A liberdade censurada!

Agora, uma coisa é certa… a censura não acabou. A liberdade que, supostamente, foi conquistada com Abril de 74 vai começar, aos poucos, a acabar, porque se está a constituir uma censura muito maior do que aquela que existe nos regimes totalitários – a censura interior.

Não sou fascista! Nunca fui… acho até que nem sei o que é um fascista, porque cada vez que ouço falar de fascismo ou leio algum livro sobre o fascismo fico cada vez mais baralhado. 

Também não sou comunista! Nunca fui… acho até que a luta de classes é uma conquista do cristianismo desde há dois mil anos, mesmo que se tenha pervertido na estratificação hierárquica ao longo dos séculos. 

Na realidade, eu nem sei o que sou! Penso que sou uma espécie de selvagem…

Sou uma espécie de selvagem que busca constantemente a fé em Cristo, que tem tido o poder de, aos poucos, libertar-me da minha selvajaria. 

Ser selvagem é bom, mas quando nos sentimos presos à selvajaria que nos domina, então tornamo-nos escravos. Eu senti-me muitas vezes escravo do meu selvagem. 

Não querendo obedecer a nada para me sentir livre, muitas vezes me tornei escravo da minha liberdade, isto é, eu acredito que o meu desejo de liberdade – que é o desejo de todo o homem – me tornou mais escravo do que livre.

O que tem a ver este sentimento interior com a política?

Acho que não tem nada a ver… a não ser o facto de muitas vezes a política – quer fascista, quer comunista – aparecer diante de nós como uma espécie de messias libertador com poder de quebrar os grilhões da escravatura em que vive o homem.

Eu, como disse, sou uma espécie de selvagem que nasceu já depois do 25 de Abril e que nem sequer imagina o que seja ter de pensar duas vezes antes de escrever um texto para um jornal, quer dizer, eu nem sequer imagino o que sofriam antes os homens selvagens como eu que gostam de pensar e de escrever o que pensam. 

A censura devia de ser uma coisa horrível! Não poder dizer ou escrever o que se pensa sem se sentir observado e julgado ou coagido deve insuportável, para um espírito selvagem como eu… e em todos os tempos há muitos selvagens que querem dizer ou escrever o que pensam… e mais ainda, querem fazer o que lhes apetece.

Penso que, agora, estamos a iniciar um período assim… eu hoje já começo a pensar duas vezes antes de escrever o que penso. É certo que muitas vezes devia pensar duas vezes antes de dizer alguma coisa. Mais facilmente censuro o que escrevo do que o que digo e isso tem-me trazido alguns dissabores… não pensar duas vezes antes de dizer o que penso.

Agora, uma coisa é certa… a censura não acabou. A liberdade que, supostamente, foi conquistada com Abril de 74 vai começar, aos poucos, a acabar, porque se está a constituir uma censura muito maior do que aquela que existe nos regimes totalitários – a censura interior.

Quantas vezes escrevo o que penso e depois volto a trás para corrigir o que digo, porque pode trazer problemas – não dentro da Igreja, mas fora? Quantas vezes me tenho autocensurado? 

Eu diria: muitas! E hoje é um desses dias, porque tenho pensado nesta vaca sagrada chamada liberdade…

Na semana passada morreu um dos capitães de abril chamado Otelo. Já tinha lido algumas coisas – poucas – sobre ele. Sabia alguma coisa do processo pós-25 de Abril, apesar de ter nascido no ano seguinte à revolução. Penso que a minha selvajaria é filha dessa revolução. 

Ver algumas entrevistas e algumas reportagens que vi ao longo desta semana trouxe-me algumas questões à mente que até tenho medo de as colocar por escrito: afinal há um senhor que fez o 25 de Abril que depois esteve supostamente por detrás de uma associação terrorista e que agora queriam que se fizesse luto nacional? E este senhor ‘fundou’ a liberdade para poder viver com duas mulheres (mesmo que em casas separadas) e não há nenhuma feminista que fale disto? 

Penso que estas questões far-me-ão, seguramente, aguçar o desejo de ler ainda mais sobre esses tempos que seguiram o 25 de Abril, porque a ignorância nunca me trouxe coisa boa na vida. O que vi esta semana é, realmente, uma coisa estranha!