OE 2022 medidas a pensar nas autárquicas

Primeiro-ministro piscou o olho à esquerda acenando com mais apoios sociais e alterações às leis laborais. Economistas ouvidos pelo Nascer do SOL querem mais.

António Costa tem piscado o olho aos partidos de esquerda com objetivo de ver aprovado o Orçamento do Estado para 2022. Ainda esta semana, acenou com a alteração dos escalões de IRS no Orçamento do Estado do próximo ano. A ideia, de acordo com o primeiro-ministro, é fazer um desdobramento do 3.º e 6.º escalões. Feitas as contas, estas mudanças irão abranger todos os contribuintes com rendimentos acima de dez mil euros (onde se inicia o terceiro escalão), ou seja, cerca de 1,4 milhões de famílias, de acordo com os dados das Finanças.

«Já fizemos um primeiro desdobramento dos escalões. Tínhamos previsto fazer este ano, e tivemos de adiar por causa da crise, um segundo desdobramento. Estamos, neste momento, a fazer um trabalho muito sério para identificar a possibilidade de, no próximo Orçamento do Estado, fazer mais um desdobramento dos escalões», lembrando que «no terceiro escalão, que cobre rendimentos entre os 10 mil e os 20 mil euros, temos uma enorme diferença. Depois, há o sexto escalão, entre os 36 mil euros e os 80 mil euros, onde há uma diferença gigantesca».

A par das mudanças nos escalões de IRS, António Costa já tinha anunciado no congresso socialista outras medidas: alargamento das deduções do IRS a partir do segundo filho – o seu Executivo tinha introduzido uma majoração fiscal na dedução fiscal para todas as famílias a partir do segundo filho, mas que apenas se aplicava às crianças entre os zero e os três anos e que permitiu uma dedução de 900 euros a partir da segunda criança – e prometeu abrir mais dez mil lugares em creches no país, acenando com políticas de incentivo à natalidade.

Outra promessa diz respeito ao alargamento do IRS jovem e que passa pela isenção parcial dos rendimentos do trabalho dependente que, em vez de durar os atuais três anos, irá passar para cinco. Esta isenção será de 30% nos dois primeiros anos, de 20% nos terceiro e quarto anos e de 10% no quinto ano.

Estas medidas são aplaudidas para já pela esquerda, mas querem mais. O secretário-geral do PCP já veio defender que o alargamento dos escalões do IRS deve ter em conta os rendimentos mais baixos e intermédios e apontou o regresso aos dez escalões como «uma boa referência para conseguir mais justiça fiscal», apesar de reconhecer que «qualquer avanço é sempre positivo». Mas que vai ao encontro do que tem sido pedido pelo PAN. Também o BE e o próprio PS já tinham posto em cima da mesa das negociações do próximo OE o aumento do número de escalões do IRS.

Mais crítico está em relação às questões laborais com Jerónimo de Sousa a acusar António Costa de fazer apenas «uns retoques» nesta matéria, defendendo que «houve um vazio em relação a questões centrais». Recorde-se que António Costa garantiu que os trabalhadores de plataformas digitais vão passar a ter contrato de trabalho e que as empresas de trabalho temporário vão passar a estar condicionadas nos contratos com o Estado.

À direita, Rui Rio defende não só uma redução da carga fiscal, mas pede ainda uma melhoria nos serviços públicos. «Os portugueses pagam imensos impostos, a carga fiscal é brutal. O que temos em Portugal não se assemelha aos países desenvolvidos, porque o retorno dos impostos é muito mau», disse o líder social-democrata. Já o CDS propõe também redução dos escalões e as taxas associadas. «Em Portugal, parece que as pessoas pagam para trabalhar. O que propomos é a redução dos escalões [de IRS] e das taxas associadas, para que trabalhar compense», disse Francisco Rodrigues dos Santos.

