As melhores chefs. Sucesso num mundo dominado por homens

Contrariamente aos ensinamentos arcaicos que diziam que o lugar das mulheres é na cozinha, a verdade é que ainda são poucas as que se destacam neste área dominantemente masculina.

Se recuarmos até à nossa infância e nos lembrarmos das festas de família, é provável que uma das primeiras imagens projetadas na nossa cabeça nos leve de volta à cozinha com mães, avós e tias a preparem o banquete. Se lhe perguntarmos qual o seu prato favorito é possível que responda uma qualquer especialidade feita pelas matriarcas da família.

No entanto, se procurar na barra de pesquisa do Google “Melhores Chefs do Mundo”, pelo menos as primeiras dez imagens que lhe vão aparecer serão rostos masculinos. No ano de passado, apenas seis mulheres fizeram parte da lista dos 100 Melhores Chefes do Mundo. Para muitos, este é ainda um ramo misógino e sexista mas no qual as mulheres estão a conseguir cada vez mais deixar a sua marca.

A prova disso é a peruana Pía León que, com 34 anos, além de em 2020 ter ficado posicionada em 42.º na lista supramencionada, ganhou este ano o prémio de Melhor Chef Feminina do Mundo atribuído pela organização “The World’s 50 Best” (os 50 melhores do mundo).

De acordo com um vídeo publicado pela organização, desde criança que León adora “cozinhar, comer e partilhar as refeições com toda a família à mesa”. Quando terminou os estudos, iniciou o seu percurso no mundo da restauração, tendo trabalhado durante quase 12 anos no Central, segundo o “The Worlds Best” um dos melhores restaurantes “não só na América do Sul, como no mundo”. Para a sua classificação em primeiro lugar durante três anos consecutivos na lista dos 50 melhores restaurantes da América Latinamuito contribuiu o trabalho da chef na cozinha.

Há três anos, Pía abriu o seu restaurante – Kjolle – para poder “expressar a suas ideias e ter voz”. Nas suas palavras, a equipa é “como uma família” onde todos estão “a crescer e aprender juntos” partilhando “o mesmo sentimento e paixão”.

 

Chefs Internacionais

Com a lista dos 100 Melhores Chefes do Mundo de 2021 a ser revelada na mês que vem (para a qual voltou a estar nomeado o chef José Avillez e um outro português), vamos relembrar as restantes cinco mulheres que integraram o ranking do ano passado.

A primeira a aparecer encontra-se ainda top 20 da lista, em 18º lugar. Trata-se da eslovena Ana Ros. A autodidata de 48 anos não fazia ideia de que queria ser cozinheira. Filha de um médico e de uma jornalista, estava pronta para seguir a carreira diplomática quando terminou o curso de relações internacionais em Trieste, Itália. Quem a fez mudar de rumo foi o noivo, Valter Kramar, cuja família tinha um pequeno restaurante nas margens do rio Soca, na Eslovénia.

O Hisa Franko é hoje um dos mais conceituados restaurantes do mundo, tendo conquistado a segunda estrela Michelin em 2020, e foi lá que Ana pode dar largas à sua imaginação e estimular o seu talento. O seu protagonismo neste universo levou-a a ser convidada para participar no documentário da Netflix Chef’s Table, que dá a conhecer alguns dos mais conceitos restaurantes e Chefs do mundo.

Em 31.º lugar da lista surge a francesa Anne-Sophie Pic. O restaurante da família, Maison Pic, localizado em Valence, foi galardoado com três estrelas Michelin em 1934, ainda com o seu avô à frente do espaço. Apesar de ter estudado gestão e trabalhado no Japão e nos Estados Unidos, Pic voltou ao seu país natal para seguir as pisadas da família.

A chef de 52 anos começou a trabalhar no restaurante em 1992, enquanto aprendia com o pai. Poucos meses depois, o progenitor morreu, tendo Anne-Sophie ficado a comandar o estabelecimento. Três anos mais tarde, o espaço perdeu uma das suas estrelas, tendo a cozinheira sentido que tinha perdido “a estrela do pai”. Com trabalho árduo, embora sem nenhuma formação na área, Anne-Sophie conseguiu em 2007 recuperar a estrela que tinha perdido.

Um pouco mais abaixo na lista aparece o nome de Manoella Buffara, que ocupa o 55.º lugar da lista dos melhores do mundo. Nascida em Maringá, no Brasil, começou cedo no mundo da culinária.

Apesar de inicialmente ter estudado jornalismo, ainda que apenas para agradar aos pais, Manu rapidamente mudou de rumo, tendo voado para Itália para integrar um curso de cozinha e hotelaria. Aos 18 anos voltou para a América, fixando-se nos Estados Unidos. Passou um mês num pesqueiro do Alasca.

A cozinha aparece na sua vida quando a necessidade se alia à paixão. No website do restaurante que hoje dirige – Manu, em Curitiba – a chef explica que é do campo e foi criada “em volta de cabras, vacas, hortas, campos de milho e muitas outras coisas”, tendo aprendido com o pai a valorizar a terra e os animais. Com a avó, aprendeu “o quão importantes são as nossas mãos, para descobrir temperaturas, pontos de cozimento, tempo para fazer pão e o amor que devemos ter para a alimentação”.

