As universidades têm de formar vândalos mais bem preparados

O vandalismo contra os monumentos do passado tem de ter regras. A vandalização à toa é puro vandalismo. 

por João Cerqueira

Escritor

Ao contrário do que se diz, a origem da democracia não radica nas ideias da Grécia Antiga, na Bill of Rights da Inglaterra, na Carta Constitucional dos Estados Unidos ou no Iluminismo da França. Há ainda quem afirme ter sido a escravatura uma prática comum a todos os povos no passado, que é referida na Bíblia, que os colonizadores europeus compravam escravos em África aos seus donos negros e que foram os negreiros árabes quem mais os traficou.

Fake News!

Se no início do século XX apareceu O Protocolo dos Sábios do Sião, agora multiplicam-se livros igualmente mentirosos destinados a perpetuar a superioridade branca. Essa mesma superioridade que se arroga dona da  civilização recusa-se a ver os inúmeros exemplos de sociedades democráticas que existiram noutras culturas, como os governos de Tamerlão e de Átila, ou, séculos depois, os progressos nos direitos humanos na União Soviética, no Camboja e na Coreia do Norte. Ou tão pouco compreende como Os Três Porquinhos e as salsichas Nobre podem ser ofensivas para a cultura islâmica.

Há, portanto, uma batalha a travar contra a opressão patriarcal branca que deve começar pelo seu passado. O Pártenon, o Panteão de Roma, a Capela Sistina, o Louvre, o museu do Prado e, claro, o Padrão dos Descobrimentos em Lisboa são alvos legítimos nessa luta pelo resgaste da civilização. Pichá-los, rabiscá-los, grafitá-los, atirar-lhes bosta – em suma, envergonhá-los – é um acto de depuração cultural e os seus autores merecem ser louvados. Nestes casos, a palavra vandalismo torna-se sinónimo de purga poética. Portanto, ao ataque r@paziada.

Porém, importa definir a praxis da vandalização.

Isto vem a propósito das frases escritas no Padrão dos Descobrimentos. Tudo estaria bem – o poema mete qualquer estrofe dos Lusíadas num chinelo e as cores vermelha e azul têm uma originalidade só ao alcance de alguns génios – , se a autora fosse portuguesa. Ter sido uma francesa – que poderia muito bem pichar o Arco do Triunfo, pegar fogo à  Torre Eiffel, urinar no túmulo de Napoleão ou até meter a cabeça numa guilhotina -, isso é inadmissível. 

O vandalismo contra os monumentos do passado tem de ter regras. A vandalização à toa é puro vandalismo.  As universidades têm de formar vândalos melhor preparados. Os currículos pró-vandalização têm de ser reestruturados. Há que vandalizar com civismo e respeito pelas outras culturas. Chegou a hora do vandalismo patriótico. Cada um que vandalize o melhor que puder as estátuas da sua terra e deixe as dos outros em paz.

Vândalos de todo o mundo uni-vos, mas ficai em casa.

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