“A relação do Vox com o Chega ainda é incipiente”

Iván de los Monteros, número dois do Vox, em Portugal para uma conferência do Chega, garantiu que travam a mesma ‘batalha cultural’.

Iván Espinosa de los Monteros, porta-voz do grupo parlamentar do Vox, filho do 4.º marquês de Valtierra, é um homem de trato fácil, bem vestido, que não perde o temperamento com alfinetadas. À primeira vista, não se imaginaria que era número dois de um partido de extrema-direita, cujo líder, Santiago Abascal, prometia uma «reconquista» de Espanha, acirrava os ânimos contra migrantes, visando em particular menores não acompanhados, prometendo reverter a pioneira Lei de Violência de Género espanhola. De facto, Monteros é muitas vezes apontado como o rosto moderado do Vox, em contraste com Abascal, um basco com um ódio ancestral ao separatismo, doido por armas e cavalos. Mas, sob a superfície, nota-se uma certa dureza neste empresário madrileno de 50 anos, que em tempos sonhou ser um titã da música latina em Miami, e garantiu ao El Mundo que expulsaria de casa qualquer filho seu que votasse no Podemos. À conversa com o Nascer do SOL, no aeroporto de Lisboa. durante poucas horas que esteve cá para a conferência de jovens do Chega, Monteros diz que os homens são oprimidos pelo sistema judicial espanhol, riu-se quando falámos de patriarcado, rematou que a taxa de feminicídios em Espanha é «difícil de evitar porque mal existe». Faz tudo parte de «uma batalha cultural mais ampla», internacional. Enquanto isso, o seu líder regressava do México, após assinar um protocolo com senadores, tendo o Presidente Andrés Manuel López Obrador saudado a «autenticidade» do Vox, pedindo aos senadores que façam o mesmo, «saiam do armário e digam: ‘sou fascista’». Isto quando circulavam rumores de alianças com El Yunque, uma seita secreta ultracatólica mexicana que, segundo o El Confidencial, tem relações diretas com associações espanholas, como a Hazte Oír, que até já premiou Abascal.

Quão próxima é a relação entre o Vox e o Chega?

A relação do Vox com o Chega ainda está num estado incipiente, estamos a começar a conhecer-nos. Não temos uma relação com muita história passada, mas os primeiros contactos indicam que temos muitas preocupações em comum. Pertencemos a famílias políticas diferentes na Europa, estamos nos Reformistas e Conservadores Europeus e eles na Identidade e Democracia, mas ainda assim há bastantes ideias compatíveis. Enfrentamos desafios parecidos, mas em Espanha temos alguns desafios adicionais, que fazem com que a nossa situação seja pior. Há dois focos de tensão muito potentes, o separatismo, que vocês não têm, e uma esquerda ainda mais radical do que aqui. Ambos são destrutivos para a nação e próximos da violência. No caso do separatismo, falo das décadas de terrorismo, não é algo abstrato. Quando falamos da esquerda em Espanha, que se tinha reconvertido, na época do partido socialista dos anos 70, renunciando o marxismo, aceitando a Constituição, os princípios da democracia liberal, agora radicalizou-se – tanto o Podemos como o Partido Socialista, que entrou no terreno do Podemos, completamente afastado de uma perspetiva social-democrata, moderada, sensata. Dito isto, creio que nós e o Chega temos interesses comuns e visões compatíveis em muitas coisas.

André Ventura chegou a afirmar que iria convencer o Vox a juntar-se ao ID. O que pensa do assunto?

A mim não me parece muito importante a que família política pertence cada um, porque essas coisas mudam. O nome, identidade, a composição dos partidos políticos europeus mudam pelo menos a cada cinco anos, às vezes até a metade da legislatura. Agora fazemos dois anos e meio de legislatura no outono ou inverno, é possível que aí haja mudanças, e a cinco anos muda tudo. Portanto as famílias europeias não me parecem tão importantes como as ideias que defendemos.

Mas, pela maneira como Ventura disse que ia convencer o Vox, quase parecia que teria muita influência, que tinham uma relação próxima, não que estavam ainda a conhecer-se, como descreve.

