Afeganistão. Entre os talibãs e a seca

“Há claramente uma luta pelo poder na liderança talibã”, nota Guterres, enquanto a fome alastra no país.

A escolha de mais dois comandantes talibãs de linha dura para postos-chave no novo Governo do Afeganistão – falamos do mulá Abdul Qayyum Zakir, que fica com o posto de vice-ministro da Defesa, enquanto Sadr Ibrahim vai para número dois do ministério do Interior – deixou a comunidade internacional, que discute se deve continuar a apoiar o Afeganistão com ajuda humanitária, ainda mais de pé atrás.

“Há claramente uma luta pelo poder entre diferentes grupos na liderança talibã”, notou o secretário-geral da ONU, António Guterres, à Associated Press. Guterres apontou também que, para a população afegã, há preocupações ainda maiores que os talibãs. Como a dura seca que afeta boa parte do país, após anos sucessivos de guerra.

“Se a agricultura colapsar ainda mais, vai aumentar a malnutrição, aumentar os deslocados e piorar a situação humanitária”, alertou Rein Paulsen, diretor para emergência da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, na sigla inglesa), ao Guardian.

Num país onde mais de 70% da população vive da agricultura, saber que este ano cerca de 40% das colheitas se perderam, e que preço do trigo subiu uns 25%, segundo os dados da ONU, é algo particularmente alarmante. E a culpa não é só da guerra, dos talibãs ou do anterior Governo afegão, também é das alterações climáticas, que afetaram o Afeganistão acima da média.

“A convergência de risco climático e conflito piora a insegurança económica, bem como as disparidades no acesso à saúde”, salientou o Comité Internacional da Cruz Vermelha, numa nota citada pelo New York Times.

No entanto, se a mobilização internacional para apoio ao Afeganistão estaria sempre reticente em apoiar um país controlado pelos talibãs, saber que terá de lidar com Zakir – um antigo prisioneiro de Guantanamo – e Ibrahim, combatentes veteranos, de linha dura, que durante a guerra terão empurrado o seu grupo a escalar os confrontos contra tropas ocidentais, tornará tudo ainda mais complicado.

Tratam-se ambos de homens que comandam grandes exércitos próprios, sediados no sul do país, em terras pashtun, que são um bastião tradicional dos talibãs. A sua escolha foi vista como uma tentativa do grupo equilibrar as suas rivalidades internas, tanto regionais – no caso do Ministério do Interior, por exemplo, está a cargo de Sirajuddin Haqqani, oriundo do leste do país – como pessoais, para manter um grau de coesão e evitar conflitos.

Contudo, enquanto a liderança talibã está ocupada com os seus jogos de poder, o seu novo Ministério da Agricultura mostra-se impotente face à seca. “As pessoas enfretam problemas graves. admitiu Mohammad Nabi, funcionário do ministério, à Gandhara. “Se perguntarem aos anciões, dir-vos-ão que não viram o caudal dos rios tão baixo nem uma situação tão má nos últimos cinquenta anos”.