Série A. Meazza e a Ambrosiana

A primeira edição da Série A (1929/30), que hoje se recomeça, surgiu em tempos difíceis de uma Itália entre guerras.

Oassunto já vinha a ser discutido há muito tempo: modificar definitivamente o campeonato de Itália, até aí jogado por regiões cujos campeões se defrontavam, depois, num torneio final, tipo taça, a eliminar. A época de 1929/30 viu nascer a Série A, juntando 18 clubes (os 9 primeiros de cada um dos dois grupos Divisione Nazionale do ano anterior) com todos a jogarem contra todos, casa e fora, somando dois pontos por vitória e um por empate. Benito Mussolini, no alto do seu poder fascista, incitava as cidades a amarem os seus clubes, e empurrava as cujos adeptos se dividiam por dois ou três diferentes a fusões muitas vezes incompatíveis. A sua política desportiva passava por criar rivalidades entre cidades e regiões e evitá-las entre vizinhos geográficos. Em Florença, por exemplo, a Palestra Ginnastica Fiorentina e o Libertas e Club Sportivo Firenze deram a Associazione Calcio Fiorentina; em Roma, a Associazione Sportiva Roma nasceu de três clubes – Alba Audace, Roman e Fortitudo Pro Roma.

Nesse ano de 1929, em Fevereiro, Mussolini assinou com Pietro Gasparri, secretário-geral da Santa Sé, o Tratado de Latrão, resolvendo de vez o caso bicudo dos Estados Pontíficios que se arrastava desde que Vítor Manuel II reunificou a Itália em 1870, fazendo nascer a Santa Sé. No calcio, um nome erguia-se sobre todos os outros: Giuseppe Meazza, um moço de apenas 19 anos, natural de Milão, de figura franzina mas com magia nos pés e uma atração sobrenatural pelo golo. Há quem contine a afirmar que foi ele o melhor jogador italiano de todos os tempos. Nessa altura jogava no Inter que, por uma questão política, ganhara o nome de Ambrosiana no ano anterior.

Contra o comunismo

Foi o presidente do município de Milão, Ernesto Torrusio, que impôs que, na sua cidade, onde o Internazionale e o Milan rivalizavam pelo poder, a fusão entre o clube do qual era presidente, a Unione Sportiva Milanese e o Inter. Profundamente fascista, Torrusio odiava qualquer tipo de estrangeirismo. Além disso, Inter ou Internazionale tinha uma conotação comunista absolutamente inaceitável para a sociedade milanesa. O clube ganhou, então, o nome de Società Sportiva Ambrosiana como homenagem ao padroeiro da cidade, Santo Ambrósio. Isto em 1928. No ano seguinte, já era Associazione Sportiva Ambrosiana e entrava em grande na primeira edição da Série A.

Oreste Simonotti, o presidente da nova Ambrosiana, desprezou as camisolas brancas com a cruz vermelha, tão católicas e apostólicas que elas eram, e impôs o negro e o azul às riscas. Em seguida foi buscar um treinador que já ganhara nome em Itália, o húngaro Árpád Weisz, que jogara no Alessandria e no Inter e comandara o clube dois anos antes. Weisz era judeu e acabou os seus dias feito em cinzas, juntamente com toda a sua família, em 1947, nos fornos de Auschwitz-Birkenau. Fulano vivo, Árpád tirou proveito de jogadores de classe como os defesas Gasparini, Gianfardoni e Pietroboni, dos centro-campistas Rizzi, Ballestrini e Leopoldo Conti, e de um ataque que contava com Pietro Povero, Luigi Pedrazzini e Giuseppe Meazza.

Em meados de fevereiro já a Ambrosiana ganhara uma vantagem confortável no comando da prova, tendo um jogo em atraso contra a Juventus por disputar. Esse jogo serviu para definir o campeão. Disputado no dia 19 de março, em Turim, teve a Ambrosiana como vencedor, por 2-1, cavando um fosso de quatro pontos para o segundo classificado. Chegou e sobrou. Ao fim de 34 jornadas, o campeonato atingia o seu final com os milaneses em primeiro a dois pontos do Génova e a cinco da Juventus. 22 vitórias, 6 empates e 6 derrotas e um número muito considerável de golos marcados: 85. Desses 85, Giuseppe Meazza marcou 31 tornando-se o capocanoniere da época.

No ano seguinte, a Ambrosiana não foi além do quinto posto, perdendo o título para a Juventus. Mas, como Ambrosiana ou como Inter de Milão, é o único clube italiano que se pode orgulhar, até hoje, de ter participado em todas as 89 edições da prova.

Curiosamente, a nova época do Calcio, começa no sábado com o confronto entre os dois primeiros dessa longínqua época de 1929/30, o Inter-Génova. E o scudetto de campeão brilha nas mangas dos jogadores que vestem a camisola azul e negra. Agora como antes…