Afeganistão. Talibãs rumo a Cabul

Com a queda de Kandahar, e com mais de metade das capitais provinciais nas mãos dos talibãs, o Governo afegão parece prestes a ruir.

Afeganistão. Talibãs rumo a Cabul

Os talibãs voltaram a casa e estão rumo ao poder no Afeganistão. Kandahar, no sul, berço do movimento fundamentalista, caiu nas suas mãos esta quinta-feira. Trata-se da segunda maior cidade do Afeganistão, com 600 mil habitantes, conquistada no mesmo dia da terceira, Herat, no oeste, quando mais de metade das capitais provinciais já estão nas mãos dos talibãs, segundo a CNN. E a Casa Branca até já enviou três mil soldados para Cabul, para garantir a segurança enquanto retira o seu pessoal diplomático da capital, entre um pandemónio comparado à queda de Saigão.

Todos temiam que o Governo afegão colapsasse mal os seus aliados internacionais, liderados pelos Estados Unidos, retirassem as suas tropas, mas poucos pensaram que fosse tão rápido. Mesmo os analistas do Pentágono previam que o Governo pudesse demorar entre seis a 12 meses a cair, tendo reavaliado a sua expectativa para entre 30 a 90 dias. «Está tudo a mover-se na direção errada», sumarizou uma das fontes do Washington Post, esta terça-feira – com a queda de Kandahar, Herat e mais de uma dúzia de cidades, talvez precisem reavaliar de novo a situação.

Após semanas sob cerco dos talibãs, com disparos de rockets e tiroteios constantes nos arredores de Kandahar, que escalavam à noite, era sabido que os polícias e militares que defendiam a cidade mal dormiam, estavam esfomeados e com falta de munições. Não é de estranhar que a cidade tenha caído de um momento para o outro, com soldados a abandonar as suas posições.

Agora, as imagens de talibãs e civis a celebrar aos gritos nas ruas de Kandahar, alguns montados em cima de Humvees, presumivelmente conquistados às tropas afegãs após serem fornecidos pelos EUA, serão um golpe para as já desmoralizadas forças governamentais. Outros filmaram-se a entrar em escritórios governamentais, quase como um Governo à espera de governar.

A sensação é que se o Governo de Ashraf Ghani deixa cair Kandahar – o aeroporto da cidade foi o centro da intervenção militar da NATO, chegando a ter uns 26 mil soldados estrangeiros lá estacionados no seu pico, sendo entregue às forças armadas afegãs em maio – qualquer outro lugar pode ser a seguir.

Catástrofe à vista

De certa forma, Cabul já está praticamente cercado. O mapa do conflito da Long War Journal mostra o território sob controlo do Governo como uma ilha no interior do país, protegido pelos cumes do Hindu Kush , rodeado por talibãs exceto uma estreita faixa de território que leva a Mazar-i-Sharif, a maior cidade do norte. E mesmo nessa faixa, algumas áreas são dadas como contestadas pelos fundamentalistas.

Aliás, a própria Mazar-i-Sharif está sob cerco, tendo resistido por pouco a uma ofensiva talibã – não é por acaso que quando o Presidente Ashraf Ghani a visitou, esta semana, para mobilizar a resistência, teve de ir de avião, para evitar as perigosas estradas afegãs.

Já a oeste, a queda de Herat significa que a porta para o Irão foi fechada, deixando boa parte do comércio que aqui passava na mão dos talibãs, sucedendo-se o mesmo no que toca à rota para o Paquistão, no sul, com a queda de Kandahar.

Não há grandes esperanças para as bolsas de resistência governamental fora dos arredores de Cabul e Mazar-i-Sharif, que já nem podem contar com o apoio aéreo americano como anteriormente – e os pilotos afegãos treinados pelos EUA têm sido alvo de uma campanha concertada de assassinatos dos talibãs, para manter os seus aviões em terra.

Agora, todos tentam perceber o que se segue, se será um colapso rápido e um regresso aos anos de brutalidade dos talibãs, antes da sua derrota em 2001, ou o arrastar de uma guerra civil, como o que se viu no rescaldo da intervenção militar soviética no Afeganistão, nos anos 80. O receio é que o fim possa ser a parte mais sangrenta de uma guerra que durou duas décadas, com quase 50 mil vítimas civis.

«Guerra urbana em Cabul seria catastrófico», alertou Stephane Dujarric, porta-voz do secretariado-geral das Nações Unidas. «Só podemos imaginar com horror como seria em Cabul, uma cidade com a população a aumentar regularmente por causa dos combates fora da cidade».