Afeganistão. A resistência vai cedendo sob o peso dos talibã

Uma manifestação de mulheres foi varrida e a resistência no vale de Panjshir sofre uma ofensiva. A liderança talibã está em disputa interna.

Manifestantes afegãs voltaram à carga este sábado, em Cabul, num segundo dia de protestos pelos seus direitos, acabando atingidas por gás lacrimogéneo e tasers das forças especiais talibãs, vestidos de camuflado, que dispararam fogo real para o ar para as dispersar. “Estamos aqui para ganhar direitos humanos no Afeganistão”, explicou à Associated Press uma das manifestantes, Maryam Naiby. “Adoro o meu país, estarei sempre aqui”, prometeu a jovem de vinte anos.

No entanto, a esperança de que Naiby, ou qualquer outra afegã, goze de algum tipo de autonomia, além do pouco permitido pela sharia, é cada vez menor. É que a ofensiva contra o vale de Panjshir, último reduto da resistência, tem-se intensificado, com os talibãs a declarar terem tomado a região, no domingo, enquanto a sua promessa de um “Governo islâmico inclusivo” tarda em materializar-se.

O receio é cada vez maior, dado que fontes talibãs tinham assegurando à Reuters que o seu Governo seria apresentado esta sexta-feira, que teria o mulá Abdul Ghani Baradar – cofundador e líder político dos grupo, crucial nas negociações de retirada dos Estados Unidos e conhecido como o rosto da sua ala moderada e mais disposta a concessões – como chefe de Executivo, garantindo que faltavam poucas horas para tal e que a cerimónia de tomada de posse até já estava a ser preparada.

Afinal, disputas internas na liderança talibã parecem ter adiado o processo. E o facto dessa demora coincidir com uma visita do general Faiz Hameed – chefe das secretas paquistaneses, ou Inter-Services Intelligence (ISI), consideradas um dos principais apoios da rede Haqqani, responsável por alguns dos piores atentados durante a guerra e vista como a ala dura dos talibãs – não deixou de ser notado pelos analistas.

Aliás, a agência noticiosa indiana ANI – importa ressalvar que, em tudo o que tenha a ver com o Paquistão, antigo rival da Índia, a imprensa indiana deve ser lida com alguma reserva – chegou a avançar que houve tiroteio esporádico em Cabul na sexta-feira, resultado de confrontos entre forças leais a Baradar e as tropas de Anas Haqqani, que estão encarregues de controlar Cabul.

Entretanto, a situação no vale de Panjshir é confusa. Por um lado, a France Press avançou que as forças talibãs penetraram pelo menos uns 25km pela região a dentro – um feito notável, dado o quão inóspito é o vale, protegido por montanhas cheias de destroços de tanques e helicópteros soviéticos, que nem os talibã, quando estiveram no poder entre 1996 e 2001, conseguiram conquistar. Já a Frente de Resistência Nacional do Afeganistão, liderada pelo vice-presidente Amrullah Saleh e por Ahmad Massoud, filho do falecido “leão de Panjshir”, Ahmad Shah Massoud, garantiu que retomou território e capturou centenas de combatentes talibãs.

Ainda assim, as coisas não parecem estar a correr de feição à resistência em Panjshir, que está cercada e anunciou este domingo estar disposta a negociar outra vez. As anteriores negociações com Cabul tinham colapsado a semana passada – contudo, a perspetiva de evitar um banho de sangue em Panjshir, maioritariamente populado por tajiques, uma etnia em que os talibãs nunca foram populares, poderá incentivar os fundamentalistas islâmicos a negociar, para não os alienar totalmente.