Escolas. O 3º ano letivo com covid-19

Professores temem que os alunos não consigam recuperar as aprendizagens, mas o secretário de Estado João Costa garante que o Plano 21I23+ não permitirá que nenhum estudante fique para trás.

As aulas arrancam daqui a uma semana, com início previsto entre 14 e 17 de setembro, e a Direção-Geral da Saúde (DGS) reviu as diretrizes para as escolas no âmbito das medidas de combate à pandemia de covid-19. Mas é na dimensão das turmas, que não foi revista, que os professores veem um dos grandes entraves ao controlo da disseminação do coronavírus e ao ensino, quando há muito para recuperar. Já João Costa, secretário de Estado Adjunto e da Educação, garante que a recuperação das aprendizagens será garantida por meio do Plano 21|23 Escola+.

«Em relação às regras covid-19, por aquilo que leio na comunicação social, concordamos com as pequenas alterações que foram feitas e, realmente, vieram a ajustar-se ainda mais àquilo que as escolas já faziam e era possível de acordo com os seus espaços e alunos», começa por referir Paula Carqueja, presidente da Associação Nacional de Professores (ANP), adiantando que a ANP defende que, nos ciclos de transição – como na passagem do primeiro para o segundo ou do pré-escolar para o primeiro – «haja alguma informação especial na transmissão das regras porque as crianças e os jovens começam a frequentar espaços e até escolas distintos».

A dirigente, que assumiu o cargo há nove anos, recorda que a associação solicitou que fosse feita uma testagem massiva na comunidade escolar e felicita o Executivo por tal medida ser levada a cabo, pois o «grau de confiança de professores, auxiliares, pais e estudantes é maior». Mais: neste regresso às aulas, uma parte significativa dos alunos já estará vacinada contra a covid-19, depois de a DGS ter recomendado a vacinação das crianças e jovens a partir dos 12 anos. Deste modo, todos cumprirão as mesmas regras de isolamento, utilização de máscara ou testagem. Em Portugal, tendo em conta as idades compreendidas entre os 12 e os 17 anos, 74% dos jovens já receberam pelo menos uma dose e apenas 7% apresentam a vacinação completa. Analisando os jovens entre os 18 e os 24 anos, 50% têm a vacinação completa e 82% já receberam uma dose. «Aliamos a vacinação dos mais novos à testagem e à utilização de equipamentos de proteção individual. E, consequentemente, o ensino presencial continua, o que permite que o ano letivo seja feito com tranquilidade e que seja retomada a ‘normalidade’ a que estamos habituados e de que tanto precisamos»,  observa a docente com uma carreira de 36 anos ao serviço do Ministério da Educação. 

A recuperação de aprendizagens é assim a temática que a deixa apreensiva, apesar de reconhecer que o Plano 21|23 Escola+«está muito bem pensado». Paula Carqueja explica o desafio que será na prática: os professores terão de «fazer bem os diagnósticos das dificuldades dos alunos, a equipa multidisciplinar tem de se organizar para dar essas respostas e tem de ser dada muita atenção a cada um dos alunos porque são seres individuais, mas temos de redobrar os cuidados para que as aprendizagens sejam reais e verificadas».

E é por isso que a dimensão das turmas é uma preocupação. «Seria necessário que houvesse maior consolidação e resposta na redução do número de alunos que compõem as turmas, mas estamos conscientes de que todos os professores têm a missão de fazer o melhor para que os alunos consigam aprender e nenhum fique para trás».

A estratégia do Governo

Foi exatamente este o propósito do plano de recuperação lançado pelo Governo, que tem como pilares o reforço da autonomia das escolas e das estratégias educativas diferenciadas dirigidas à promoção do sucesso escolar e o combate às desigualdades através da educação. 

«O plano foi construído entre novembro de 2020 e abril de 2021.  Foi um processo que beneficiou de cerca de 50 audições a vários setores, incluindo representantes de diretores, o Conselho Nacional de Educação, organizações sindicais, peritos das mais variadas áreas, representantes de alunos, famílias, centros de formação, ex-ministros, entre muitos outros», lembra ao Nascer do SOL João Costa.

«A par destas audições, foi constituído um grupo de trabalho multidisciplinar que produziu um conjunto de recomendações ao Governo. Após a sua apresentação, houve ainda um período de consulta pública. Foi um processo amplamente participado e que assenta numa grande margem de decisão local em cada escola e em casa professor», avança o secretário de Estado da Educação.

José Feliciano Costa, presidente do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL) concorda com o princípio, mas aponta críticas. «O Governo diz que criou um grupo de trabalho com especialistas, mas não integrou as organizações sindicais. Não ponho em causa aquilo que foi feito, mas devíamos ter sido ouvidos. Principalmente, aqueles que estão no terreno, na sala de aula. Isto choca com o discurso do Ministério da Educação sobre a valorização da autonomia das escolas e dos professores». 

O dirigente revela que os docentes tinham propostas para integrar o plano, como a constituição de grupos de aprendizagem por ano de escolaridade, a disponibilização de maior crédito horário tendo em conta cada escola, a colocação de um travão à formação de turmas de primeiro ciclo com mais de um ano de escolaridade e a criação de equipas pedagógicas multidisciplinares.

«O Plano é multidimensional. Estamos perante um processo de autonomia sem precedentes na educação em Portugal. Esta autonomia é fundamental, porque em cada escola, temos alunos que foram afetados de formas muito diferentes, na aprendizagem, no bem estar emocional, pela perda de entes queridos», diz o professor catedrático de Linguística e antigo Presidente da Associação Portuguesa de Linguística. «O pior que poderíamos fazer seria apresentar soluções padronizadas e estanques que não se adequariam a cada caso», continua. 

Preocupação mais acentuada com o 1.º ciclo

Com as aulas prestes a arrancar, as preocupações são transversais. «Sou professor de Matemática na Escola D. Pedro I, em Gaia, e tenho conhecimento real da escola. Não falo só enquanto dirigente sindical, mas também como profissional que está no terreno», começa por dizer João Paulo Silva, coordenador do Sindicato dos Professores do Norte (SPN) e  docente do 2.º ciclo do Ensino Básico. «A ideia de que vamos recuperar tudo num ano ou dois… O tempo é escasso. Seria preciso que os recursos que vão ser colocados nas escolas, como técnicos da área social ou mais professores para tutorias, ficassem mais tempo nas instituições e não que fosse algo passageiro», diz, destacando que «os meninos que vão agora para o 3º ano não conhecem a realidade escolar. Aprenderam a ler, por exemplo, por via virtual».
Manuel Teodósio, do Sindicato dos Professores da Zona Centro (SPZC), concorda. «No que diz respeito à recuperação das aprendizagens, a serem feitas em dois anos, defendemos que as mesmas não devem passar por um aumento das horas letivas, mas acima de tudo, pela redução do número de alunos por turma», insiste. Aqui, o apelo é por mais professores e recursos. «Será necessário contratar mais professores assim como concluir rapidamente o total equipamento de todas as escolas, dos meios tecnológicos necessários e fundamentais, no apoio a todo o processo educativo».

João Costa assevera que os alunos mais novos «são um dos focos principais de preocupação». E que o programa de recuperação de aprendizagens vai nesse sentido. «O primeiro domínio de atuação do Plano é a Leitura e a Escrita, estando já disponíveis para as escolas instrumentos para a aferição das competências de leitura, plataformas a que as escolas podem aceder para as orientar no desenvolvimento e produção de materiais de apoio aos alunos e medidas para a promoção de leitura orientada em sala de aula».