A Educação deve ter uma preocupação social

O estudo diz que aqueles que têm  mais posses complementam com aulas particulares o ensino escolar para atingirem metas de excelência, ficando os de menores recursos financeiros para trás…

1. A minha vida profissional iniciou-se praticamente no ensino. Antes, tinha tido uma fugaz experiência de 6 meses como contratado a prazo na recuperação de uma contabilidade atrasada vários anos (preconizando quiçá o meu futuro em Auditoria…) e que não me deixou grandes saudades.

Voltemos ao ensino, à Escola Preparatória Guilherme Stephens, na Marinha Grande, algures nos princípios de 1976, do ano letivo 1975/76. Uma realidade inesquecível, professor de Matemática e Ciências Naturais (era assim, um tipo com curso superior de Finanças!). Um horário reduzido de 15 horas, a que acresceram 2h de direção de turma e 2h de diretor da Biblioteca, perfazendo 19h semanais.

Escusado será dizer que a direção de turma que não estava atribuída já há uns meses depois do início da época escolar, era ‘a fava do bolo-rei’! Uma turma problemática, cheia de repetentes, alguns que se voltassem a chumbar teriam de passar para a noite. Ao fim de uns dias, escassas conversas depois, percebi bem o berbicacho com que me tinham brindado. 

Problemas sociais a rodos numa zona operária logo a seguir ao 25 de Abril, explicavam muitas das debilidades educativas dos estudantes, sobretudo gritantes deficits de atenção nas aulas. Conversa com este, conversa com aquele, alguns pais incluídos, e rapidamente percebi que, se queria levar por diante a missão de direção de turma, só me restava uma solução, até porque era o diretor da Biblioteca: dar explicações exaustivas das diversas disciplinas aos ‘gaiatos’! E assim foi, nesses meses que lá estive, horas e horas na Biblioteca, com este e aquele, explica aqui, elucida acoli…

Porque me lembrei disto? Por causa de um estudo recente do Ministério da Educação que o Público trouxe à ribalta e onde é notório que no 12.º ano, os piores alunos e, sobretudo aqueles com mais dificuldades económicas, são os que têm menos acesso a explicações particulares, conforme as estatísticas cruelmente referem: apenas 21% dos estudantes com negativas puderam beneficiar dessa possibilidade.

Ou seja, as escolas públicas que deveriam tentar suprir flagrantes desigualdades, não estarão claramente a cumprir essa missão. Admito que a situação seja complexa neste mundo atual em que as reivindicações das classes profissionais se caracterizam geralmente por melhores salários e condições de trabalho. Sem questionar esse direito e ressalvando as exceções, onde está o espírito de missão dos professores que paralelamente à responsabilidade de ensinar durante as aulas se devem disponibilizar para ajudar os alunos que precisam?

Se calhar estarei a ser injusto ou a fazer leituras precipitadas de realidades das escolas. Mas o estudo publicado diz isso mesmo: aqueles com mais posses complementam com aulas particulares (vulgo explicadores) o ensino escolar para atingirem metas de excelência, ficando os de menores recursos financeiros para trás. Num Ministério tutelado por Tiago Brandão Rodrigues há quase 6 anos, esperaria sinceramente algo diferente, seguramente maiores apoios escolares a quem precisa mesmo e serão muitos.

Se este estudo servir para ponto de partida ficarei feliz. Se apenas servir para comparar realidades daqui por uns anos, seguramente os miúdos (e miúdas) desfavorecidos ficarão na mesma, ou seja pior e, com tristeza o afirmo, contribuiremos para agravar os problemas da Sociedade que pretendemos.

Uma nota final muito pessoal e deveras gratificante sobre o meu tempo na Marinha Grande: no final do ano letivo houve uma visita de estudo da Escola às Grutas de Minde, com passagem por Fátima. Era suposto todos levarem almoço, a começar nos professores. Óbvio que fui exceção mas nunca esquecerei o carinho da turma da qual fui Diretor, em que todos, literalmente todos, queriam partilhar comigo qualquer coisa do almoço deles e o resultado foi simples: comi opiparamente!

Hoje recordo esses tempos e essa Escola, sobretudo os alunos, com imensa saudade. As traquinices, o andarem de bicicleta a fazerem ‘cavalinhos’, as aulas na Biblioteca para todos os que queriam e, já agora, a Praia de São Pedro de Moel onde ia tantas vezes ao final do dia, super-estoirado, mergulhar num mar gelado e sobretudo perigoso. Mas era jovem e tudo era vivido intensamente, sobretudo sentindo a recompensa da crença desses alunos que nunca esqueci.

2. Esta semana, no futebol, tive sentimentos absolutamente contraditórios entre a legítima alegria de uma qualificação para a Champions de um Benfica que soube sofrer para a merecer e a repulsa de ter lido que o Real Madrid fez uma oferta inimaginável de Eur 160 milhões por um jogador (Mbappé) que o PSG se deu ao luxo de rejeitar por ser ‘curta’ a proposta. 

Pode haver maior contraste dentro do futebol profissional entre quem se esmifra para angariar receitas para ter contas equilibradas e quem se dá ao luxo de esbanjar dinheiro? Qualquer racionalidade que seja preconizada na Gestão, até pela UEFA, pode conviver com loucuras proporcionadas pelo despejar de barris de petróleo ou com megalomanias incompatíveis com as realidades económicas em que os clubes se inserem? A resposta é simples: as falências desses clubes-potentados têm de estar muito mais próximas do que os seus fanáticos adeptos imaginam.