As centrais sindicais também estão de olho à reposição de rendimentos. A CGTP vai reivindicar aumentos salariais de 90 euros para todos os trabalhadores em 2022 e a fixação do salário mínimo nacional nos 850 euros, segundo a proposta de política de rendimentos aprovada esta esta semana. Por seu lado, a UGT vai aprovar a sua política reivindicativa para 2022 no dia 16 de setembro, numa reunião do seu Secretariado Nacional. No ano passado, pediu aumentos salariais entre 1,5% e 3%, com um aumento mínimo de 35 euros.

O Nascer do SOL falou com vários economistas – João César das Neves, António Bagão Félix e Eugénio Rosa – para saber o que esperam do documento e a sua opinião sobre algumas das medidas já anunciadas. Quanto à aprovação do Orçamento não têm dúvidas: acreditam que vá receber luz verde.

Bagão Félix. ‘Ora agora bailas tu, ora agora bailo eu’

António Bagão Félix não está à espera de grandes surpresas e diz mesmo que o documento será «mais do mesmo». E explica o porquê: «Por necessidade da sua aprovação à esquerda, haverá a supremacia do ‘retalho’ sobre uma visão global, coerente e estratégica de política orçamental»

Quanto às medidas que têm vindo a ser anunciadas, como as alterações dos escalões de IRS ou as creches gratuitas, não hesita. «Até à votação assistiremos a encenados ‘movimentos musicais’, começando em andamento gravíssimo, depois passando para andante moderado, e acabando em fingido allegro ma non troppo, com o maestro António Costa a escolher entre o PCP e o BE, e com o PAN a, em caso de necessidade, ser chamado para reforçar o coro. E a pauta orçamental vai sendo escrita ou modificada em função do momento, com ‘improvisos’ já preparados. Tudo com a batuta da bazuca…», refere ao Nascer do SOL.

Face a esse cenário não tem dúvidas que o documento seja aprovado. «O Orçamento do Estado vai ser aprovado, com mais ou menos cedências às muletas do Governo, em jeito de vira ‘ora agora bailas tu, ora agora bailo eu’. O Presidente da República subscreve e promulga».

O economista lamenta que o Governo não vá mais além, quer no plano fiscal, «onde se passam os anos e o socialismo tributário vem batendo recordes», quer no plano da despesa, «onde o Estado emprega cada vez mais pessoal – mesmo onde há menos necessidade, como no ensino básico, por haver menos crianças. É a rotunda do despesismo socialista, rigidificando cada vez mais os futuros Orçamentos. Com cerca de 750 mil funcionários públicos, a que acrescem as respetivas famílias, não andaremos longe de dois milhões de eleitores. António Costa não quererá deixar fugir o seu ‘bunker’ eleitoral».

A solução para as famílias passaria, de acordo com Bagão Félix, pela eliminação de sobretaxas, racionalização de tributos «que, sorrateiramente, nascem como cogumelos», racionalização de algumas prestações sociais que se entrecruzam desordenadamente, mais liberdade de escolha. «Sobretudo, o lançamento, ainda que obviamente gradualista, de uma verdadeira reforma fiscal que rompa com a qualificação de pessoas e famílias de rendimentos muito medianos em sujeitos ‘fiscalmente ricos’».

Já para as empresas defende menos assistencialismo público, mais incentivos laborais à produtividade, e uma aplicação do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) mais focado no futuro das entidades produtivas.

César das Neves. ‘As despesas sociais são dirigidas a lobbies poderosos’

João César das Neves garante que «este Governo habituou-nos a um estilo particular de Orçamento, que deve manter ainda desta vez. Vai tentar descer o défice através de subida de impostos e cortes em despesas de investimento e funcionamento, dizendo depois que foi um sucesso e que melhorou em tudo», refere ao Nascer do SOL.

O economista não se mostra surpreendido com o caminho que está a ser levado a cabo por parte de António Costa ao anunciar medidas que piscam o olho aos partidos de esquerda, nomeadamente em matéria social, ao lembrar que tem sido esta a linha política habitual. «O Governo optou por alinhar à esquerda e esse apoio parlamentar sente-se mais em época de orçamento. O Governo tentará dizer que vai dar muitas coisas para conseguir os votos e depois, com cativações e afins, fazer o mínimo do que diz prometer. Claro que este bluff, precisamente por ser sucessivamente repetido, é cada vez mais difícil de manter», acrescenta.