Isso são interpretações, não dou grande importância a isso.

E a cimeira que Ventura prometeu organizar com Abascal, dizendo até que seria um dos motivos da sua visita? Como ficou isso?

Não avançámos, estarei amanhã com Abascal, porque ele está no México esta semana, promovendo a Carta de Madrid. É o documento fundacional do Górum de Madrid, um organismo que pretende ser um contraponto ao Fórum de São Paulo e ao Grupo de Puebla, que são organizações de inspiração marxista que dominam o pensamento cultural e político na hispano-america. Santiago foi propor aos partidos não de esquerda do México, PRI e PAN, que assinem esta Carta e conseguiu que vários senadores o fizessem. De imediato houve um enorme turbilhão mediático, o Presidente do México atacou-nos. Creio que é muito significativo de que veem que estamos a avançar.

Essa declaração conjunta com senadores do PAN foi recebida com muito temor na América Latina…

Na América Latina não, entre a esquerda da América Latina. Essa distinção é importante.

A declaração tem sido vista como sinal de uma relação entre o Vox, o PAN e o El Yunque, uma sociedade secreta ultracatólica.

Esse é um recurso maravilhoso. Vale para tudo. Sempre que dizes algo de que a esquerda não gosta, põem-te uma etiqueta. E têm muitas etiquetas, são os reis das etiquetas. Têm a etiqueta de fascista. Têm a etiqueta de homofóbico, machista, racista, xenófobo. Têm a etiqueta de ultra. Dentro de ultras há muitas etiquetas, ultracatólico, ultradireita. É infinito. Faz sentido, porque as etiquetas funcionaram muito bem durante muitos anos. Quando os media e a esquerda te lançavam etiquetas, como aconteceu no México esta semana, a direita reagia e dizia: ‘Ah, perdão, perdão, enganei-me [levantando as mãos]. Não sabia o que estava a fazer, aceitem-me, gostem de mim, que eu volto ao consenso social-democrata, ao politicamente correto’. Isso funcionou muitos anos. Com o Vox não funciona.

Mas esclareça-me, o Vox tem ou não uma relação com os Yunques?

O Vox não tem nenhuma relação com qualquer seita religiosa, nem secreta nem aberta. O Vox não tem absolutamente nenhuma relação com nenhuma organização religiosa. Nem com os Yunque, nem com o Opus [Dei], nem com a Igreja Católica, porque o Vox não é um partido confessional, jamais fala de religião. Defendemos que as pessoas podem professar a religião católica, hindu, muçulmana, judia, ou nenhuma. Isso faz parte do âmbito privado, do individuo, não vamos dizer a ninguém o que tem de fazer. O que temos defendido, e defenderemos sempre, é a nossa herança cristã enquanto civilização.

Parece-me muito difícil distinguir uma coisa da outra. Religião ou herança, parece uma maneira de, na prática, dizer o mesmo.

É facílimo distinguir. A grande vantagem que tem o Ocidente, que é a defesa da liberdade, vem da herança judaico-cristã. Porque o cristianismo é única grande religião que parte do princípio de que o homem tem livre-arbítrio. Que como está feito à imagem e semelhança de Deus tem direito a escolher o seu caminho. E se acerta terá um prémio, o reino dos céus, caso se engane terá um castigo, que é o inferno. Mas tem liberdade de decidir. E esse critério é único na história das religiões, nas outras ou és um servo de Deus, ou estás sob as suas ordens, ou estás predestinado a algo. Deste principio básico, da escola de Salamanca e dos escolásticos do século XVI, nasce o liberalismo. Que não é uma ideia natural, não é algo que tenha predominado na história da humanidade, antes pelo contrário. É uma ideia que custou muitos séculos a desenvolver-se, que não se implanta com facilidade, e que é próprio de sociedades muito avançadas. Mesmo hoje a liberdade é um principio que se aplica a muito poucas nações. É um gosto adquirido, uma virtude consolidada após muitos séculos de luta. Isso não se dá em nenhum país culturalmente muçulmano. Por exemplo, num país como Portugal, de origem cristã, podes ser religioso ou não. Podes praticar o islão, ou não. Mas em nenhum país muçulmano podes praticar o catolicismo, o judaísmo, negar a Deus, ou escrever artigos em que afirmas a tua laicidade, permitir que as mulheres tenham os mesmos direitos que os homens, ou que os homossexuais não sejam apedrejados. Isso é muito importante, é cultural, não é religioso.

