Como nasceu a Autoeuropa

Por António Neto da Silva *Ex-secretário de Estado do Comércio Externo  Infelizmente os nossos políticos hoje em dia não têm o nível dos de antigamente…  Jorge Sampaio – deixou-nos um Homem com grande dimensão de Estado e um humanista. Passaram 30 anos e posso começar a escrever a verdade sobre o processo de negociação do…

Por António Neto da Silva

*Ex-secretário de Estado do Comércio Externo 

Infelizmente os nossos políticos hoje em dia não têm o nível dos de antigamente… 

Jorge Sampaio – deixou-nos um Homem com grande dimensão de Estado e um humanista. Passaram 30 anos e posso começar a escrever a verdade sobre o processo de negociação do Projeto Ford/VW, que conduziu à criação da Autoeuropa.

Em 1991, muito próximos da finalização da negociação, Faria de Oliveira, como o ministro politicamente responsável pela negociação e eu, como secretário de Estado e chefe negociador do projeto, sentíamos que tínhamos conseguido garantir o projeto para Portugal. Em dado momento Faria de Oliveira, com o seu instinto político, disse-me que era o momento para garantir o apoio do PS, principal partido da oposição, para o projeto. Quaisquer reticências do PS poderiam deitar a perder o que tínhamos conseguido na mesa das negociações. Faria de Oliveira disse-me que ia convidar o secretário-geral do PS para almoçarmos ambos com ele. Almoçamos no restaurante Claras na Av. da República. Faria de Oliveira e eu pela parte do Governo. Jorge Sampaio veio com João Cravinho. Durante o almoço Faria de Oliveira comunicou a importância do projeto para Portugal, eu dei os pormenores do que tínhamos conseguido na negociação. 

Jorge Sampaio e João Cravinho ouviram-nos muito atentamente, e colocaram algumas questões, todas muito relevantes, as quais respondemos. Fui observando uma alegria crescente nos olhos de Jorge Sampaio à medida que confirmava a extraordinária importância para Portugal do investimento de 3 mil milhões de dólares da Ford e da VW, que viria a dar origem à Autoeuropa. Claro que a conclusão com êxito das negociações viria a dar uma enorme vantagem eleitoral para o PSD e as eleições seriam em Outubro desse mesmo ano, estávamos a cerca de 6 meses do ato eleitoral. Qualquer político da classe política comum procuraria eventualmente criar dificuldades. Mas Jorge Sampaio foi categórico e exultou mesmo com o sucesso que viéssemos a ter. Disse-nos, de forma clara: «Este projeto e a conclusão com sucesso desta negociação são fundamentais para Portugal. O PS apoia-vos incondicionalmente». 

E, de facto, tivemos sempre o apoio do PS, que foi muito importante para a conclusão com êxito da negociação, que rubriquei a 7 de junho. E que foi também muito importante para o decorrer do investimento após a assinatura do acordo com a Ford/VW. Este episódio fez-me viver presencialmente a dimensão de Estado de Jorge Sampaio. A alegria estampada nos seus olhos por um projeto tão importante para Portugal poder ser concluído com sucesso e o apoio incondicional, sem aproveitamentos políticos, a um investimento decisivo para o nosso Portugal. Terei muitas saudades suas, Senhor Presidente.