Os ‘talibãs’ domésticos…

Entre a remoção dos painéis do Parlamento, preconizada por Joacine, e o insulto baixo de Magalhães, desenham-se tiques discriminatórios e fundamentalistas…

Há um novo radicalismo a instalar-se, minando os alicerces de uma sociedade cada vez mais permeável a modelos disruptivos, porque são ‘moda’, ou, simplesmente, em obediência ao ‘politicamente correto’ acrítico, para estar sempre por dentro do ‘lado certo’ da História.

Com ‘pezinhos de lã’, perfilam-se minorias extremistas, intolerantes e proibicionistas, empenhadas em remover âncoras antigas, subvertendo princípios, como caldo cultural propício ao aparecimento de regimes musculados ou de tiranetes de ocasião, com a democracia na boca e a ditadura na alma.

A ‘ideologia do género’ é uma das principais bandeiras a que recorrem esses ativistas. A outra é o ‘racismo’ ou o ‘racialismo’, invocados à sombra do colonialismo e do ‘esclavagismo’, e invariavelmente justificados com a defesa de uma ‘causa’.

Há dias, a deputada não inscrita, Joacine Katar Moreira, inventada pelo partido de Rui Tavares – ao qual renunciou na primeira esquina, sem olhar para trás – veio ‘recomendar’ a remoção de sete pinturas que decoram o salão nobre do Parlamento para «um espaço museológico», porque carecem de «contextualização histórica crítica».

A ‘lengalenga’ está longe de ser original e já fez parte, por exemplo, da narrativa sobre os brasões florais dos jardins da Praça do Império, em Belém, cuja eliminação constava de um projeto aprovado pela Câmara presidida por Fernando Medina, e que suscitou forte controvérsia. Assim como ‘cobriu’ a vandalização da estátua do Padre António Vieira, em Lisboa, vítima da mesma sanha contra fantasmas do passado. 

Outro tanto com o Padrão dos Descobrimentos, vandalizado por desconhecidos, neste caso, supostamente estrangeiros não identificados, depois de ter sido objeto de uma ‘petição’ no Verão de 2020, exigindo a sua expedita demolição, por ser também um símbolo alusivo «ao racismo colonial».

Por estas e por outras é que o Museu dos Descobrimentos, prometido por Medina, ficou no tinteiro, num lamentável e amedrontado recuo. 

Por aqui se vê, que Joacine não ‘inventou a pólvora’, e, à falta de melhor para exibir como ‘prova de vida’, tentou a sorte nos painéis do Parlamento. É um contributo que os novos inquisidores agradecem. 

Repare-se, por exemplo, como o deputado José Magalhães – que transitou em tempos do PCP para o PS –, trocou agora o seu apego à tecnologia por uma onda ‘purificadora’, que tanto engloba a Carta dos Direitos Humanos na Era Digital como a orientação sexual de Paulo Rangel. 

Talvez para animar a rentrée e ser uma alternativa às mensagens idiotas cultivadas em alguns cartazes das autárquicas, Rangel achou ser este o momento propicio para ‘sair do armário’, num primeiro passo para se apresentar como possível candidato à sucessão de Rui Rio.

Antes dele, já houve membros do atual Governo a fazerem o mesmo, numa atitude dita ‘corajosa’, embora já ninguém estranhe a bandeira do arco íris, hasteada onde até há pouco se guardavam silêncios. 

Primeiro, foi a ministra da Cultura, Graça Fonseca, que revelou a sua homossexualidade, preconizando a normalização da «existência de casais do mesmo sexo e da homossexualidade». Depois foi o secretário de Estado da Presidência, André Moz Caldas, que subiu a parada ao reclamar para si o título de ser «o primeiro membro do governo casado com uma pessoa do mesmo sexo».

Esta assumida transparência de ‘segredos de alcova’, em versão gay, traz uma virgula que não é irrelevante. Se vier da esquerda, não faltarão apoios nem elogios; se vier da direita – como já perceberam Adolfo Mesquita Nunes e, agora, Paulo Rangel –, há que vilipendiá-los na praça pública.

Foi o que fez José Magalhães, ao colocar no Twitter um comentário sórdido que visava, obviamente, Rangel sem o nomear. 

E o pior é que, com exceção da deputada Isabel Moreira – para quem «o que foi escrito […] é um ataque inaceitável da vida privada de Paulo Rangel» –, ninguém mais se afoitou na bancada do PS, ou condenou o gesto do coautor da carta dos direitos digitais.

Entre a remoção dos painéis do Parlamento, preconizada por Joacine, e o insulto baixo de Magalhães, desenham-se tiques discriminatórios e fundamentalistas, para impor uma nova ordem mascarada de democracia. 

Num destes dias haverá quem proponha, talvez, que seja seguido o ‘exemplo’ do Canadá, onde se queimaram milhares de livros, oriundos das bibliotecas de dezenas de escolas, a pretexto de combater estereótipos negativos em relação às comunidades indígenas.

Entre as obras destruídas figuravam o Astérix e o Tintim, bem como enciclopédias, romances e contos infantis.

Mesmo num país civilizado, a imbecilidade acabou por encontrar espaço para novas fogueiras inquisitoriais, perante a passividade cobarde de uns e a irresponsabilidade de outros. 

Os novos ‘talibãs’ também estão a sair do armário…