Rodrigo Moita de Deus. “Falta provar que os lockdowns tenham contribuído em alguma coisa para a saúde pública”

O diretor executivo da Associação Portuguesa de Centros Comerciais não entende que estes espaços tenham estado fechados durante a pandemia, uma vez que ‘são seguros’. E diz que, no fim da crise sanitária, é necessário uma análise independente às medidas tomadas para que numa próxima não sejam repetidos os mesmos erros.

Rodrigo Moita de Deus. “Falta provar que os lockdowns tenham contribuído em alguma coisa para a saúde pública”

Como estão os centros comercias a superar esta pandemia?

Os centros comerciais estão acima das nossas próprias expetativas para este ano. Mesmo com os retrocessos todos, com as restrições todas, sempre acreditámos que a recuperação iria ser mais lenta do que na realidade está a ser. Estamos a ter valores muito parecidos com os que tivemos em 2019. Houve algumas oscilações, mudanças de comportamento. Por exemplo: os centros comerciais junto das zonas de escritórios têm menos afluência do que tinham. Por outro lado, os centros comerciais junto de zonas residenciais estão com mais afluência do que aquela que tinham. Mais afluência significa também mais vendas. Mas estamos muito concentrados naquilo que vai ser o comércio integrado nos próximos tempos com as alterações que foram provocadas pela própria pandemia ou que a pandemia acelerou.

Que alterações são estas?

Sobretudo as alterações dos hábitos de consumo. O consumidor hoje em dia é híbrido. Transformou-se num híbrido. Sempre pensámos que o futuro ia ser uma espécie de integração perfeita entre o online e o físico. O futuro chegou durante a pandemia porque começámos a fazer compras online, começámos a integrar a nossa experiência de compra com o online e com o offline e, de repente, aquilo que eram aquelas linhas divisórias tradicionais do mercado esbateram-se completamente. O consumidor hoje não quer saber se há uma diferença entre comércio online e comércio offline. Acha normal ver o preço online e comprar offline, ou comprar online depois de ter visto o preço offline… O próprio consumidor já está a ter uma experiência completamente híbrida.

O crescimento do e-commerce é evidente.

Completamente. E a própria experiência do consumidor. Para si hoje em dia é absolutamente normal ir a um centro comercial e ir a uma loja ver um vestido e vai ver o preço online e ver se consegue encontrar mais barato noutro sítio ou não. E às vezes até pode encomendar online e ir à loja só trocar o vestido. E essa realidade já acontece hoje.

Os centros comerciais voltaram ao horário pré-pandemia. Como vê esta medida?

A pergunta é por que não estavam a funcionar dessa maneira? Os centros comerciais e o retalho em geral, mesmo o comércio de rua, eram os sítios mais seguros para se poder estar, porque são controlados, organizados, vigiados… Não encontra ninguém sem máscara a passear dentro de um centro comercial, encontra as filas organizadas. O problema da pandemia – julgo eu e julgamos todos nós – nunca foi com espaços controlados, organizados e vigiados. Foi sempre com eventos não controlados, não vigiados e não organizados. Não se percebe por que houve estas restrições nem ficou provado que tiveram algum efeito para matérias de saúde públicas.

Horários que acabaram por ser prejudiciais.

Foram dias que custaram milhões de euros e que ainda hoje não sabemos se tiveram alguma eficácia.

Neste quase ano e meio de pandemia tem ideia de prejuízos e lojas fechadas?

No ano passado fecharam 200 lojas, este ano perto de 170.

Em meio ano já fecharam quase tantas como no ano passado…

Sim, em meio ano fecharam quase tantas como no ano passado. Mas também nesse meio ano abriram 120 novas lojas. O que significa que o setor do restauro está a regenerar-se. É um dado muito positivo e significa que o retalho tem uma capacidade extraordinária para se reinventar. É aquilo que precisa hoje, de ser reinventado.

A APCC lançou um plano de retoma do retalho.  Já está em funcionamento?

