A vida dos animais de companhia vai esta quinta-feira a debate

O PAN quer lei que limite animais acorrentados ou em varandas só por 3 horas. A deputada Cristina Rodrigues quer que os condomínios deixem de decidir sobre animais.

Estima-se que em Portugal existam perto de 7 milhões de animais de companhia, na sua maioria cães e gatos. De acordo com um estudo da Gfk, em 2015, cerca de dois milhões (54%) dos lares portugueses possuía, pelo menos, um animal de estimação. Na altura, o mesmo estudo dava conta de um aprofundamento da ligação emocional aos animais que “estão cada vez mais a serem tratados como membros da família e muitas vezes até como pessoas”.

Apesar disso, o seu bem-estar nem sempre está assegurado, defende o PAN, havendo duas situações que o partido quer ver sancionadas e limitadas ao mínimo, como “o acorrentamento continuado dos animais de companhia e o confinamento dos mesmos a varandas e espaços afins”.

Nesse sentido, o partido entregou no Parlamento um projeto de lei, que deverá ser discutido esta quinta-feira em plenário, e que visa atualizar e “precisar” o regime de proteção dos animais de companhia. Uma lei que mantém a sua redação originária de 2001, “acusando o natural desajustamento de cerca de duas décadas sem qualquer atualização”, salienta o PAN, sublinhando que a linguagem “qualitativa” e “desprovida de referenciais objetivos” do diploma gera “dúvidas de interpretação”.

A proposta do partido passa pela criação de um Plano Nacional de Desacorrentamento, em colaboração com as autarquias locais e eventuais organizações de proteção animal, que consiste em “campanhas de informação e de sensibilização dos detentores de animais de companhia”, prevendo a alocação de recursos financeiros destinados à criação de alternativas adequadas à contenção dos mesmos.

A par deste plano, o projeto-lei estabelece também que “nenhum animal pode ser permanentemente acorrentado ou amarrado”. No caso de o recurso ao acorrentamento se “revelar indispensável para segurança de pessoas, do próprio animal ou de outros animais, e não havendo alternativa, o mesmo deve ser sempre limitado ao mais curto período de tempo possível, sem ultrapassar as três horas diárias”, e salvaguardando sempre todos os parâmetros do bem estar-animal.

“Não é admissível que um animal de companhia possa ser mantido acorrentado uma vida inteira, condenado a uma existência miserável, privada de liberdade de movimentos, que é, afinal, a essência da condição animal”, lê-se no documento.

A presidente da Liga Portuguesa dos Direitos do Animal (LPDA) partilha da mesma convicção. “Nenhum animal nasce para estar acorrentado, eles nascem para ser livres”, frisou, em declarações ao i.

Maria do Céu Sampaio coloca a questão de outra forma: “Para que é que se tem um animal se é para estar preso uma vida inteira desde que nasce até que morre?”, interroga, acrescentando que este tipo de situações provocam “dor, angústia e sofrimento” nestes seres vivos.

Se a proposta do PAN sobre o acorrentamento for aprovada na Assembleia da República a violação desta norma passará a configurar, por si, o crime de maus tratos a animais (com uma pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias).

Além do acorrentamento, outra situação que poderá ser acautelada é o alojamento dos animais em espaços exíguos e sem condições, como varandas, muitas vezes “sujeitos às mais adversas condições atmosféricas”. Tendo isso em consideração, o PAN quer ver determinado que os animais “não podem ser alojados em varandas, alpendres e espaços afins, sem prejuízo da sua presença ocasional nesses locais por tempo não superior a três horas diárias”.

A LPDA também se mostra “completamente contra” o encerramento destes animais em varandas, e a presidente da liga reforça mesmo que “quem não pode ter animais, não deve ter, porque ninguém é obrigado a tê-los” e quem os tem deve criar as condições mínimas para a sua vivência e encontrar outro tipo de soluções para os animais estarem abrigados.

“Deve ser totalmente proibido o acorrentamento e o confinamento dos animais em varandas”, defende, mas salvaguarda “que a lei tem de dar um tempo de adaptação” aos detentores de cães e gatos, “para que as pessoas possam resolver essas situações’’.