A semente já lá estava, mas foi apenas por ser indispensável que começou a cozinhar. Antes de regressar a casa para abrir o seu estabelecimento, Manu trabalhou ao lado dos melhores, como o chef dinamarquês René Redzepi (que ficou em primeiro lugar da lista), no restaurante Noma, ou o chef americano Grant Achatz, no Alinea.

Nos octogésimos lugares da tabela aparecem as duas últimas chefes entre os cem melhores: Bee Satongun e Daniela Soto-Innes.

A primeira é tailandesa e encontra-se em 82º lugar. Com uma carreira com mais de 30 anos, é uma das donas do espaço Paste Bangok, premidado várias vezes com uma estrela Michelin. O sucesso fez com que Satongun expandisse a marca, já tendo o Paste chegado a Laos e à Austrália. Para chegar onde está hoje Satongun estudou bem a gastronomia tailandesa e recriou várias receitas, sempre ao lado do seu marido e sócio, Jason Bailey.

Daniela Soto-Innes está em 86º lugar e em 2019 foi a mais jovem galardoada com a distinção de melhor Chef Feminina do Mundo, tinha apenas 29 anos. Nascida no México, aos 12 anos mudou-se para Texas, onde explorou o seu primeiro amor: a natação – até aos 20 anos foi nadadora competitiva. Estudou na escola francesa de culinária Le Cordon Bleu do Texas e treinou tanto na Europa como nos Estados Unidos. Em 2014, abriu, com o chef Enrique Olvera o restaurante Cosme em Nova Iorque, seguindo-se, três anos depois, o Atla, com o mesmo parceiro. No entanto, no final do ano passado, Daniela anunciou no seu Instagram que ia deixar ambos os projetos para se dedicar a uma nova fase na sua carreira e perseguir os seus sonhos.

 

Em Portugal

Apesar de ainda não haver chefs portuguesas nas listas de melhores do mundo, isso não significa que o que é feito em casa não é bom. Justa Nobre, Ana Moura, Marlene Vieira são algumas das cozinheiras nascidas em território nacional mais conhecidas pelo seu talento.

Justa Nobre é inegavelmente um dos mais sonantes nomes da gastronomia típica portuguesa. Nascida em Trás-os-Montes, em 1957, traz as suas raízes para a mesa, tendo feito do seu restaurante em Lisboa um cantinho de culinária com um toque transmontano. No início do seu percurso, Justa foi convidada para chefiar a cozinha do restaurante 33, em Lisboa. Constituinte foi o nome do primeiro restaurante que abriu, em parceria com o marido, José Nobre, em 1988. As críticas positivas impulsionaram a sua carreira, levando-a a abrir em 1990 na freguesia da Ajuda, em Lisboa, o restaurante que até hoje, é dos mais conceituados do país – o Nobre. A participação em vários programas de televisão deu-lhe notoriedade, sendo o mais recente a edição portuguesa do Masterchef.

Ana Moura não é só o nome de uma conhecida fadista como também de uma prestigiada chef. No início de 2017 abriu na zona do Marquês de Pombal a Bacalhoaria Moderna, onde reinventa pratos do fiel amigo. Licenciada em Marketing, sempre se considerou uma pessoa criativa e decidiu voltar a estudar, desta vez na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa. Já em maio deste ano, inaugurou em Porto Covo o seu novo espaço, onde serve comida de tacho tipicamente alentejana. O “Lamelas” deve o nome à parte materna da família, que tem origem nesta vila à beira-mar.

Já Marlene Vieira desde pequena que tem o destino traçado. Filha de pais talhantes, a primeira experiência na cozinha foi aos 12 anos, altura em que trabalhou num restaurante durante as férias de verão. Quatro anos depois ingressou na Escola de Hotelaria de Santa Maria da Feira. Aos 21, já se tinha mudado para Manhattan, em Nova Iorque, para trabalhar no restaurante de comida típica portuguesa Alfama. De volta a casa, trabalhou no Manifesto, ao lado do chef Luís Baena. Passou pela cozinha do Hotel Sheraton do Porto e ainda liderou a cozinha do Panorâmico, no último piso do Núcleo Central do Taguspark, em Oeiras. No ano passado abriu o Zunzum Gastrobar, onde serve comidas e bebidas com “sabor português e técnicas do mundo”, lê-se no site do espaço.

São muitas outras as chefs que se destacam na gastronomia portuguesa, não fosse Portugal em país conhecido pelos seus petiscos. A começar por Maria de Lurdes Modesto, que no início da década de 1980 compilou a ‘bíblia’ da gastronomia tradicional portuguesa. Desde então, as mulheres têm conquistado espaço no mundo restrito dos melhores restaurantes e quem sabe se não será em breve que terão a notoriedade de chefs como Pía León, Ana Ros ou Anne-Sophie Pic.