Krystsina Tsimanouskaya. Uma atleta que não conseguiu correr para longe da política

O regime de Lukashenko controla todos os aspetos da vida dos bielorrussos, incluindo o desporto. Mesmo uma velocista sem ligações à oposição, que não se manifestou contra o regime quando as ruas estavam cheias, para se concentrar em correr, acabou por ter de fugir, em plenos Jogos Olímpicos.

Krystsina Tsimanouskaya. Uma atleta que não conseguiu correr para longe da política

A vida de Krystina Timanovskaya foi virada do avesso, de um momento para o outro. A velocista de 24 anos, estrela ascendente no desporto bielorrusso, especializada nos 200 metros, apenas queria correr e fugir da política, mas acabou envolvida num turbilhão internacional. Ao criticar publicamente dirigentes desportivos, quando representava nos Jogos Olímpicos um país onde o menor gesto de desafio pode terminar em prisão, espancamentos ou mesmo tortura, Timanovskaya deu por si recambiada de volta a Minsk. A atleta acabou por escapar, com ajuda da polícia japonesa e um visto humanitário polaco, sabendo que tão cedo não voltará. E deu com a sua cara estampada na imprensa mundial, não porque ganhara ouro, prata ou bronze na pista, como desejava. Mas porque se tornara um símbolo de que qualquer bielorrusso, mal levante a cabeça, pode ser alvo do regime de Alexander Lukashenko, mais conhecido como o último ditador da Europa.

«Tiraram-me o meu sonho de competir nos Jogos Olímpicos. Tiraram-me essa oportunidade», desabafou Timanovskaya, quarta-feira, em entrevista por telemóvel com a CNN. Nesse mesmo dia, arrancou de Tóquio e aterrou em Viena – o voo teve de alterar um pouco a sua rota, no leste da Rússia, para não atravessar o espaço aéreo bielorrusso, dado o regime já ter desviado um voo da Ryanair, em junho, para deter um jornalista crítico do regime, Roman Protasevich, e sua namorada, Sofia Sapega – rumo a Varsóvia. A atleta promete não desistir. «Eu quero focar-me na minha carreira», assegurou. «Já estou a pensar nos próximos Jogos Olímpicos».

O caso pode tornar-se um sério embaraço para o regime bielorrusso, reforçando a contestação interna, comenta Alexandre Guerreiro, Investigador da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, doutorado em Direito Internacional Público e especializado no Leste Europeu, à Luz. «A nível mundial, toda a gente dá valor aos Jogos Olímpicos, mas mais ainda naquela região. São vistos não só como uma competição desportiva, mas como forma de afirmação política», salienta. «Apesar do caso ser sobretudo desportivo, foi uma atleta que se incompatibilizou com a Comissão Olímpica, isto acaba por ser visto como reflexo da forma de governação de Lukashenko».

 

Vida virada do avesso

Nascida em Klimavichy, no leste da Bielorrússia, Timanovskaya cresceu parcialmente surda, apenas recuperando a audição com uma cirurgia aos 12 anos, contou ao New York Times. Só três anos depois, relativamente tarde para uma futura atleta de alta competição, começou a treinar atletismo ao mais alto nível. Até então, a sua experiência limitara-se a pequenas competições distritais ou a correr no recreio, em corridas contra os rapazes. «E geralmente ganhava», contou Timanovskaya, numa entrevista de 2015 citada pelo Guardian.

Se o sonho de Timanovskaya era correr, ficou mais complicado com as presidenciais de agosto deste ano, quando a Bielorrússia foi paralisada por protestos massivos, acusando Lukashenko de fraude eleitoral. A velocista não esteve entre as multidões que saíram à rua, enfrentando cargas policiais e detenções arbitrária. Nem subscreveu uma carta de mais de mil atletas contra o regime, que resultou na expulsão de 35 membros da equipa olímpica. «Eu só me queria preparar para os Jogos Olímpicos», explicou, ao jornal nova-iorquino. «Não assinei nada para que ninguém me incomodasse».

Mas a política veio-lhe bater à porta em Tóquio, quando se queixou no Instagram da «negligência» do seu treinador, que este não tinha garantido os testes de doping necessários a várias das suas colegas para participarem, e que a inscrevera sem aviso na prova dos 400×4, para a qual não se preparara. Foi demais – os dirigentes da equipa olímpica exigiram-lhe que voltasse para Minsk, dizendo ter ordens de cima, e dois homens apareceram-lhe à porta para a escoltar até ao aeroporto.

«Antes de entrar no carro, a minha avó ligou-me. Ela disse que não devia voltar à Bielorrússia, porque não era seguro para mim lá», contou Timanovskaya à CNN. «Ela disse que eles estavam a dizer mal de mim na televisão, que estava doente, que tinha problemas psicológicos», continuou. «Não sei para onde me levariam. Talvez para a prisão, ou mais provavelmente para um hospital psiquiátrico».

Foi aí que a atleta pediu ajuda à polícia japonesa, que a resgatou, refugiando-se primeiro num hotel perto do aeroporto e depois na embaixada polaca em Tóquio. Ligou logo ao seu marido, que fugiu de imediato para Kiev, à procura de refugio – no dia seguinte, o líder de um grupo de apoio aos exilados bielorrusso na capital ucraniana, Vitaly Shishov, apareceu enforcado num parque público, estando a ser investigada a hipótese de se tratar de um assassinato – antes de se reunir com Timanovskaya. Agora, a atleta terá de aprender a viver com um alvo nas costas, perseguida pela perigosa política da Bielorrússia, de que tanto tentou fugir.