Contudo, olhando mesmo para a própria história de Espanha, temos períodos recentes, como o franquismo, com um regime muito ligado ao catolicismo e à Igreja, e que certamente não era de liberdade. Não vejo a relação direta entre as duas coisas.

Não, não, à Igreja Católica não, volto à mesma ideia. A Igreja Católica tem muita responsabilidade em muitas coisas terríveis. Hoje em dia, por exemplo, a Igreja Católica não é exatamente uma defensora da liberdade. Não estou a falar da Igreja ou da religião, estou a falar de herança cultural. A Igreja Católica passou por muitos momentos históricos, uns melhores que outros, como a passou Espanha ou Portugal. Não estou a defender a Igreja, que teve momentos obscuros que não se devem negar. O que quero dizer é que, da mesma base, se pode chegar a resultados diferentes. A partir do cristianismo, pode-se apoiar regimes pouco amantes da liberdade. Como Cuba, que está muito apoiada pela Igreja e não é exemplo de liberdade. Mas as ideias culturais que fundamentam o cristianismo são as que evoluíram até à defesa da liberdade. Isso não acontece com o Islão.

Criticou o Islão por atacar os direitos das mulheres e dos homossexuais… Mas o próprio programa do Vox também tem sido criticado como sendo isso mesmo, um ataque às mulheres, etc. Como lida com esse paradoxo?

É certo que o Vox tem sido criticado por isso, de maneira absurda, por uma esquerda que domina os meios de comunicação e que não pensa nem analisa o que dizemos, além da caricatura que querem fazer de nós. A acusação de que Vox ataca a mulher, porquê? Porque quer mudar a lei da violência de género.

Exatamente.

A lei da violência de género o que diz é que nem todos os espanhóis são iguais perante a lei. Que se devem julgar homens e mulheres de maneira diferente, pelos mesmos presumíveis delitos. Ou seja, acaba com dois mil anos de direito romano, que depois de 15 anos de aplicação não há nenhum país do mundo, nenhum, que tenha imposto essa prática.

Não sou advogado, mas imagino que em Portugal, em casos de violência de género, haja alguma distinção do tratamento da violência contra as mulheres, por as considerar mais vulneráveis face à sociedade [no caso português, o estatuto utilizado é de vítimas de violência doméstica, não violência de género, apesar de 74,9% das vítimas deste crime serem mulheres. No Brasil há a Lei da Maria da Penha, com semelhanças à Lei de Violência de Género espanhola, aprovada em 2006, que reduziu em 10% a taxa de homicídios contra mulheres na sua residência, segundo dados do IPEA]

Isso é diferente, é o que tínhamos em Espanha antes. É que a lei prevê, como o direito romano, agravantes e atenuantes. Pode condenar-se o mesmo delito de maneira mais severa ou mais ligeira em função disso. Por exemplo, se temos uma agressão física, e é claro que sou fisicamente muito mais forte que tu, isso pode ser uma agravante, ou porque tenho uma arma que tu não tens. Ou pode ser um atenuante se num homicídio eu me estou a defender em legítima defesa. Isso sempre existiu. O que não existe em lado nenhum do mundo, exceto Espanha, são tribunais só para homens. Imaginas se o Vox dissesse: ‘Vamos fazer tribunais só para imigrantes, com uma lei distinta para eles’. Seria um pouco estranho, não?

Pergunto-lhe, sinceramente, quando há grupos que são mais vulneráveis face à própria sociedade, quando os dados mostram isso, sejam mulheres, pessoas LGBT+, imigrantes, não reconhecer essa realidade, querer tratá-los como se essa descriminação não existisse, não é uma forma de reforçá-la?

