaram, a começar por quem, abusivamente, se intitulou como o seu primeiro autor.

O golpe de Abril não foi obra de um só homem, mas sim um movimento encabeçado por diversos militares, todos com responsabilidades repartidas.

Otelo foi apenas um deles! Sem ele a rebelião ter-se-ia desencadeado e triunfado de igual forma.

E, certamente, o destino de Portugal poderia ter sido bem diferente.

A ele, ao contrário do apregoado na hora da sua morte, a Pátria não deve nem a liberdade nem a democracia.

A Otelo os portugueses devem, sim, as prisões arbitrárias de milhares de perseguidos por crime de opinião, a maioria com mandados de detenção em branco por si assinados; a destruição de  todo um tecido económico, por via das nacionalizações selvagens, desastre cujas consequências ainda hoje estamos a pagar; a fuga dos principais quadros do País para o estrangeiro, como única alternativa a esquivarem-se a uma prisão sem culpa formada; e o abandono à sua sorte de milhões de portugueses que, lá por terem nascido longe deste pequeno burgo a que ficámos reduzidos, não deixavam de ser tão portugueses como os que vieram ao mundo por estas bandas, acabando parte considerável deles por encontrarem a morte, por terem sido deixados indefesos por parte de quem lhes deveria ter garantido protecção.

A liberdade e a democracia, se têm donos, esses são, sem margem para dúvidas, os militares moderados que em 25 de Novembro puseram termo ao desvario de Otelo e seus comparsas, apostados em transformar Portugal num satélite do Pacto de Varsóvia.

A liberdade preconizada por Otelo em nada diferia da que gozavam, e ainda hoje gozam, os cubanos, condenados a uma atroz ditadura pela mão do seu amigo Fidel, em quem se inspirava e do qual recebia instruções para aqui impôr um modelo idêntico.

Derrotado pela força das armas, mas sem que pelo seu contributo irresponsável num processo revolucionário que quase descambou numa guerra civil tenha sido alguma vez censurado judicialmente, Otelo não baixou os braços e, já num período de estabilização democrática, encarnou um movimento terrorista, com o propósito de demolir o estado de direito e anular as liberdades usufruídas pelos portugueses.

Por sua directa intervenção, foram assassinadas dúzia e meia de pessoas de bem e outras tantas selvaticamente feridas, muitas delas, como um castigo que se pretendia exemplar, alvejadas nas pernas, provocando-lhe invalidez permanente.

Ordenou também largas dezenas de assaltos à mão armada, dos quais resultaram o roubo de milhões de euros, na moeda actual, valores cujo destino continua no segredo dos deuses.

Este é o Otelo de Abril, condenado pela justiça por terrorismo, onde se incluem homicídios e roubos, mas perdoado pelos políticos do regime, que hoje se vestem de luto em sua memória.

Um regime, decrépito e desacreditado, que inventa heróis para se promover, necessitando, para esse efeito, de lhes branquear um passado funesto que possa vir a condicionar a sua divindade.

Não, a Otelo não devemos absolutamente nada!

Apenas vergonha, por o destino nos ter pregado a partida de termos sido seus contemporâneos.

 

Pedro Ochôa