Dielmar. Governo diz que dificuldades financeiras são anteriores à pandemia

“A grave situação financeira da empresa e o elevado montante de investimento que seria necessário afastaram esses investidores. A Dielmar apresenta resultados negativos desde há vários anos”, diz ministério de Siza Vieira. Já a empresa de Alcains espera ser um “farol” para se repensar o Interior. Sindicato e trabalhadores surpreendidos com pedido de insolvência.

Ao fim de 56 anos de atividade, a Dielmar apresentou um pedido de insolvência na passada sexta-feira por não conseguir fazer face às suas obrigações, numa decisão justificada pelo impacto da pandemia no negócio. “Infelizmente a Dielmar, após ter ultrapassado várias crises, sucumbiu à pandemia da covid-19, pois esta crise atacou o que de melhor sustentava a sua atividade: o convívio social, os eventos e casamentos, com a elegância da alfaiataria por medida e a personalização em que nos especializámos”, argumenta a empresa de Alcains, Castelo Branco, em comunicado.

O Governo afasta este cenário ao garantir que a empresa "se debate, há vários anos, com graves problemas financeiros, apresentando muitas dificuldades a nível comercial e registando quebras significativas do seu volume de vendas", disse o ministério da Economia, em comunicado.

De acordo com o gabinete de Siza Vieira, "esta situação é anterior à crise provocada pela pandemia, tendo-se prolongado pelos últimos 10 anos. Durante este período, várias entidades públicas injetaram um valor aproximado de 5.000.000,00€ na empresa, tendo também garantido mais de 3.000.000,00€ de dívida. O recurso a estes montantes pressupunha a realização de um conjunto de medidas necessárias à reestruturação, sendo que a maioria destas medidas não foram aplicadas pela administração da Dielmar.  Acresce que a empresa regista uma dívida à banca de montante total de cerca de 6.142.000,00€. A empresa registava, em novembro de 2020, uma dívida a fornecedores de cerca de 2.500.000,00€ (vencidos na sua quase totalidade) e à Segurança Social, num montante superior a 1.700.000,00 euros", refere.

E vai mais longe. O minisrério indica ainda que o Estado, "através do  Fundo Autónomo de Apoio à Concentração e Consolidação Empresarial (FACCE) e o Fundo Imobiliário Especial de Apoio às Empresas (FIEAE), dois fundos públicos, já aportaram à Dielmar, sob a forma de capital, suprimentos e leasing imobiliário, um montante de 2.700.000,00 € através do FACCE, entre 2011 e 2013, e outro de 2.500.000,00€ através do FIEAE, em 2017. Além dos apoios referidos, a Dielmar tem garantias da Garval – Sociedade de Garantia Mútua, S. A., que integra o grupo do Banco Português de Fomento, no valor de 1.775.000,00€".

E lembra que face à difícil situação em que a empresa se encontrava, a partir de 2016, decidiu-se pela reestruturação do passivo financeiro com os bancos e o acionista FACCE, e pelo aporte de outros apoios à empresa através do FIEAE, mediante uma operação de sale and leaseback das instalações fabris, no montante de 2.500.000,00€. "Estes fundos tiveram como aplicação a amortização de empréstimos bancários e a regularização de saldos de fornecedores. Uma vez que grande parte das medidas identificadas como necessárias à restruturação da Dielmar não foram aplicadas pela administração da empresa, o FACCE, no âmbito da reestruturação dos suprimentos realizados, voltou a solicitar contratualmente a alienação de ativos imobiliários, que a administração da empresa nunca concretizou", acrescentou.

Estas equipas de gestão dos fundos públicos nomearam, em 2018, um consultor para apoiar a administração e as direções a implementar medidas tendentes ao turnaround e eliminação de situação de cash burn. Todavia, várias divergências entre as direções e a administração da empresa levaram à saída, em 2018, de vários quadros superiores. Entretanto, falhou uma tentativa de alienação das lojas WESLEY a um outro grupo do setor têxtil.

"Em 2020, e tendo por base a avaliação da administração da Dielmar realizada pelo consultor dos fundos públicos, foram consideradas esgotadas todas as possibilidade de reestruturar a empresa – ou até mesmo assegurar a sua transição, total ou parcial – e  o FACCE deliberou, e exerceu em Abril de 2020, a opção de venda tendente ao desinvestimento na Dielmar, ao abrigo do Acordo Parassocial, pelo montante de 3.280.603,84€ (valor calculado em função da regra estabelecida no Acordo Parassocial)", acrescentando que "desde a entrada do FACCE no capital da Dielmar, a empresa nunca apresentou resultados líquidos positivos. Foi, também, equacionada a possibilidade de entrada de um novo investidor privado na empresa, tendo em vista efetuar uma reestruturação profunda, renegociar as dívidas e tentar impulsionar a Dielmar para uma nova fase de crescimento. Nesse sentido,  foram promovidos contactos com entidades de capital de risco especialistas em processos de reestruturação ou turnaround. A grave situação financeira da empresa e o elevado montante de investimento que seria necessário afastaram esses investidores. A Dielmar, recorde-se, apresenta resultados negativos desde há vários anos".

Versão contrária

A empresa têxtil, uma das maiores empregadoras da Beira Baixa, descreve que “foram longos e duros 16 meses” para conseguir fazer sobreviver a empresa nesta pandemia e para “manter os atuais cerca de três centenas de postos de trabalho”, lamentando agora ter de tomar esta decisão, pois sabe “o quanto a desertificação” afeta aquela região, “que se vê a braços com uma nova e forte redução populacional”.

Contudo, o conselho de administração da empresa acredita que este seja “o farol para que possam repensar com caráter de urgência o Interior e apoiar as indústrias” que “suportam a fixação das pessoas e a economia e equilíbrio social da região”. Em causa poderão estar 300 postos de trabalho

Sindicato quer travar paragem laboral

O Sindicato dos Trabalhadores do Setor Têxtil da Beira Baixa pediu na segunda-feira medidas para evitar a paragem laboral na Dielmar. Em declarações à Lusa, Marisa Tavares, presidente da estrutural sindical, considerou “inaceitável” que os colaboradores tenham sabido da intenção da empresa através da comunicação social.

“É uma situação que não devia ter acontecido”, declarou a dirigente sindical, revelando que “não estava a contar com a apresentação da empresa à insolvência”, uma vez que que “a comissão sindical tem reunido mensalmente com representantes” da Dielmar “e não estava colocada em cima da mesa esta possibilidade”.A responsável alertou ainda que esta insolvência “coloca em causa não apenas a vida destes trabalhadores, mas também das respetivas famílias e de toda a comunidade” e por essa razão o sindicato têxtil já solicitou à Câmara de Castelo Branco, “para que faça junto das entidades competentes todos os esforços para a empresa continuar a laborar”, e vai ser feito um pedido de reunião ao Ministério da Economia.

Após uma reunião em plenário durante a tarde de segunda-feira, os trabalhadores decidiram fazer na próxima segunda-feira uma concentração em frente à Câmara de Castelo Branco, às 15h.Entretanto, o presidente desta autarquia, José Alves, garantiu ao ECO que está a ser discutida a hipótese de recolocar os colaboradores da Dielmar em outras empresas da região. “Já estão a ser feitos contactos com outras empresas com falta de mão de obra. É uma forma de atenuar a situação do impacto económico do fecho da Dielmar”, adiantou o autarca.