Mas esta é mesmo a última oportunidade?

O nosso país recebeu, nos últimos 35 anos, mais de 150 mil milhões de euros, divididos por diversas ‘últimas oportunidades’ 

A ideia prevalecente em Portugal sobre a utilização dos largos milhares de milhões de euros que a UE colocou à nossa disposição, como sendo uma última oportunidade, para lá de incorreta é, essencialmente, perigosa.

O nosso país recebeu, nos últimos 35 anos, mais de 150 mil milhões de euros, divididos por diversas ‘últimas oportunidades’ e prepara-se para receber nos próximos sete anos, adicionando o Programa de Recuperação e Resiliência ao Quadro Financeiro Plurianual, mais de 60 mil milhões, ou seja, voltamos a beneficiar de uma nova ‘última oportunidade’.

O ‘drama’ à volta desta designação foi criado pela circunstância de o PRR europeu ter surgido enquanto resposta a um choque pandémico que abalou a economia europeia e ao complexo processo político que permitiu a sua elaboração.

O Next Generation EU (750 mil milhões de euros) não é exclusivamente um instrumento de recuperação económica, porque é, sobretudo, o financiamento, em condições extremamente favoráveis, de um conjunto de políticas públicas que visam criar uma nova economia, mais forte, mais justa e, em especial, mais amiga do ambiente.

Por isso foi possível obter um consenso alargado que permitiu abater tabus que pareciam intransponíveis (reforço dos recursos próprios da UE e concentração do financiamento através da Comissão em representação de todos os estados membros), o que, como é óbvio, a não ser num quadro improvável de desagregação, já não voltará atrás.

Acresce que esta verdadeira reforma estrutural europeia foi acompanhada de outras medidas e ajudas de natureza temporária (SURE, política monetária do BCE, apoios da Comissão e do Banco Europeu de Investimentos, etc.), essas sim dirigidas, de imediato, para a crise económica e social.

Nesse sentido, e na ótica da União Europeia, a pandemia com as suas consequências é capaz de ter produzido, irónica e finalmente, uma verdadeira ‘Primeira Oportunidade’.

A construção, rápida e eficiente, de uma nova economia, essencialmente circular, vai depender do empenho e capacidade de todos os estados membros, mas, dependerá, em especial, do sucesso dos mais fortes e mais bem preparados, pois os mais frágeis e impreparados, (a ineficiência e a captura partidária da Administração Pública é um bom exemplo) mesmo crescendo sempre alguma coisa, verão aumentar progressivamente a sua distância para os outros.

É pela consciência destas e doutras fragilidades (justiça, formação profissional e corrupção etc.) que se fala, no nosso país, numa ‘última oportunidade’. Mas isso não é inevitável se a economia se orientar pela urgência de priorizar a coesão, iniciando a correção desses problemas e promovendo o aumento da competitividade geral para competir, com sucesso, com os países que são os nossos verdadeiros concorrentes.

Portugal irá dispor, entre 2021 e 2027, de um financiamento comunitário (uma boa parte sem custos imediatos visíveis) de mais de 60 mil milhões de euros. Com efeito, aos 16 644 milhões de euros do PRR, (que tem de ser aplicados até 2026) tem de ser adicionados cerca de 11 000 milhões do Quadro Financeiro anterior e quase 34 000 milhões do Quadro

Financeiro atual que, estranhamente, quase não se discute.

Aparentemente tudo estará bem, pois dinheiro não vai faltar, mas não será exatamente assim pois boa parte deste colossal volume de fundos têm aplicações definidas e regras de uso muito exigentes e o uso do restante, irá impor, mais rigor, mais competência, maior transparência e escrutínio mais severo.

No caso do PRR, os recursos tem de ser usados em três pilares: resiliência (não apenas recuperação, mas essencialmente refundação), transição climática e transição digital, pilares que o Governo português tem de respeitar rigorosamente, seguindo o caderno de encargos aprovado pela Comissão, e a lógica do atual QCA também não pode fugir muito desta matriz.

Assim, o sucesso depende menos da ordenação das ‘oportunidades’ (o que até pode ser perigoso) e mais da consciência que os diversos players nacionais tenham da natureza do que está em jogo e que ultrapassa os simples interesses nacionais, pois envolve todos os parceiros europeus.

Aparentemente o primeiro-ministro já terá entendido esta nova lógica, e a distribuição às carradas dos milhões de euros que vem fazendo sempre que fala e onde quer que fale, deve levar-se à conta de devaneios político-partidários que sempre surgem nas vésperas dos períodos eleitorais.

O problema estará no impulso suicida de alguns ministros que, com o ego inflamado, só conseguem ver a árvore e não a floresta, na ganância dos empresários que construíram as suas carreiras sob o patrocínio dos dinheiros comunitários (de preferência a fundo perdido), na irracionalidade da CGTP que imagina que estes recursos servem para o que não servem, na perversidade dos partidos que seguram o Governo e que apenas se motivam pelo seu próprio ganho eleitoral e na estranha apatia do principal partido da oposição, que, aparentemente, só tem como objetivo o abandono de Costa (para melhores funções seguramente) com a certeza (?) que desta forma o PS se partirá todo e a sua vez, finalmente, chegará.

São muito estranhos os desígnios de todos estes parceiros mas, felizmente desta vez, a disciplina da União Europeia não irá deixar que se transformem em realidade!

Quando fala em ‘tempo de decisões’ é, seguramente também nisto que o sociólogo António Barreto reflete e, quando, recordando Zeca Afonso, o decano jornalista Oliveira e Silva escreve «eles comem tudo e não deixam nada» é o cenário de um novo falhanço com os fundos europeus (já foram tantos!) que pretende exorcizar.

Última ou primeira oportunidade é algo que, por agora, não está nas mãos dos portugueses, mas que pode sempre ser corrigida, no momento oportuno, pela única arma democrática: O voto.