Já está. O plano tem duas dimensões diferentes. Uma primeira dimensão de medidas a médio e longo prazo. Significa o apoio aos lojistas para fazerem transição digital. Aqui outra vez a questão de o consumidor estar híbrido e, portanto, todo o retalho tem que se mover em direção a essa ‘hibridez’, se me é permitido. Isso implica requalificação de recursos humanos, apoio na requalificação de recursos humanos, apoio às medidas de transição digital, captação de apoios, investimentos… E depois uma dimensão de mais curto prazo, que é a questão do apoio às rendas. Aqui o que fizemos foi segmentar aquilo que é a realidade dentro do centro comercial, equipamentos de lazer e equipamentos culturais que vão ter muito mais dificuldade em arrancar, como é por exemplo o caso dos cinemas, que vão sofrer ainda durante mais tempo. Tiveram um apoio nunca inferior a 40% até ao final do ano. Depois, tudo o que são lojistas independentes, que não estejam integrados nas grandes cadeias, têm um apoio nas rendas proporcional às quebras nas vendas quando comparadas com 2019.

Na apresentação deste plano disse que ‘o futuro chega mais cedo’. De que forma?

Já chegou. Na prática olhávamos sempre para o comércio – separando aquilo que era comércio de rua do comércio dos centros comerciais – e separando o e-commerce do comércio físico. Mas o consumidor deixou de querer saber dessas diferenças. Mesmo do ponto de vista da concorrência, a concorrência já não se faz entre o comércio de rua e o comércio dos centros comerciais – porque hoje em dia são as mesmas cadeias, é mais ou menos a mesma experiência oferecida de um lado e do outro e também não é aquilo que eram lojas de e-commerce e o comércio físico. Aquilo que temos hoje em dia são grandes tubarões na área do e-commerce, são três ou quatro grupos gigantescos que são os nossos grandes concorrentes, os concorrentes da maior parte do retalho. E funcionam como uma espécie de portageiros no acesso ao mercado. Se tiver uma loja e quiser ir para o mercado online, sim, é livre de o fazer mas depois para aparecer no Google tenho que pagar. A ideia de que o futuro chegou mais cedo significa, primeiro, que o consumidor basicamente tornou-se num cliente híbrido – online, offline, comércio de rua e comércio de centro comercial – e depois que a realidade mudou e os concorrentes mudaram. Hoje em dia, o maior concorrente de qualquer retalhista é uma coisa chamada Amazon, ou Alibaba. Já não é o centro comercial que ficava dentro da cidade.

Os produtos são mais baratos mas a qualidade não é a mesma.

Também é verdade. As garantias são outras. Ou melhor, às vezes é a falta de garantia mesmo. Tem esses problemas todos acrescidos mas a realidade é que esses é que são os concorrentes do retalho todo e é para eles que devíamos todos olhar. Isto significa garantir livre acesso ao mercado, acabar com as portagens – e isso é um trabalho que a União Europeia tem feito mas ainda lentamente. Ou seja, eu não posso ter que pagar à Google ou ao Facebook para aceder ao mercado digital, não posso fazer isso. E depois a questão da taxação porque é concorrência desleal. Se eu, loja de centro comercial, estou a pagar os meus impostos por completo, não posso concorrer com uma Amazon, que tem um regime fiscal simpático noutro país qualquer.

É um tema que tem sido abordado. O setor têxtil também se queixa de marcas como a Shein exatamente por concorrência desleal.

Tem IRC, tem IVA, tem segurança social… Um lojista num centro comercial que queira pôr os seus produtos, mesmo sendo uma grande cadeia, vai logo à partida em desvantagem correr com uma Amazon, ou como uma Alibaba ou com o que for.

A APCC tenta incentivar o consumidor para comprar nos centros comerciais…

E também sensibilizar para que esta alteração seja feita. Temos discutido muito a taxação destes gigantes mas a verdade é que não se pode discutir, tem é que ser feita. E o mais rapidamente possível. São milhões de euros que os retalhistas do país todo estão a perder com esta desvantagem.

No plano, um dos pontos é a salvaguarda dos postos de trabalho. Perderam-se muitos neste período pandémico?

