Entre o aviso de Lagarde e as autárquicas…

Que irá sobrar das eleições?

1. Enquanto escrevia este texto, li que o BCE irá diminuir as compras de dívida pública, perante a recuperação da maioria das economias na Zona do Euro e as perspetivas da inflação (a dar sinais de aquecimento). Em Portugal, deveriam tocar todas as campainhas de alarme, tamanha a importância das compras do BCE nestes últimos anos.

Mas estamos em vésperas de autárquicas e o Governo PS só anuncia benesses. A mais recente, consiste na redução em dois escalões do IRS, enquanto apregoa a recuperação fantástica da economia no segundo trimestre de 2021, mas omitindo que somos dos poucos países da Zona Euro que ainda não regressou a níveis de 2019, tamanha foi a queda do PIB em 2020.

Se nos relembrarmos que o défice de 2021 ainda rondará os 4% do PIB, na melhor das hipóteses, parece óbvio que a dívida pública, em termos nominais, não para de crescer. Eu sei que Sócrates defendia que a dívida é para ser gerida, mas tudo tem limites, sobretudo quando se torna evidente que quem ‘nos sustenta’ a manter os juros baixos é o BCE. 

Resumindo, esta decisão de Lagarde terá graves consequências a prazo em países como Portugal, sobre endividados e a descurar o controlo da dívida pública.

2. As autárquicas aí estão e finalmente os políticos nacionais saíram à liça na defesa das diversas candidaturas. É vê-los a percorrer concelhos e distritos, falando quase sempre de temas nacionais, raramente se aproximando das realidades locais, na maioria das vezes demonstrando um desconhecimento confrangedor sobre o que preocupa realmente aqueles para quem falam.

Feito o introito genérico, falemos de uns quantos casos concretos que considero relevantes. Acrescento que vi autênticos ‘tesourinhos’ em cartazes, demonstrando nalguns casos uma total falta de senso, noutros, sendo ‘Out of the box’, apenas geraram controvérsia e efeitos contraproducentes.

Comecemos por Lisboa, Medina versus Moedas. Dos debates que vi, julgo que Moedas se aproximou de Medina e que as sondagens de há semanas que lhe davam maioria absoluta estarão completamente ultrapassadas, tanto que vemos João Ferreira a dar-lhe a mão porque sente que o PS irá precisar mesmo do PCP para governar Lisboa (além de colocar e bem nos debates o tema do aeroporto em Alcochete – salvé João!). 

Moedas é, na minha opinião, uma personagem que será muito melhor presidente que candidato, dada a sua estrutura cultural e superior bagagem técnica, resultante de uma vivência internacional. No entanto, se continuar a fazer passar uma imagem de sobriedade e competência nestas semanas até às eleições, insistindo com frontalidade nos pontos fracos do mandato de Medina, não tenho dúvidas que irá causar um enorme nervosismo na campanha deste.

Impossível não falar na Figueira da Foz e em Pedro Santana Lopes. Continuando a ‘andar por aí’, depois da frustração de uma ‘Aliança’ condenada à nascença por ser percecionada como projeto pessoal, ei-lo de volta à ‘sua’ Figueira que nunca o esqueceu, podendo até ter maioria absoluta, muito ‘empurrado’ pela triste campanha desencadeada pelo ‘seu’ PSD, doentiamente obcecado em impedi-lo de concorrer.

No Porto, PS e PSD renderam-se a Moreira, escolhendo candidatos a pensar já nas próximas eleições daqui a quatro anos, com o inconveniente de ambos ficarem com o labéu da derrota de 2021. Em suma, a luta entre estes ‘galos’, será para ver quem fica menos ‘queimado’… 

Em Almada, acho que Maria das Dores Meira (PCP) irá surpreender Inês de Medeiros (PS) que considero não se ter afirmado nestes quatro anos, pese embora o PS a estar a apoiar em peso. Mas trata-se de (faltar) carisma, aquilo que se tem ou não tem e não se compra no supermercado. O PSD continuará a ter expressão marginal. 

Em Setúbal, a CDU (André Martins) continuará, pese a força de Fernando Negrão (PSD) e sobretudo Fernando José (PS) coadjuvado por Ana Catarina Mendes, sempre uma referência no Partido pela proximidade a Costa. Na Amadora, da candidata da coligação liderada pelo PSD, Suzana Garcia, fica a sua boa vontade, apoiada em forte marketing. Carla Tavares (PS) irá para o seu 3º mandato sem sobressaltos.

Coimbra será uma eleição tranquila para Manuel Machado (PS), pese a boa imagem de José Manuel Silva (PSD) que não constituindo novidade, não irá motivar eleitores. Aveiro, será o concelho onde o PSD pode ter um ‘desgosto’ e grande. Ribau Esteves (PSD) é um candidato altamente controverso e o PS (com o PAN) insistindo em Manuel Oliveira de Sousa pode fazer surpresa, destronando um bastião distrital emblemático do poder autárquico do PSD. Em Viseu regressa Fernando Ruas para ganhar (para sorte do PSD). Oeiras será Isaltino sem qualquer sobressalto, mas Poço (PSD) poderá mesmo ser o futuro. 

Que irá sobrar das eleições? Uma derrota pessoal de Rio após provocar diversas divisões no PSD, acelerando as possibilidades de sucessão. O PS também poderá sentir diversas campainhas de alarme resultantes da insatisfação governamental, sobretudo em algumas Câmaras regionais. A CDU continuará reduzida (distritalmente) a Évora e Setúbal. O Bloco e o PAN nunca pesam nestas contas e o CDS acelera o desaparecimento. IL e Chega fizeram listas a tentar demonstrar uma dimensão que não possuem, pelo que os resultados a obter poderão ser-lhes perniciosos no futuro.

P.S. 1 – Faleceu Jorge Sampaio, um Senhor, um Presidente tranquilo, um democrata, mas que ficou marcado pela demissão de um primeiro-ministro de um Governo maioritário. Descanse em paz.

P.S. 2 – No sábado assinalaram-se 20 anos de uma data fatídica para a humanidade. 20 anos depois, regressam os receios numa região condenada a não ter paz.