Ordem dos Médicos recusa prescrição de vacinas. “A DGS tem de decidir com coerência”

Bastonário alerta para risco de desconfiança e conflitualidade.

A Ordem dos Médicos recusa que a decisão de prescrever ou não a vacina a crianças saudáveis fique ao critério de cada clínico sem uma orientação comum a todo o país. Ao i, Miguel Guimarães sublinha que desde o início do processo de vacinação, nunca houve autonomia para prescrever a vacina da covid-19, mesmo em situações clínicas em que os médicos assistentes pudessem entender que se justificaria haver prioridade na vacinação, e alerta que, com a atual formulação, a orientação da DGS vem criar desigualdades entre as famílias e aumentar o risco de conflitualidade.

A Ordem tomou esta segunda-feira posição depois de a DGS ter publicado no seu site um documento assinado pela diretora-geral da Saúde com os anúncios feitos na sexta-feira. Em comunicado, a Ordem referiu-se a uma norma, que a DGS disse durante o dia não estar ainda pronta. Miguel Guimarães explica que havendo um documento oficial assinado pela diretora-geral da Saúde publicado no site da DGS, é a orientação que os clínicos têm por base para se pronunciar e responder aos pedidos de informação que se intensificaram nos últimos dias. “Se não há ainda uma norma, devia haver”, critica Miguel Guimarães, considerando que a forma como a decisão é anunciada, admitindo que é necessária mais evidência para decidir sobre a vacinação universal dos adolescentes e ao mesmo tempo deixando-o à decisão dos médicos assistentes dos jovens representa uma contradição. “Diz-se que não se vacina de forma universal porque não há evidência e que qualquer criança pode ser vacinada se o médico entender? Isto é dizer uma coisa e o seu contrário. Desde o início da vacinação que se assumiu que os Estados é que decidem a quem são dadas as vacinas, se não era uma confusão. Nas emergências de saúde pública, a lei permite estas situações. Sem uma orientação, isto pode levar a que uma criança que vá a um médico contra a vacinação universal diga que a criança não é vacinado e outro que seja a favor de vacinar este grupo etário prescreva a vacina. Imagine-se isto multiplicado por milhares de jovens, não é exequível e aumenta a desigualdade e conflitualidade”, diz Miguel Guimarães. Para o bastonário, a solução é fácil: “Ou são só vacinados os jovens com comorbilidades ou a vacinação é para todos. Se for para todos, quem decide se são ou não vacinados, como disse o Presidente da República, são as famílias. A DGS tem de decidir de uma maneira ou de outra, em nenhum dos casos o ónus deve ficar na prescrição médica que até aqui não existiu até para situações mais complicadas, como a vacinação de doentes transplantados”, insta.

O bastonário diz que a Ordem não defende um cenário ou outro, acompanhando a decisão da Direção Geral da Saúde. Miguel Guimarães defende, no entanto, que seja fornecida informação às famílias, remetendo para os dados dos EUA, onde já foram vacinados mais de 7 milhões de jovens e onde a Academia Americana de Pediatria e o Centro de Controlo de Doenças mantém a recomendação de crianças com mais de 12 anos. O CDC estima que por cada um milhão de doses administradas, haja 67 casos de miocardites/pericardites em rapazes dos 12 aos 17 anos, 56 casos nos rapazes dos 18 aos 24 e 20 no grupo etário dos 25 aos 29. As taxas são menores nas raparigas: nove, seis e três, respetivamente. A maioria dos casos, raros, com evolução benigna. Pesando os benefícios na prevenção de infeções, hospitalizações e óbitos por covid-19, mesmo em jovens, o CDC conclui que são superiores.

Diferença entre rapazes e raparigas pesou na decisão Segundo o i apurou, a diferença na ocorrência destes efeitos adversos raros entre rapazes e raparigas foi um dos fatores que pesou na decisão da comissão técnica de vacinação de não avançar para já com a recomendação de vacinação universal. Nas raparigas, os benefícios superavam os riscos, nos rapazes, a análise dentro do que pode ser quantificável era menos linear, mas há elementos menos tangíveis como o efeito indireto na proteção dos agregados familiares e transmissão nas escolas. A nível europeu, a posição da EMA na aprovação da vacina da Pfizer e da Moderna para estas faixas etárias foi de que os estudos são limitados para calcular o risco específico de efeitos adversos raros, mas considera que benefícios superam riscos. As crianças até aos 15 anos representam 14,5% da população do país. Sem vacinar este grupo etário, torna-se difícil que o país alcance a meta de vacinar mais de 85% da população, prevista para outubro e que o Governo fixou como condição para levantar todas as restrições.