Os encerramentos de lojas, evidentemente, causaram todos eles despedimentos. A condição para os operadores dos centros comerciais darem este tipo de apoios às rendas foi sempre a salvaguarda dos postos de trabalho. Tem que haver um equilíbrio destas medidas e isso é uma condição sine qua non para que existam acordos, para que não haja aproveitamento indevido dos apoios que estão a ser dados. A prioridade é salvar postos de trabalho para todos e essa prioridade tem que estar escrita. Se me perguntar se há alguma maneira de garantir que isso acontece, não, não temos. Temos que trabalhar numa base de confiança e a confiança sempre serviu de base na nossa relação com os lojistas.

Os apoios do Governo foram suficientes?

Não foram apoios do Governo, é uma história mais complicada ainda. É uma medida da Assembleia da República que, na prática, proibiu os centros comerciais de cobrarem rendas aos seus inquilinos. É um caso único na Europa. Causou 600 milhões de euros de prejuízo só no ano passado mais 100 e tal milhões este ano. Foi uma decisão da Assembleia da República muito contestada. Há um processo no Tribunal Constitucional a ser apreciado, uma queixa da própria APCC e agora há queixas individuais dos próprios operadores contra o Estado português. Não foi suficiente para ajudar os lojistas porque, mesmo assim, houve encerramentos de lojas. E é uma medida de uma injustiça gravíssima. Gravíssima porque põe os lojistas dos centros comerciais em condições de vantagem em relação aos comerciantes de rua, gravíssima porque põe a indústria dos centros comerciais em causa a partir do momento em que têm de abdicar de uma receita que davam como certa… É uma intromissão na relação entre privados que nunca tinha acontecido e espero que nunca mais volte a acontecer. E foi também um erro estratégico.

Tentaram o contacto com o Governo? O que é que vos foi dito?

Várias vezes. O diploma foi aprovado no ano passado ainda e o PS votou contra. Foi uma decisão da decisão da Assembleia da República, de alguns grupos parlamentares.

Os centros comerciais foram esquecidos pelo Governo em algum momento?

Os lojistas têm certamente mais razão de queixa do Governo. Do ponto de vista dos centros comerciais propriamente ditos, houve esta lei que foi uma decisão da Assembleia da República, nem sequer foi do Governo. Mas sim, poderia ter havido um mecanismo de compensação aos próprios centros comerciais. Tudo aquilo que os centros comerciais estavam a dar em apoio forçado –  e estamos a falar de apoios cegos. Aquilo que aconteceu na realidade foi que os centros comerciais perdoaram rendas ao McDonalds e à Zara. A todos por igual. Ao contrário do nosso plano que prevê uma segmentação dentro dos centros comerciais para distinguir quem é que precisa mais de apoio e quem é que não precisa, aquilo foi uma lei cega. Na prática, andámos a financiar as rendas da Zara que entretanto apresentou lucros recorde. Do ponto de vista estratégico foi ineficiente a medida porque devíamos ter concentrado os apoios a quem mais precisava que são os lojistas independentes, no caso.

O encerramento dos centros comerciais não esteve nunca nas vossas mãos. Como viram esta decisão?

Ainda está por demonstrar que este lockdown, mesmo os parciais, tenham contribuído em alguma coisa para a saúde pública. Os centros comercias em todos os momentos em que lhes foi permitido reabrir, reabriram com todas as condições de segurança. Sempre todas. Foi reforçada a vigilância, foi reforçada a segurança, a higienização das mãos, utilização de máscara, foram feitos investimentos por parte dos lojistas dentro das lojas para criar condições e está por demonstrar a eficácia, em termos de saúde pública, destas medidas. Não, não fomos tidos nem achados. A decisão foi tomada por quem a podia tomar. É válido para os centros comerciais e para muitos outros setores de atividade. Não faz sentido penalizar quem consegue criar condições de segurança para os portugueses fazerem as suas compras, para os portugueses fazerem a sua vida, o seu quotidiano. Até consigo perceber a intenção de quebrar a mobilidade ou de restringir a mobilidade. Mas fazer compras, fazer consumo, é completamente diferente de fazer uma festa. Olhamos para as imagens do Bairro Alto cheio. Aquilo não é um centro comercial. Há uma diferença enorme entre aquilo e um centro comercial. A começar pelos rácios.

