Coimbra sem mais encanto

É que os juízes conselheiros, pese embora tenham permitido que o juiz negacionista Rui Fonseca e Castro tenha ultrapassado todos os limites do respeito devido ao Conselho Superior da Magistratura durante a sua audição, que foi pública, são defensores acérrimos do seu estatuto e prestígio.

Já lá vai o tempo em que os presidentes do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional se acotovelavam nas cerimónias públicas pela conquista do lugar correspondente ao da quarta figura do Estado, a seguir ao Presidente da República, ao presidente da Assembleia da República e ao primeiro-ministro.

Não se julgue que é brincadeira ou figura de estilo, porque foi mesmo verdade, aconteceu durante décadas desde os anos 80 do século passado.

Os chega-te para lá – quando não um ou outro encontrão mais ostensivo – entre os juízes conselheiros eleitos pelos respetivos pares na Praça do Comércio (STJ) e no Palácio Ratton (TC) fazem parte da história da democracia portuguesa desde a revisão constitucional de 1982, que criou o Tribunal Constitucional.

Entendiam os magistrados de carreira que o mais alto tribunal da República teria sempre de ser o Supremo Tribunal de Justiça, como resulta da sua própria designação e porque já existia quando o TC foi criado. E, portanto, o presidente do STJ deveria preceder o presidente do Tribunal Constitucional na hierarquia do Protocolo do Estado e bem assim nas cerimónias públicas em que ambos aparecessem.

Já os juízes conselheiros do Palácio Ratton sustentavam o oposto, considerando que, constitucionalmente, o único tribunal cujas decisões são inapeláveis (pelo menos, no foro nacional) e insuscetíveis de recurso é precisamente o Tribunal Constitucional, sendo que das decisões do Supremo Tribunal de Justiça cabe recurso precisamente para este TC.

Os conflitos das precedências no Protocolo de Estado não se esgotam entre os dois presidentes dos tribunais superiores portugueses.

Tanto aquém como além fronteiras são muito mais frequentes do que se possa imaginar – embora a maioria das vezes não saiam dos bastidores e dos serviços protocolares e diplomáticos.

Mas há inúmeras contendas que chegaram ao foro judicial e, inclusive, ameaçaram as relações diplomáticas entre países ou Estados – como conta, por exemplo, L. Lopes na sua obra de 2013 Protocolo Autárquico (Alêtheia Autores): «Indecorosos amuos e empurrões entre os embaixadores de Espanha e França passaram a ser um elemento embaraçante no funcionamento de cada corte e, em 30 de setembro de 1661, quando o coche do embaixador espanhol tentou ultrapassar o coche do embaixador de França num cortejo em Londres, resultou numa batalha de rua que levou à rutura de relações diplomáticas entre Paris e Madrid e até à ameaça de guerra».

A verdade é que só a lei 40 de 2006, aprovada pelo Parlamento no verão de há 15 anos, veio desengalfinhar os presidentes dos dois tribunais. Legislando pela primeira vez sobre a matéria, a Lei das Precedências do Protocolo do Estado Português equipara-os e coloca-os exatamente no mesmo patamar, mas esclarece que «entre entidades com igual título precede aquela que tiver mais antiguidade no exercício do cargo». E o problema ficou, assim, definitivamente sanado até ao dia em que o STJ e o TC decidirem eleger novos presidentes exatamente no mesmo dia e abrir a corrida a ver qual deles consegue marcar a cerimónia de posse para mais cedo.

É que os juízes conselheiros, pese embora tenham permitido que o juiz negacionista Rui Fonseca e Castro tenha ultrapassado todos os limites do respeito devido ao Conselho Superior da Magistratura durante a sua audição, que foi pública, são defensores acérrimos do seu estatuto e prestígio.

Sejam os conselheiros de carreira, sejam os do Tribunal Constitucional.

Veja-se, aliás, a resposta do TC à proposta do PSD para a transferência da sede do Tribunal Constitucional para Coimbra: por junto e em suma, um «desprestígio» para a instituição, conforme consta do parecer dos juízes conselheiros do TC enviado aos deputados.

E vale a pena ler as declarações de voto de vencido de dois juízes do Palácio Ratton, ambos professores da Universidade de Coimbra.

Manuel Costa Andrade (que presidia ao TC no momento em que o parecer foi votado – em janeiro de 2021 – e que viria, um mês depois, a ser substituído no cargo pelo seu vice, João Caupers, professor na Universidade Nova de Lisboa) frisou que «qualquer chão nacional tem a mesma dignidade e legitimidade para acolher» o TC. E Mariana Canotilho demarcou-se e considerou «um insulto» expressões utilizadas no parecer e a sua fundamentação assente numa «premissa inaceitável: que a mudança de localização seria uma diminuição do prestígio e autoridade institucionais».

Esta proposta do PSD foi a votos no Parlamento esta semana e acabou por passar na generalidade. E até houve oito deputados socialistas que alinharam com o proponente PSD, mais o CDS e o IL, enquanto o resto da bancada do PS e as do PCP e do BE acabaram por se abster – apesar de considerarem  que tudo não passa de uma manobra de propaganda dos sociais-democratas.

Resta saber se a transferência da sede do TC para Coimbra não acabará por ter o mesmo desfecho da sede do Infarmed no Porto ­– que nunca passou do papel.

Quanto à propaganda em vésperas de eleições, não é o PS, o seu líder, seus dirigentes e seus candidatos que andam a alardear à boca cheia fundos do PRR para tudo e mais alguma coisa em quase todos os concelhos em que governam ou esperam governar?

Aliás, afinando pelo mesmo diapasão, o PSD veio também acusar o Governo e o PS de propaganda enganosa com o anúncio de uma nova maternidade para Coimbra.

Enfim, tudo muito pouco edificante.

E desprestigiante para todos.