Mas apesar do economista reconhecer que o Governo «não esteve mal» em termos gerais na pandemia, conseguindo acorrer às grandes necessidades, a grande crítica que lembra, que já vem de antes da epidemia, «é o esquecimento dos mais pobres, que não tendo voz, não são agente político e mediático». E acrescenta: «As despesas sociais são dirigidas a lobbies poderosos, com voz na esquerda, que em geral, não sendo ricos, também não são os mais pobres».

Para César das Neves, «o mais desejável seria atender às muitas pessoas, classes e setores que foram mais afetadas pela covid, que perderam empregos e negócios, passam grande miséria e, não gozando da atenção mediática, passam despercebidas. O caso dos trabalhadores imigrantes que a pandemia destapou é um caso paradigmático, pois foram descobertos com grande surpresa apesar de existirem há décadas. Há vários outros grupos igualmente ignorados politicamente. Mas um Governo tão bem oleado em termos mediáticos, liga aos pobres que protestam e têm voz em partidos e jornais, nunca a esses grupos».

Em relação às empresas, o economista reconhece que têm sido as grandes esquecidas dos Orçamentos, como serão do futuro pacote europeu. «O Governo vê as empresas principalmente como fonte de receitas fiscais. Vai continuar a fazê-lo, como se vê no PRR», salienta.

Ainda assim, não vê o risco de o documento não ser aprovado e com isso criar uma crise política. «Penso que ninguém quer isso», conclui.

Eugénio Rosa. ‘Parecem ser mais medidas motivadas por preocupações eleitoralistas’

«Desconheço as verdadeiras intenções do Governo. Mas o que era necessário era mais justiça social e fiscal; mais investimento público para incentivar o investimento privado e promover a recuperação económica; dotar os serviços públicos – nomeadamente, o SNS dos recursos que necessita para satisfazer com qualidade os portugueses – e não esquecer os trabalhadores da Função Pública, cujos direitos e interesses, nomeadamente remunerações e carreiras têm sido sistematicamente ignorado pelos sucessivos Governos». Estas são algumas das ‘exigências’ de Eugénio Rosa e que, no seu entender, deveriam estar contempladas no próximo Orçamento do Estado.

Ainda assim, reconhece que todas as medidas que tenham como objetivo trazer uma maior justiça social, incluindo a justiça fiscal, são bem vindas e considera que este é um caminho para chegar a um acordo com os partidos de esquerda. No entanto, lembra que há alguns problemas que não podem ficar esquecidos.

Um deles diz respeito à dimensão das medidas anunciadas, nomeadamente as alterações dos escalões de IRS. «É preciso saber o número de portugueses que vão ser abrangidos e o valor da redução da carga fiscal», acrescentando que «se o efeito for reduzido, o anúncio destas medidas terá efeitos apenas propagandísticos e quando analisadas poderão causar uma elevada frustração».

A outra questão está relacionada com o timing de implementação ao lembrar que muitas vezes são anunciadas para serem realizadas no próximo ano e depois levam anos a serem concretizadas ou então são sucessivamente adiadas. «Isto vem a propósito da criação de 10 mil lugares em creches, dos dois mil alojamentos para os mais desprotegidos, etc.».

E os alertas não ficam por aqui. O economista diz ainda que é preciso ter em conta a exclusão de medidas importantes e dá exemplos. «Lembro-me que a taxa do escalão mais baixo do IRS (até 7.112 euros de rendimento coletável) sofreu um aumento de 30,9% em 2013 com Vítor Gaspar, pois passou de 11% para 14,5% , enquanto a taxa do escalão mais elevado foi aumentada em apenas 5,3%, o que determinou que o IRS pago pelo escalão mais baixo tenha aumentado, entre 2012 e 2013, de 67 milhões para 250,5 milhões de euros». Umas contas que, segundo Eugénio Rosa, continuam a ser ignoradas, embora se fale muito de justiça fiscal. «Só depois de se conhecer a proposta concreta do Governo é que se poderá fazer uma avaliação correta», diz ao Nascer do SOL.