Rácios. Uma questão que a APCC tem defendido muito. Qual é o ponto de situação?

Infelizmente continuamos com o mesmo rácio que temos quase desde o início da pandemia: cinco pessoas por 100 metros quadrados. Se se pegar nas imagens do Bairro Alto, quantas pessoas é que estão por 100 metros quadrados? E dir-me-á que aquilo é um evento desorganizado. Exatamente. É que dentro do retalho não há eventos desorganizados. Não existem estas aglomerações porque não permitimos. Temos controlo vigilância e organização.

E acha que todas as lojas cumprem esse rácio?

Dentro dos centros comerciais não tenho dúvida nenhuma que sim. E mesmo nas lojas de rua. Qualquer um de nós já deve ter assistido passar pela tabacaria da rua ou pela retrosaria e estar gente à porta, em fila. A única diferença para dentro de um centro comercial é que a fila cá fora das lojas é organizada também. E na rua não, o que é um acréscimo de risco. Não faz sentido o rácio de uma paragem de autocarro ser superior ao de uma loja organizada. Não faz sentido. Pode ir apertada num autocarro, no metro, noutro qualquer transporte público, mesmo dentro de um avião mas chega ao Continente e só são permitidas cinco pessoas por 100 metros quadrados. E o Continente é um espaço organizado. Tem as direções apontadas, higienização das mãos, muitas vezes o controlo da temperatura em muito retalho ainda…

E não há conhecimento de focos de contágio num centro comercial…

Não há registos conhecidos de surtos dentro de centros comerciais. Aliás, é dos sítios mais seguros onde uma pessoa pode estar. Tirando a casa de cada um, claro. É vigiado e organizado e tem equipas muitíssimo profissionais.

E não há ajuntamentos?

Não há.

Isso deixa os consumidores seguros?

Sim. Aliás, um dos segredos – se é que se pode falar em segredo – para o comportamento dos centros comerciais estarem acima das nossas expectativas é exatamente pelo grau de confiança que somos capazes de transmitir e realizar. Muita gente falava das filas da Primark mas as filas estavam organizadas. Estou a dar um exemplo. Uma pessoa vinha ao Colombo e criticava as filas à porta da Primark mas havia segurança. E cumpria-se o rácio: cinco pessoas por 100 metros quadrados.

A reabertura dos centros comerciais trouxe valores por positivos. O valor médio por transação até chegou a crescer. Isso mostra que os consumidores têm confiança nos centros comerciais?

É muito engraçado. Falei há pouco de algumas mudanças que estão a decorrer –não sabemos se serão todas definitivas ou não – uma das quais a transferência de público dos centros comerciais de zonas de escritórios para zonas residenciais. As pessoas são tradicionalmente muito fiéis aos seus centros comerciais, têm o seu centro comercial onde gostam de ir. Mas outra das alterações que aconteceu foi que, de facto, tivemos menos visitantes, havia menos gente a passear,  sendo simplista nas palavras. E quando uma pessoa vai a um centro comercial vai para consumir. O valor médio, o ticket médio, a venda média aumentou porque a pessoa vai lá e vai mesmo comprar e o número de pessoas reduziu ligeiramente. Há menos gente a passear. O que não quer dizer que isso seja o futuro porque cada vez mais os centros comerciais se assumem como novos espaços de centralidade. Ou seja, têm exposições, cinema, cultura, entretenimento e tem uma panóplia cada vez maior de serviços. Hoje em dia os centros comerciais já não são só retalho. São a farmácia, loja do cidadão, CTT, banco… As pessoas sentem-se, de facto, seguras dentro dos centros comerciais. E depois, claro, a vasta oferta complementar que é quase completa. Consegue fazer tudo dentro do centro comercial.

