Há mais doenças para além da covid-19!

O IPO continua sem capacidade de resposta para as necessidades. E cada caso tem a sua história e os médicos não podem fazer mais milagres do que os que já fazem. E cada cancro vencido é sempre um milagre. Entretanto, passam os dias e não se ouve uma única palavra sobre este assunto das bocas…

David tem seis anos e precisa de um transplante de medula óssea. Desde maio que tem um dador compatível identificado, mas a operação, que já esteve apontada para julho, foi sendo adiada e ainda não está confirmada para setembro.

David já fez sete ciclos de quimioterapia – seis bastavam, mas a espera já o obrigou, entretanto, a mais um – e porventura terá de fazer ainda um oitavo e um nono antes de ser chamado para o bloco.

Em Portugal há três unidades hospitalares que fazem transplantação de medula, mas apenas o IPO do Porto e o IPO de Lisboa admitem casos pediátricos.

David está a ser acompanhado no IPO de Lisboa, onde a mãe procurou respostas para o retardamento da operação do filho e lhe disseram que havia falta de pessoal e uma lista de 57 doentes à espera de transplante de medula.

Por esta altura, o leitor já deve estar a questionar-se onde é que já leu isto. Ou nas redes sociais, onde Bruna Vilar, mãe do David, deu o seu grito de revolta; ou no Nascer do SOL da semana passada, num artigo assinado por Marta F. Reis.

Neste, o presidente do IPO de Lisboa, João Oliveira, explica que «o problema de falta de pessoal é sistémico» e salienta que, se, por um lado, a capacidade de resposta do IPO no transplante de medula óssea aumentou nos últimos meses, por outro, as indicações de transplante também aumentaram, incluindo casos até há pouco tempo considerados sem tratamento possível – o que é, obviamente, positivo, mas tem como contrapartida a sobrecarga dos serviços.

Ou seja, o IPO continua sem capacidade de resposta para as necessidades.

E cada caso tem a sua história e os médicos não podem fazer mais milagres do que os que já fazem. E cada cancro vencido é sempre um milagre.

Entretanto, passam os dias e não se ouve uma única palavra sobre este assunto das bocas do secretário de Estado Lacerda Sales, da ministra Marta Temido, do primeiro-ministro, António Costa, ou do Presidente Marcelo.

Nada! Zero!

Apesar de todos eles aparecerem quase dia-sim-dia-sim em quase todos os canais de televisão a falar da pandemia e da campanha de vacinação.

Como se a Saúde em Portugal se esgotasse na covid-19 e nas vacinas.

Ora, se há mais vida para além da pandemia, como ainda recentemente vincava o Presidente Marcelo, é bom que se tenha em devida conta que há também mais doenças para além da covid-19.

E absolutamente prioritárias, em que o tempo pode fazer toda a diferença.

Casos como o transplante de medula óssea de David ou da incapacidade de resposta do IPO de Lisboa são absolutamente prioritários.

Têm de ser.

É questão de vida ou de morte.

Não é justo prolongar-se assim o sofrimento de uma criança ou de qualquer ser humano.

Não se pode ignorar.

Em ano e meio de pandemia, já todos percebemos que a mortalidade aumentou muito mais do que a covid-19 permite explicar.

Exatamente porque a esmagadora maioria dos meios e recursos foram canalizados para o combate à pandemia.

E tudo o resto passou para plano secundário.

Ora, não pode!

Encher a boca com as virtudes do Serviço Nacional de Saúde – que ninguém nega – e falhar na assistência mais básica, em questões de vida e de morte ou de sofrimento desumano, não é aceitável.

Há mais doenças para além da covid-19!!!

O sucesso ou insucesso dos Estados e dos Governos no combate à pandemia não pode medir-se apenas pelas estatísticas que importam diretamente ao novo coronavírus. Mas por tudo, chamem-lhe danos colaterais ou outra coisa qualquer.

O SNS respondeu bem à covid-19? Com toda a certeza que sim.

Mas ninguém ficou para trás nem ficou prejudicado? Com toda a certeza que não.

Tentar esconder a realidade que vivemos não adianta nada.

Quem mais clama pelo SNS não pode descartar-se assim. 

E mal vai a Saúde quando os doentes – incluindo crianças como o David, de seis anos – deixam de ser ou importar mais do que números e estatísticas, baralhados e apresentados conforme mais aprouver.

É desumano!

Criminoso!