Covid-19. Stresse nos hospitais no outono

Instituto de Métricas e Avaliações em Saúde da Universidade de Washington atualizou projeções para a evolução da pandemia. Estima mais 2 mil mortes em Portugal associadas à covid-19 entre 26 de julho e 1 de novembro e situação de stresse elevado a extremo nos hospitais. Vacinas são eficazes, mas o ‘vírus tem um padrão sazonal,…

Covid-19. Stresse nos hospitais no outono

Os hospitais podem ter de enfrentar uma nova vaga de internamentos relacionados com a covid-19 nos meses de outono, que, mantendo-se a tendência de maior circulação de pessoas e menor uso de máscara em espaços públicos, poderá vir a superar a do outono passado, com mais de 400 doentes a precisar de resposta em cuidados intensivos, acima da linha vermelha agora definida a nível nacional em 255 camas ocupadas por doentes críticos com covid-19 (no início do ano, chegou a haver mais de 904 doentes com covid-19 em UCI, 1300 contando com outros casos críticos, mas para alargar as unidades foram suspensas cirurgias não urgentes). A projeção, que contraria o otimismo em torno de um virar de página para breve da pandemia nos países mais avançados na vacinação, é feita pelo Instituto de Métricas e Avaliações em Saúde da Universidade de Washington, que desde o início da pandemia publica cenários a nível global sobre a evolução da covid-19.

No ano passado, por esta altura, o mesmo instituto previa um pico de infeções e de óbitos no inverno e a necessidade de um confinamento para travar a progressão do vírus, que em Portugal apontava para o início de dezembro – coloca a necessidade de travão para evitar cenários piores quando os países atingem uma média de 8 mortes por milhão de habitantes associadas à covid-19, 80 mortes por dia. Calculavam os especialistas americanos que, se tal ocorresse, o país poderia chegar ao início de março com 13 mil mortes. O país confinou mais tarde, em janeiro, e o inverno, marcado também nesse mês por uma vaga de frio acentuada, acabou por ser mais pesado do que o projetado no cenário central da equipa da Universidade de Washington, chegando-se a 1 de março com 16 mil óbitos associados à covid-19.

Nas projeções agora atualizadas (ver os gráficos) já tendo em conta a progressão da vacinação, maior mobilidade, a circulação da variante delta e a tendência para alívio no uso de máscara, a equipa projeta como cenário mais provável que o país enfrente no outono uma vaga de infeções superior às anteriores mas com proporcionalmente menor impacto na mortalidade e nos internamentos pelo menos até 1 de novembro do que o que se viveu nos meses de janeiro e fevereiro. Ainda assim, é de esperar que o país tenha uma situação de «stresse elevado a extremo» em termos de recursos hospitalares necessários e estimam que neste período, do final de julho a 1 de novembro, possam verificar-se mais 2 mil mortes atribuíveis à covid-19, com 50 óbitos diários em meados de outubro.

Num pior cenário, que projeta uma situação em que há um declínio exponencial de uso de máscaras e que a mobilidade continua a aumentar independentemente dos níveis de infeção, estima-se um maior aumento da mortalidade, que pode chegar aos 100 óbitos diários em outubro.

Ao Nascer do SOL, Ali Mokdad, um dos responsáveis do IHME, refere que uma das explicações para as projeções que apresentam é haver evidência de que o vírus é sazonal e «segue os padrões da pneumonia» e que não será atingida a imunidade de grupo nos próximos meses. Estimam que Portugal chegará a 1 de novembro com 8,3 milhões de pessoas completamente vacinadas – o que calculam em função dos planos de cada país e dados sobre intenções de ser vacinado. O objetivo de atingir mais de 85% da população vacinada em Portugal é dificilmente atingível sem vacinação de adolescentes e adesão quase total de adultos mas a equipa vai mais longe e tem em conta as variantes e as diferenças na efetividade das vacinas no que toca à proteção de infeção, que não é de 100%.

Assim, estimam que a 1 de novembro 73% da população estará imune a variantes que não escapam a vacinas e 67% a variantes mais transmissíveis, o que deixa mais de 30% de suscetíveis. «Segundo as nossas estimativas, a imunidade de grupo não é possível este inverno. Estimamos 67% de imunidade na população portuguesa a 1 de novembro e isso não é suficiente para o atingir. Também temos de ter presente a hipótese de desvanecimento de imunidade e novas variantes que escapem a vacinas», acrescenta o investigador, numa resposta por escrito, considerando que manter o uso de máscaras em espaços públicos no inverno e planear o que pode ser uma estação de duplo stresse nos hospitais_por causa da covid-19 e da gripe são medidas a ter em conta.

 

Máscaras no inverno

Em relação à terceira dose da vacina, Ali Mokdad diz que é preciso «seguir a ciência e que já se sabe que a imunidade diminui com o tempo e por isso pode ser necessária para conter a variante delta». No entanto, o especialista salvaguarda que, ao mesmo tempo, é preciso garantir acesso equitativo a vacinas, já que o aumento da transmissão noutros países também pode levar a novas variantes.

Apesar de prever que os hospitais voltem a confrontar-se com uma situação de stresse elevado ou extremo em termos de capacidade de resposta no outono, Ali Mokdad salienta que as vacinas são eficazes: até novembro, o IHME estima que as que ainda vão ser dadas em Portugal poderão evitar 3100 mortes.

O uso universal de máscaras em espaços públicos é apontado no entanto pela equipa da Universidade de Washington como uma arma a manter: se na próxima semana a adesão voltasse a ser de 95% (com base em inquéritos como os que são feitos pelo Facebook aos utilizadores em cada país, é usada 82% das vezes), estimam que poderia haver menos 1200 mortes por covid-19 até novembro. O Governo anunciou o fim do uso de máscara na via pública quando for atingida a meta de 70% da população completamente vacinada, algo esperado em setembro.

Pode ser arriscado deixar de usar máscara no outono? «As máscaras são efetivas contra a covid-19 e todas as suas variantes. No próximo inverno, serão uma boa estratégia independente da cobertura vacinal uma vez que as crianças ainda não são elegíveis para fazer a vacina e alguns adultos também não podem fazê-lo», diz Mokdad. A equipa recomenda também o planeamento do outono/inverno nos hospitais: «Precisamos de planear um possível stresse duplo no sistema médico causado por covid-19 e gripe. Os países devem ter planos para garantir recursos para lidar com essa possibilidade».

Em termos de infeções diárias, a equipa projeta infeções em termos absolutos e não as que são detetadas, o que varia consoante os testes que fazem. Calculam que atualmente o rácio de deteção em Portugal, onde a testagem tem estado a baixar, é de 62% dos casos, acima do que aconteceu em todo o ano passado mas