Falemos da restauração. Como é que os espaços veem estas novas regras da obrigatoriedade de teste ou certificado?

Houve muita resistência, muitas dúvidas sobre a eficácia da medida. Ainda existem dúvidas sobre a eficácia da medida, de que maneira é que, de facto, contribui para reduzir os surtos ou o número de infetados. Não sabemos. É um dado curiosíssimo que é não existem dados. Ao fim de um ano e meio de crise pandémica continuamos sem saber oficialmente onde é que foram provocados os surtos. Sabemos por alguns comentários que são feitos a meio das conferências de imprensa. Mas de resto nada. Há muitas dúvidas quanto à eficácia da medida mas a verdade é que tem sido aplicada, ponto. E aplicada em por igual em todos os centros comerciais.

E não perderam clientes? A grande maioria não tem ou tem uma esplanada muito reduzida. E é aqui que as restrições têm um alívio maior.

É verdade. Os restaurantes que não têm, têm sido especialmente prejudicados com esta medida mas ainda não tenho dados para corroborar esta afirmação.

Mesmo sem dados, é possível que a restauração acabe por perder clientes?

Só este mês é que conseguimos fazer um balanço. Mas sim, é possível que isso venha a acontecer.

Estes espaços serão também importantes para os trabalhadores. Um trabalhador sem certificado tem de fazer um teste regularmente?

Estas regras são confusas para todos. Mesmo nós ficamos à espera da resolução do Conselho de Ministros até ao último minuto para saber o que sai na prática. Isso é igual para todos.

A APCC tem recebido queixas de lojistas?

Estamos sempre em permanente contacto com os nossos associados. Todos os dias recebemos queixas no sentido em que tem existido muito trabalho da nossa parte –  dos centros comerciais todos – na implementação das medidas. É preciso acompanhar quase sempre o que vai saindo nas resoluções do Conselho de Ministros mais do que as medidas que são anunciadas nas conferências de imprensa e depois ver como é que se aquilo se aplica e como pode ser aplicado. E isso tem dado muito trabalho, de facto, e nem sempre tem sido simples. Mas penso que para os centros comerciais e para todos os setores da economia. Tem sido muito difícil conseguir acompanhar a evolução destas políticas.

Temos a recente história da Dielmar. Há receio que outras marcas possam seguir o mesmo exemplo?

Sim, há. Mais do que receio, será expectável que aconteça não sei se bem a outras marcas se a outras empresas. Estamos numa fase de profunda transformação. Os números que lhe dei do número de lojas que fecham versus o número de lojas que abrem é mesmo uma realidade. Isto já está a acontecer. A Dielmar é só um caso mais mediático até por causa da dimensão. Mas é a regeneração. Empresas que não eram capazes não sobreviveram à crise e outras aparecem a querer ocupar aqueles lugares. E têm aparecido. Quando digo que abriram 120 lojas nos primeiros meses do ano é extraordinário porque estamos a falar de 120 pessoas que decidiram fazer obras e investir quando o país estava todo fechado, em lockdown completo. Nestes próximos meses, até ao final do próximo ano, 2022, vamos assistir a uma regeneração imensa da economia portuguesa.

Dados positivos.

Sim, se não ficarmos muito amarrados ao passado vamos assistir a uma regeneração imensa com imensas oportunidades a surgirem. É evidente com um custo extraordinário. Não estou a negar a existência de um custo social, económico, pessoal e individual. Não é isso. Estou só a lembrar o óbvio: é que a regeneração permite a criação de oportunidades. Como a transição digital, que é o futuro.

Como é que acha que o Governo tem gerido esta pandemia?

O Governo, Governo ou a Direção-Geral de Saúde?

Podemos falar dos dois.