O economista não hesita ao garantir que «parecem ser mais medidas motivadas por preocupações eleitoralistas». Mas lembra que a aprovação do documento vai depender muito, não da manifestação de disponibilidade para debater com os partidos da esquerda o OE, mas principalmente da capacidade do Governo em aceitar e implementar medidas de uma maior justiça social e fiscal, de reforço dos serviços públicos em trabalhadores e na sua valorização, em medidas efetivas para promover a recuperação económica e os rendimentos dos portugueses e das empresas, etc.

«Mais que palavras, precisamos de atos e resultados visíveis. É minha convicção que o Orçamento do Estado para 2022 será aprovado pelos partidos de esquerda – assim o desejo – até porque o Governo tem uma maior capacidade de gestão que é dada pelos fundos do PRR e do QFP 2030, (cerca de 46.000 milhões) sendo, por isso, mais fácil acomodar mais medidas. Mas é preciso que assim o queira e revele capacidade e vontade política para o fazer».

E a solução passa, segundo Eugénio Rosa, por apostar em medidas que ajudem as famílias a recuperarem os seus rendimentos e as empresas a incrementarem as suas vendas, uma vez que, defende os efeitos da crise ainda não passaram. «Isso só é possível se o Governo multiplicar o investimento público para dinamizar o investimento privado».

Susana Peralta. ‘Ainda não percebemos como é que as medidas vão funcionar’

Para Susana Peralta não há dúvidas, o desdobramento de alguns escalões de IRS «é uma medida para atrair os partidos de esquerda porque tanto o PCP, como o BE e o PAN têm essas reivindicações nos seus programas», diz ao Nascer do SOL. Mas quando questionada se é exequível, a economista garante que ainda não é percetível, porque ainda não sabe como vai funcionar. «Ainda não percebemos como é que vai funcionar, mas admito que sim, porque se há coisas que eles sabem fazer no Terreiro do Paço são contas».

No entanto, lamenta o ‘secretismo’ à volta da medida. «Os escalões que estão a ser debatidos pelo primeiro-ministro têm uma taxa efetiva de tributação do terceiro escalão que varia entre 4 e 5,5% e o sexto escalão varia entre 17 e 23%. O que é que é isto? Nem eu, nem ninguém sabe. Andamos a discutir nada porque o primeiro-ministro diz que vamos rachar estes dois escalões, mas onde é que os vai rachar? Que alterações é que vai fazer nas taxas marginais e quanto é que prevê – porque tem a obrigação de nos trazer esses números se realmente quer estimular e provocar um debate em torno desta política – que isto diminui na taxa efetiva de tributação – que é como quem diz em quanto em média é que vai pôr no bolso das pessoas que são abrangidas pela medida».

Mas Susana Peralta dá mais exemplos. Um deles diz respeito às creches. «O que são 10 mil lugares em creches? Quantas crianças é que estão sem lugar? Quantas famílias é que estão a pagar mais? Não sei se é muito ou pouco. Nem tenho de saber. O Governo é que tem a obrigação de pôr estes números em cima da mesa para termos um debate informado».

A economista critica ainda o facto de só saber das medidas por António Costa. «Acho isso extraordinário. Só sabemos das novidades pelo primeiro-ministro e com alguma frequência para testar os partidos da esquerda à direita e à própria opinião pública. Aliás, esses anúncios geralmente não são necessariamente feitos pelo primeiro-ministro, mas como estamos numa situação pré-eleitoral temos o primeiro-ministro uma vez por semana a arranjar um palco para divulgar medidas».

A solução, de acordo com a responsável, passaria por o Governo apresentar propostas concretas e dizer «quanto é que vai rachar os escalões e que isso vai dar mais x de rendimento disponível para as pessoas que têm rendimento y. A partir daí, sabemos o que estamos a falar. O mais provável é que a medida vão ser peanuts e vão dar 10 ou 20 euros a mais por mês, como vimos nos últimos anos com os aumentos das pensões e dos complementos».