JO. Pichardo e o ouro luso-cubano celebrado cá… e lá

Pedro Pablo Pichardo conquistou o ouro olímpico no triplo salto, com as cores de Portugal. O luso-cubano quebrou recordes e deixou orgulhosos portugueses… e cubanos. Tanto cá como lá.

De Santiago de Cuba, na ponta sudeste da ilha das Caraíbas, para o mundo, Pedro Pablo Pichardo alcançou a sua primeira medalha olímpica, com as cores de Portugal. 17,98 metros no triplo salto resultaram no quinto campeão olímpico português, que prometia desde o início chegar aos holofotes – a marca de qualificação foi a melhor de todas, com um salto de 17,71 metros.

Em Portugal, a comunidade cubana celebrou a vitória de Pichardo, que se naturalizou português em 2017, ano em que chegou ao país. Ainda assim, só começou a representar a seleção portuguesa em 2019.

“Reagi muito feliz ao meu conterrâneo ter ganho uma medalha de ouro por Portugal e não por Cuba”, confessou ao i um adepto luso-cubano, que pediu para manter o anonimato. “Cuba politiza o desporto”, atacou o mesmo, mostrando-se “orgulhoso” de um atleta do seu país “poder demonstrar o progresso na sua carreira aqui em Portugal”.

O mesmo adepto, tal como muitos outros, não conseguiu ver em direto o salto que garantiu a medalha de ouro a Pichardo, pois já passava das três da manhã e “tinha que trabalhar muito cedo”. Ainda assim, garante ter ficado “super orgulhoso de um luso-cubano poder representar Portugal e ter ganho ouro”. 

Pelo meio, ainda se falou da ligação polémica entre o regime cubano e o desporto, as acusações a Pichardo e o bloqueio ao seu regresso a Cuba. “O Governo cubano vai reagir tentando menosprezar e se calhar denegrir a imagem do atleta”, alertou o mesmo, que avisou também que o regime poderá “qualificar Pichardo de desertor , traidor ou outros qualificativos, ou simplesmente ignorar e não comentar este feito”.

Os atletas naturalizados que vencem medalhas por Portugal são, regularmente, alvo de dois tipos de apoiantes: daqueles que nasceram no país atual e daqueles que, apesar de o atleta ter assumido outra nacionalidade, continuam a apoiá-lo no seu país de origem.

É o caso, por exemplo, de um dos habitantes de Santiago de Cuba (um ‘santiaguito’, como o mesmo se definiu) que respondeu às questões do i e garantiu que a população da cidade está “muito contente” com a medalha do luso-cubano.

“Um cubano que ganha uma medalha é sempre uma alegria, onde quer que more”, realçou o mesmo, antes de deixar uma mensagem de esperança para Pichardo: “Eu gostaria que chegasse o dia em que eles pudessem praticar sob sua bandeira”.

O mesmo não deixou de fora a importância de Santiago de Cuba para o atletismo no país e, consequentemente, no mundo, relembrando que a medalha de ouro é também “um grande feito para a cidade, terra de grandes atletas”, relembrando o nome de Anier García, o conterrâneo de Pichardo que conquistou o ouro olímpico nos Jogos de Sydney, no ano 2000, em 110 metros barreiras, e o bronze, na mesma categoria, nos Jogos de Atenas, em 2004.

Uma vitória folgada Pedro Pablo Pichardo, que tinha já conquistado o ouro nos Europeus de Atletismo de Pista Coberta, também no triplo salto, foi, sem sombra de dúvida, o atleta que melhores resultados alcançou na modalidade em Tóquio. É ele, afinal, quem mantém o quinto melhor salto de sempre, com a marca de 18,08 metros, atingida ainda sob a bandeira de Cuba.

Em Tóquio, ficou-se pelos 17,98 metros (novo recorde nacional, e a melhor marca do ano até agora), o suficiente, ainda assim, para subir ao pódio e cantar A Portuguesa.
Com esta nova medalha, Portugal alcançou, nos Jogos de Tóquio, o melhor desempenho de sempre, com um total, até agora, de quatro medalhas conquistadas.

Polémica com Évora Por trás da medalha de ouro de Pedro Pablo Pichardo há uma história por contar e uma tensão interna na missão portuguesa. Nelson Évora, o campeão olímpico português nos Jogos de Pequim, em 2008, é um ávido crítico do processo de naturalização de Pichardo, desde 2017, e a polémica parece estar longe do seu final.

No momento em que Évora ficou fora da final em triplo salto, atirou uma farpa ao luso-cubano, dizendo acreditar que o mesmo não o cumprimentaria, se estivessem juntos na pista, e dizendo que “há de aprender com a vida”. Na própria prova final, argumenta a Tribuna Expresso, o luso-cabo-verdiano terá até dado indicações aos rivais de Pichardo. Uma situação que Pichardo desvalorizou, citado pela mesma publicação.

O luso-cubano, no entanto, não deixou o ‘picanço’ de Évora sem resposta. “Não falo mal do Nelson, não quero levar o assunto para problemas pessoais. Há anos que fala de mim e não respondo. Já ganhou tudo, porque não me deixa a mim fazer a minha carreira?”, lamentou o atleta, em conferência de imprensa.

“Nós nunca fomos amigos. Não sei porque ele confunde as coisas. Há alguma rivalidade desportiva. Para mim se ele fala comigo ou não, não faz diferença alguma. Ele está sempre a dizer que ganhou tudo, mas nem a Liga Diamante ganhou. Ele já acabou a sua carreira, eu ainda não. Eu acredito que ele não lidou muito bem com a minha mudança de nacionalidade”, disparou ainda.

Tudo começou quando Nelson Évora se insurgiu contra o processo de naturalização de Pichardo, acusando-o, em 2019, em declarações à Sporting TV, de ser “um ataque pessoal” orquestrado pelo Benfica, clube que o luso-cubano representa.

“Foi feito por questões clubísticas e com o objectivo de ataque pessoal quando não houve nenhuma má intenção da minha parte na mudança de um clube para o outro. Foi o próprio clube que foi negligente com a minha pessoa. Não sei porque é que deram a volta ao mundo para fazer esta borrada”, disse.