O artigo 14 da nossa Constituição, em Espanha, que tem um equivalente em todas as constituições do mundo, diz de maneira expressa algo que é muito importante, que é que não se pode discriminar a ninguém pelo seu sexo, raça, religião – não diz pela sua orientação sexual porque a Constituição é 1978, não havia essa forma de pensar. Não se pode discriminar a ninguém. Se há uma situação de discriminação é um atentado contra a Constituição, isso tem de ser um delito. Outra coisa é que se diga que, pelo facto de se ser homossexual, é preciso dar um tratamento especial, umas ajudas. Que por ser mulher se tenha direito a um julgamento especial, que por ser imigrante tenhas direito a ajudas que outros não têm. Não. É possível que sendo imigrante tenhas direito a ajuda, não por seres imigrante, mas por seres uma pessoa especialmente vulnerável. É possível que mereças proteção especial de um julgamento – possível não, é certo – porque o teu marido te está a agredir. Por isso pedimos prisão perpétua para violadores, pedófilos, assassinos. Ninguém mais pede isso. O que não podemos permitir é que a mera acusação de violência de género, sem julgamento, prova ou presunção de inocência, impeça que possas voltar a ver os teus filhos. Acha que isso é normal?

Acha mesmo que os homens estão a ser prejudicados em Espanha?

Insisto, esta lei é tão excecional, tão inconstitucional, que nenhum outro país do mundo aprovou legislação semelhante. E digo-lhe mais: em Espanha estamos constantemente a falar dos feminicídios, assassinatos de mulheres. É um tema de que se fala muitíssimo, parece que Espanha é um país muito violento para as mulheres. Espanha é um dos três países com menos feminicídios do mundo [é um dos três países com menos feminicídios da Europa, segundo dados de 2015 do Eurostat, com mais de mil mortes desde 2003], felizmente.

Mas um feminicídio é um feminicídio a mais, não?

Um é muito, sim. Mas temos das taxas mais baixas do mundo. Todos os anos, em Espanha, morrem entre 45 a 55 mulheres, em quase 40% dos casos, o atacante é um estrangeiro. Não só de imigrantes, há exemplos sintomáticos, entram milhões de turistas por ano. Se um dinamarquês mata a sua mulher dinamarquesa de férias nas Canárias, isso conta.

Onde é que está a querer chegar? Certamente não me está a tentar convencer que o motor da violência de género em Espanha são turistas e imigrantes, que nem sequer são a maioria dos casos.

Espere, a consequência disso é muito importante. Tendo em conta que Espanha é dos países com menor taxas de abusos das mulheres, e podíamos cortar esses quase 40% que não foram formados entre espanhóis, concluímos que, felizmente, Espanha é dos países onde mais se respeita as mulheres. E vou mais longe, há que lutar para que esse número se reduza até zero, mas é uma taxa difícil de evitar porque mal existe.

Surpreende-me muito o foco de Vox neste género de declarações, dado que Espanha é um dos países com maior movimento feminista, mais organizado, mais forte, onde há uma perceção muito clara de que vivemos numa sociedade patriarcal.

[riso] Isso é mentira.

Pergunto-me se esse foco é reação a saber que é um tema incendiário, particularmente em Espanha.

Oiça, isso faz parte de uma batalha cultural muito mais ampla. Desde os anos 80 que o marxismo foi absolutamente vencido na Guerra Fria, quando se propunham dois modelos de civilização, comunista ou ocidental. Diziam que se vivia melhor no modelo comunista, que tinha mais igualdade, era mais equilibrado. Cai o muro de Berlim, tudo isso é varrido. Segundo, comprovamos que o comunismo gera igualdade por baixo, todos ficam pobres, com um atraso tecnológico muito grave. Basta ver uma foto espacial da península coreana.

Não estávamos a falar dos falhanços do socialismo real.

Mas isso é muito importante. O marxismo caiu derrotado e reinventou-se com novas fórmulas. Pega em bandeiras que tradicionalmente eram da direita. Como o ecologismo, que era de gente conservadora, os agricultores são gente conservador, querem conservar o meio ambiente porque é onde vivem. Cuidam dos montes, do prado, do gado. Mas a esquerda quer acabar com o setor primário, porque as vacas produzem metano. Isso gera uma batalha cultural entre as pessoas do campo e da cidade. E os direitos das mulheres sempre foram uma batalha da direita.

