O Montepio e a desatenção jornalística

…apesar de ter crescido o risco de 600.000 portugueses perderem parte das suas poupanças e dos contribuintes virem a ser chamados a salvar a longeva Instituição, a situação do Montepio foi um não assunto, preterida pela intriga lançada pelo clã que o domina…

Por João Simeão
Diretor Adjunto do Montepio (reformado)

1. Nos passados dias 14 e 15, a Mutualista do Montepio regressou aos mídia com as preferências de Tomás Correia (TC) no próximo acto eleitoral, com a divulgação das Contas Consolidadas do grupo, e com a convocatória das eleições para Dezembro.

Claramente, a noticia que mais impacta no interesse público é o inexorável caminho para o abismo que as contas revelam, com os Capitais Próprios do grupo a diminuirem, em 2020, 101 milhões, reduzidos, apenas, a 95 milhões apesar de alavancados em 1.380 milhões de créditos fiscais (AID). Por outras palavras, sem AID, a falência técnica do grupo já ascende a 1.285 milhões, uma destruição de valor de 1.774 milhões, desde 2011 – primeiro ano da consolidação do grupo –, prenhe de responsabilidades políticas e que a política continua a ignorar.

O cenário ensombra-se, ainda mais, com as reiteradas reservas do auditor PWC, quanto ao real valor do Activo e com o carimbo da falta de credibilidade no Plano de Negócio da administração, com repercussão na continuidade do negócio. A que se juntam os sucessivos chumbos do supervisor ASF, aos vários Planos de Convergência da Mutualista apresentados por Virgilio Lima (VL) . E com o marcar passo no saneamento do Banco.

Não obstante, e apesar de ter crescido o risco de 600.000 portugueses perderem parte das suas poupanças e dos contribuintes virem a ser chamados a salvar a longeva Instituição, a situação do Montepio foi um não assunto preterida pela intriga lançada pelo clã que o domina.

Passou despercebida a manobra dos “tomasistas” do adiamento da divulgação das contas, em Junho, para o dia da convocação das eleições, cumulativamente com o lançamento do rumor da preferência de TC pela candidatura de Pedro Alves, um estratagema  em que endossaram a sua paternidade a outros e desviaram a atenção do desatre da sua governação.

2. Somos muitos os que trabalharam e trabalham no Montepio a conhecer o percurso dos principais candidatos que se perfilam. Sabemos o que fizeram no Verão passado, e na última dúzia de anos.

É insano restringir a TC a destruição do Montepio e inocentar os seus apoiantes incondicionais, os que com ele estiveram nos conselhos de Administração e os que acederam às administrações das empresas do grupo ou à direcção superior, agraciados com carreiras de favor meteóricas.

É inadmissível, num grupo que há quatro anos reduz pessoal e planeia despedimentos colectivos para depois das eleições, persistir um clã embriagado na ostentação dos seus privilégios e que vive num mundo à parte, indiferentes às dificuldades da Instituição para as quais contribuiram.

É chocante que ex-administradores (corridos pelo BP juntamente com TC, em 2015) encostados na Mutualista, continuem a auferir os mesmos exorbitantes salários, mordomias e carros topo de gama, de quando exerciam funções. Ou que o actual presidente, mimetizando o estadão de TC, acabe de renovar uma das duas viaturas ao seu dispor, de custo superior a cem mil euros cada.

É na sobranceria dos que consideram os outros imbecis e falhos de inteligência, que assenta a desfaçatez da tentativa de inversão de papeis com os que, diferentes deles, não devem a carreira a TC nem integraram as suas administrações. Têm pegada de inovação na instituição e geriram positivamente as empresas que dirigiram.
A côrte de Tomás Correia está agrupada em torno de VL. Não têm por onde se esconder.

3. O aparecimento da “candidatura dos quadros” resultou da constatação interna e externa de que a continuidade não podia continuar, e que o Montepio precisava de reunir as forças vivas e responsáveis para a sua recuperação.

É uma alternativa que ao congregar parte significativa dos quadros superiores tem pendor institucional, e que ao ser avalizado por seniores de referência na Instituição e por sectores que apoiaram António Godinho, nas eleições de 2015 e 2018, é de oposição à continuidade.

A comunicação social que tem sido um esteio na defesa do Montepio não pode agora, por desatenção ou ilusão, deixar-se instrumentalizar pelo “tomasismo” sem Tomás Correia.

Pela sua história, importância económica e social, e pela fragilidade do momento que vive, o Montepio precisa que o jornalismo sério e profissional não desista dele.