Quem tem medo da variante Beta?

Boris não abriu portas a França por medo da variante sul-africana. É um receio válido, dizem especialistas. Mas que pode ter contornos políticos.

Paris está furiosa com o Governo de Boris Johnson, por este ter decidido levantar a obrigação de um isolamento de dez dias a viajantes vindos de países na “lista âmbar” – que inclui os Estados Unidos e os países membros da União Europeia – desde que estejam completamente inoculados contra a covid-19, com vacinas aprovadas na UE e nos EUA, mas deixando França de fora. O motivo de preocupação é a presença da variante beta no país, conhecida como “variante sul-africana”, com as autoridades britânicas salientando que esta parece ter algum impacto na eficácia das vacinas.

Das duas uma: ou se trata de uma medida excessiva dos britânicos, ou Portugal, que todos os verões recebe tantos imigrantes regressados de França, tem motivos para se preocupar.

Por cá, como no Reino Unido, a variante Delta, conhecida como “variante indiana”, extremamente transmissível, e com alguns indícios de que pode causar doença mais grave, tornou-se dominante, como acontecera antes com a “variante britânica”. Em Portugal, a Delta causou 98,6% dos casos de covid-19 entre 12 e 18 de julho, com nenhum caso da variante Beta detetado, mostra o mais recente estudo de diversidade genética do vírus do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge.

Já em França, ao longo das últimas quatro semanas, 1,9% dos casos alvo de análise genómica foram da variante Beta, segundo a base de dados GISAID. São esses os casos que estão a causar receios ao Governo britânico. Mas é estranho que não tenham optado por deixar de fora da sua lista de autorização de viagens à nossa vizinha Espanha, onde 14,2% das análises genómicas no último mês detetaram a Beta, quase duplicando o seu total de casos registados desta variante.

Aqui, como tantas outras vezes, talvez a opção de parceiros com quem abrir corredores de viagens misture ciência com política. Afinal, Espanha, em particular a Costa del Sol, é um dos destinos de férias mais populares entre britânicos – quando se debatia a possibilidade de não isentar viajantes vindos de Espanha e da Grécia de uma quarentena, no fim de semana passado, o Partido Trabalhista apontou o dedo ao Governo de Boris, acusando-o de deixar quase seis milhões de britânicos com as suas férias penduradas.

“Isto não tem fundamentos científicos”, queixou-se o ministro da Europa francês, Clement Beaune, esta quinta-feira, à LCI. É uma decisão discriminatória, creio, quanto aos franceses. Porque todos os europeus, mesmo com uma situação sanitária mais difícil que a nossa – por causa da variante Delta ou outra, não estão mais preocupados com a quarentena”, acusou.

Diplomacia à parte, há motivos para nos preocuparmos com o facto de estarmos de portas abertas a países com crescimento da variante Beta, seja França ou Espanha? De facto, vários ensaios clínicos mostraram alguma perda de eficácia das vacinas face a esta variante, tanto com a vacina da AstraZeneca como com a Pfizer/BioNTech ou Moderna. Contudo, a variante Delta parece estar a alastrar de forma bastante mais eficiente, pondo fora de jogo a Beta,

“Ainda assim, é totalmente possível que múltiplas variantes possam coexistir”, salientou Tara Hurst, professora de Ciências Biomédicas na Universidade de Birmingham City, num artigo no The Conversation. “Por isso não é um dado adquirido que uma variante, como a Beta, será completamente ultrapassada por outra, como a Delta. Não sabemos quão bem sucedida será a Beta a longo prazo”.