Isso não é verdade.

O marxismo propõe o combate entre o patrão e o trabalhador, o explorador e o oprimido. Dado que o modelo ocidental gera uma classe média enorme, esse modelo cai pelo seu próprio peso e procura modelos de confrontação. Campo contra cidade, homem contra mulher. Os direitos da mulher sempre foram defendidos por gente conservadora, até que lhes pegou a esquerda e virou algo radical.

Nem sei o que dizer quanto a isso.

Quem são as primeiras que conseguem o direito ao voto para as mulheres?

No Reino Unido foram as sufragistas, profundamente radicais e com apoio de movimentos sindicais.

Não tenha dúvida que eram muito de direita. Vemos nos filmes de Mary Poppins, quando a mãe da família vitoriana, com os seus vestidos, ou até nos Estados Unidos, que são as mulheres urbanas, de famílias cultas, que foram à universidade e tinham até mais formação que os seus maridos.

Mas sempre enfrentando oposição dos partidos conservadores.

Em absoluto, é o contrário, a esquerda não queria que as mulheres votassem para não votarem nos seus maridos ou nos padres.

Voltando à atualidade, está em Portugal, para que o Vox comece melhor a conhecer o Chega. Que futuro para esta relação?

Neste confronto de modelos de civilização, o adversário é uma esquerda cada vez mais afastada dos interesses dos trabalhadores, da gente do campo, humilde, muito mais preocupada com coisas típicas de urbanitos depressivos, de gente que vive nos bairros elegantes do centro da cidade, mas que nunca viu uma vaca, um barco de pesca, uma fábrica. Face a essa esquerda cada vez mais entregue aos dogmas globalistas, que vêm de instituições que ninguém elegeu, há outro modelo, que é de respeito pela soberania nacional, defesa da tradição, dos costumes que vão tendo sucesso ao longo do tempo, e da defesa dos direitos do individuo e da família, da liberdade económica e do gasto público desnecessário, para dar espaço à iniciativa privada. Nessa dicotomia, com uma esquerda que acha que há de incorporar imigrantes que imponham os seus costumes, abrir as fronteira para que entre quem queria, creio que Chega tem algumas ideias que se parecem bastante com as nossas. E também na vocação ibero-americana, de defesa da iberoesfera, da história e cultura comum, incluindo o idioma. Porque se nos estamos a entender agora, se não necessitamos de falar em inglês, é porque temos um idioma que, no essencial, é muito parecido. E falam as nossas línguas uns 500 milhões de pessoas em todo o mundo, é uma riqueza que não foi suficientemente explorada. E queremos convidar o Chega a iniciar um movimento de defesa da iberoesfera, respeitando a soberania das nações, mas sem renunciar ao nosso espírito europeu.

Falou de uma esquerda que só quer saber de gente urbana, elites. Tem utilizado cada vez mais um termo, ‘casta’, para falar disso. Mas sente-se confortável de usar o termo ‘casta’, sendo alguém nascido num bairro rico de Madrid, numa família influente, filho de um marquês, sendo literalmente da aristocracia espanhola?

Sinto-me super confortável. Primeiro, esta teoria de que sou de uma família poderosíssima, isso ainda alguém tem de me explicar, porque nunca percebi muito bem em que consiste esse poder ou riqueza. A grande riqueza que tive, o grande privilégio que tive, foi de nascer numa família com muitos filhos e valores muito claros. Não é uma família especialmente rica ou poderosa, é uma família que tradicionalmente tem sido de servidores públicos, militares, diplomatas, funcionários, de gente da classe média dos anos 70 de Espanha. Mas privilegiada pelos valores. Acha que por ser filho de um marquês lhe dão mil euros, acha que dá algum tipo de privilégio? É uma coisa completamente honorífica. E vou mais além. Acha que Espanha alguma vez esteve dominada por uma casta de tipo nobiliário? Talvez na Idade Média, no século XVI, XVII. Hoje há uma nova casta que domina Espanha, que é do setor público, políticos, professores universitários, de jornalistas. São elitistas, e sinto-me super confortável em dizer isso.