Ainda não percebi quem é que Governa. Às vezes torna-se confuso perceber quem é que, na prática, governa. Quem é que emite as ordens e quem é que assume a responsabilidade dessas ordens. Em última instância a responsabilidade será sempre do Governo mas às vezes parece que não. Portanto, muitas vezes esta situação difusa não ajuda. Mesmo a questão do estarmos permanentemente a alterar as regras ou a criar regras sem sabermos, na prática, qual é a sua eficácia. E tem a ver a accountability. Accountability no sentido de ‘muito bem, o cerco em Lisboa poupou quantas vidas? Quantas infeções?’. Fechar os restaurantes às 15h30, fechar o retalho às 15h30 aos fins de semana compensou alguma coisa? Trouxe alguma coisa de bom para o país?

Ajuntamentos, talvez.

Exato. E, de repente, para tentarmos compensar a existência de eventos não organizados, ajuntamentos, confusões, estamos a penalizar quem está a trabalhar e quem tem as coisas sob controlo, vigiadas, organizadas…

Acha que as medidas acabaram por prejudicar mais que ajudar?

E contribuir para a própria descredibilização das medidas. Hoje em dia, cada vez que se quer implementar uma medida séria, tem cada vez mais pessoas a questionar, a perguntar porquê, mas que raio, não faz sentido nenhum. E muitas delas, de facto, não fazem sentido. São exemplares? Percebo a existência de medidas exemplares mas quando estamos a dar os maus exemplos não ajudamos.

Que pontos fortes e pontos fracos destacaria desta gestão?

Ponto forte, a capacidade que teve de mobilizar o país porque o país – talvez ainda seja válido aos dias de hoje – está, de facto, mobilizado. A verdade é que a esmagadora maioria dos lisboetas – estou a dar um exemplo – cumpriu a cerca. Vamos a um centro comercial e a maioria das pessoas usa máscara, higieniza as mãos. Isso também é o trabalho do Governo e das autoridades de saúde. De facto, conseguimos a mobilização do país. O ponto fraco é claramente o – vou-lhe chamar – desnorte no sentido que não há dados que comprovem a eficácia de determinadas medidas. E muitas vezes percebe-se que as medidas não têm efeito e o Governo ou as autoridades de saúde recuam. Mas nunca reconhecem o seu erro. ‘Agora vamos terminar com o cerco em Lisboa’, parece que a pandemia já acabou. Não. Percebeu-se foi que aquilo não contribuiu para nada. E não custa nada dizer ‘tentámos isto mas não resultou’.

E agora há a polémica da vacinação.

E depois há estas alterações permanentes. A DGS aprovou a utilização de vacinas entre os 12 e os 15 anos. Há duas semanas disseram que não havia dados. Entretanto já havia dados para dar garantia cientifica? Descobriram a ciência agora? Ontem? Anteontem? Discutiam o tema mas agora já há consenso? Desde quando? Porquê? O que é que mudou? E nós nunca sabemos o que é que mudou. Às vezes parece que há desnorte. Houve. Muito.

Houve erros.

Tem que haver um momento, quando a pandemia esteja terminada ou muito mais controlada do que está hoje em que seja avaliado o comportamento quer do Ministério da Saúde quer da Direção Geral da Saúde. Tem que ser feita essa avaliação sobre o comportamento e as medidas que foram tomadas. Mais que não seja para aprender com os próprios erros. O país não pode ter passado por uma crise destas sem ter percebido o que é que correu bem e o que é que correu mal. E o que é que foi eficaz e o que é que não foi eficaz. Se não, de uma próxima vez – existindo uma próxima vez, esperemos que não – voltamos a repetir os mesmos erros. Tem mesmo que ser feita essa avaliação isenta e imparcial ­– não política – que diga o que correu bem e mal. A começar pela diretora geral da Saúde. Dizer há duas semanas atrás que não se podia vacinar crianças e agora já se pode. Qual foi a verdade científica que ela descobriu nestes 15 dias. Não quer dizer que eu discorde, não tem nada a ver com isso. Mas depois não dá para levar a sério medida nenhuma.

Uma provocação. As coisas poderiam ter sido diferentes se o nosso país fosse gerido por uma monarquia?

(Risos) Direi que a Rainha de Inglaterra se recusou ser vacinada antes dos seus concidadãos. É o exemplo. Aqui discutiu-se o direito de os políticos poderem ser vacinados primeiro.