Caso Giovani. “É impossível um inspetor lembrar-se de algo que aconteceu há dois anos”

“Quem passa à escrita os factos é quem conduz a investigação e não quem participa numa ou duas diligências”, diz antigo inspetor da PJ.

O antigo inspetor da Polícia Judiciária (PJ) Carlos Anjos não estranha que um colega não se recorde com precisão das palavras que lhe foram transmitidas, mas os interrogatórios feitos pela PJ a seguir à morte do jovem cabo-verdiano Luís Giovani Rodrigues referem que se terá “desorientado e caiu” na madrugada dos acontecimentos, segundo informação veiculada esta segunda-feira no julgamento que tem vindo a decorrer em Bragança, cidade onde o rapaz estudava Design de Jogos Digitais no instituto politécnico.

No entanto, segundo a agência Lusa, o inspetor que testemunhou ontem declarou que já não se lembra se foi “caiu” ou “tropeçou” a palavra que lhe disseram. “Quem se pronuncia sobre factos concretos é quem faz a investigação e estes estão escritos. É impossível um inspetor lembrar-se de algo que aconteceu há dois anos”, garante ao i o antigo inspetor da PJ Carlos Anjos.

O facto de o profissional ter recorrido ao termo “tropeçou” causou estranheza ao juiz-presidente do coletivo que está a julgar o caso, de acordo com a Lusa, pois corresponde àquele que os amigos e a parte que representa Giovani passaram a usar no julgamento, que arrancou no passado mês de fevereiro. A necessidade de conhecer a palavra afigura-se particularmente importante no processo em que está em causa se o jovem de 21 anos morreu de uma queda ou de agressão numa altercação, na madrugada de 21 de dezembro de 2019.

“Aquilo que é importante fica registado e quem passa à escrita os factos é quem conduz a investigação e não quem participou numa ou duas diligências”, avança, sendo que o inspetor em causa conduziu somente o início do processo. “Existe uma diferença muito grande entre as duas situações, até porque há casos que começam a ser investigados por 10 pessoas, por exemplo, e acabam com duas”, explicita o também ex-presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal.

“Não conseguimos recordar com exatidão todos os carateres de linguagem que foram utilizados em determinado momento porque lidamos com variados casos”, assegura Carlos Anjos. Como o Nascer do Sol noticiou em janeiro de 2020, o caso começou por ficar a cargo da PSP, mas foi de seguida passado para a PJ por se tratar de um homicídio.

Diferentes versões dos factos Enquanto a acusação afirma que o traumatismo na cabeça que provocou a morte a Giovani resultou de uma alegada agressão com um pau e acusou sete jovens de Bragança – com idades compreendidas entre os 24 e os 36 anos – de homicídio qualificado, a defesa dos arguidos tem-se apoiado na hipótese de o ferimento resultar de uma queda numas escadas e de ter ocorrido apenas uma rixa em que nenhum dos indivíduos tinha a intenção de assassinar o cabo-verdiano.

Esta versão consta nos documentos dos interrogatórios aos amigos que acompanhavam Giovani, feitos pela PJ, em janeiro de 2020. O MP tinha acusado sete arguidos de homicídio qualificado consumado e tentado contra Giovani Rodrigues e os três amigos cabo-verdianos que o acompanhavam na madrugada de 21 de dezembro, mas a fase de instrução alterou-os para um crime de homicídio qualificado e três de ofensas à integridade física qualificadas.

Um oitavo arguido foi acusado de favorecimento por alegadamente ter guardado a arma do crime, uma moca, contudo, em outubro do ano passado, o tribunal decidiu não o levar a julgamento.

Sabe-se que a justiça vai ouvir 50 testemunhas. Neste momento, todos os arguidos do caso Giovani estão em liberdade, mas três já estiveram em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Bragança e os restantes quatro em prisão domiciliária com pulseira eletrónica.