Maria do Céu Sampaio sugere ainda que o Governo ajude quem não tem possibilidades económicas a assegurar essas condições com o dinheiro dos impostos cobrados em produtos para os animais.

O PAN quer também ver inscrito na lei que os animais de companhia “não podem ser deixados sozinhos, sem companhia humana ou de outro animal, durante mais de 12 horas”.

Um outro projeto-lei da deputada não inscrita Cristina Rodrigues, que deu entrada na Assembleia da República na semana passada, deverá ser debatido também esta quinta-feira, e prevê uma alteração à legislação para que os condomínios deixem de poder estabelecer limitações ao arrendamento a quem detém animais domésticos, uma vez que não lhes compete “regular a utilização” que as famílias fazem da sua propriedade.

Na ótica da deputada, “estando já estipulado” na lei o número de cães e gatos “admissíveis numa casa” e “fazendo a lei depender das condições da casa a possibilidade de alojar os animais, o condomínio não deve interferir no direito de propriedade”.

“Infelizmente ainda há pessoas que não gostando de animais não respeitam quem gosta ou tem e, acabam por tentar perturbar esses vizinhos com recurso a regras que tentam impor através das assembleias ou regulamentos de condomínio”, lamenta, em declarações ao i, reforçando que “a lei já determina um número máximo para animais por fração para além de explicitamente dizer que podem ser menos se não existirem condições para ter mais”, sendo que “essa aferição cabe aos serviços médico-veterinários municipais e não ao condomínio”.

Assim, Cristina Rodrigues propõe revogar no decreto-lei que estabelece as regras relativas à posse e detenção, comércio, exposições e entrada em território nacional de animais suscetíveis à raiva a alínea que refere que “o regulamento do condomínio pode estabelecer um limite de animais inferior ao previsto” por lei.

Esse diploma estabelece que “nos prédios urbanos podem ser alojados até três cães ou quatro gatos adultos por cada fogo, não podendo no total ser excedido o número de quatro animais, exceto se, a pedido do detentor, e mediante parecer vinculativo do médico veterinário municipal e do delegado de saúde, for autorizado alojamento até ao máximo de seis animais adultos, desde que se verifiquem todos os requisitos hígio-sanitários e de bem-estar animal legalmente exigidos”.

Segundo a deputada, a atual legislação “ao possibilitar que o condomínio reduza o número de animais previsto por lei está a atentar contra o direito à propriedade”, e realça que ao condomínio cabe regulamentar o uso das partes comuns dos prédios e não o que acontece na propriedade de cada um. “Isto seria quase o mesmo que dizer que o vizinho em casa não pode receber visitas”, ironiza.

Com este projeto de lei, a deputada não inscrita propõe também acrescentar à legislação que o alojamento de cães e gatos deve ficar dependente da “existência de condições que assegurem o bem-estar animal”, uma vez que “a lei também já acautela que o alojamento de cães e gatos em prédios urbanos, rústicos ou mistos, fica sempre condicionado à existência de boas condições do mesmo e ausência de riscos hígio-sanitários relativamente à conspurcação ambiental e doenças transmissíveis ao homem”, refere.

Além disso, atenta para a importância da medida na diminuição do abandono animal. “Há muitas famílias que se deparam com este problema especialmente quando estão à procura de uma nova residência e já têm um animal de companhia. Neste momento todas as medidas que pudermos tomar para prevenir o abandono, que continua a ser um flagelo no nosso país, devemos fazê-lo. Para além disso, impedir este tipo de restrições pode também ajudar a promover a adoção de animais que é algo também fundamental para o controlo da população de animais de companhia”, explica ao i.

Outra das alterações propostas por Cristina Rodrigues prende-se com os casos de incumprimento do bem-estar animal, contemplando a possibilidade de os órgãos de polícia criminal, a par das câmaras municipais, notificarem os donos dos animais para os retirar daquelas condições.

“O Estado, em coordenação com os órgãos de polícia criminal, autarquias locais e Ordem dos Médicos Veterinários”, deve assegurar “a formação aos órgãos de polícia criminal bem como aos veterinários ao serviço das autarquias, por forma a que nas ações de fiscalização” possam “aferir se as condições de bem-estar dos cães e gatos estão a ser asseguradas de acordo com as suas necessidades”, lê-se no projeto de lei.