Violência doméstica. Mais 196 agressores com pulseira eletrónica desde o fim de 2020

Vítima de violência doméstica, Anabela sentiu-se finalmente protegida quando o ex-marido ficou em prisão domiciliária.

Anabela (nome fictício) não chegou a recorrer a uma casa de abrigo, mas sofreu violência psicológica durante 37 anos. Aos 62, vive no Algarve com o novo companheiro, mas ainda teme aquilo que o ex-marido lhe possa fazer. Há cinco anos, conseguiu alcançar o tão desejado divórcio, mas não sem passar antes por um período conturbado.

“Depois de várias denúncias de maus tratos, tive de me separar e abandonar a minha casa. Ele ameaçou-me por mensagens, fui à polícia e fiz outra queixa. Primeiro, perseguiu-me, mas depois parou. De qualquer forma, penso que o facto de ter estado com a pulseira eletrónica foi a solução”, explica.

“Enquanto o casamento durou, foi uma violência psicológica e física persistente durante o tempo todo. Eu sei que ele vive aqui na zona, encontro-o na estrada às vezes, mas não quero aproximações nem contactos com ele de qualquer espécie. Quando bebe é violento e pode fazer asneira”, confessa a mulher, lamentando que o agressor a tenha difamado junto dos filhos e, por esse motivo, os mesmos tenham cortado laços com ela.

“Toda a gente que conhece o meu percurso de vida e sabe a mãe que sou, não compreende esta atitude. Eu é que lhes mando SMS nas festividades, mas eles nunca dizem nada. Fui culpada neste sentido porque estava numa fase muito difícil da minha vida e fui convidada para uma festa de aniversário a que ele também devia ter ido”, diz, com o habitual tom de autoculpabilização notório na voz. “Disseram-me que ele não estava lá por minha causa. Eles não me dão valor nenhum. Isto é muito doloroso”.

Anabela não compreende estas atitudes, pois “o pai nunca quis saber deles” e a mãe “é que lhes comprava tudo, organizou-lhes os casamentos e fez das tripas coração”. Apesar das circunstâncias atuais, não se arrepende de nada daquilo que fez, mas sente que precisava do devido reconhecimento.

“Quero que os meus netos estejam bem e sejam felizes. Não os vejo e estão avisados para não falarem comigo. Enviei uma mensagem a um deles e bloqueou-me. O mais pequenino nem sequer me conhece bem porque só estive com ele durante ano e meio”, narra com desapontamento, adiantando que teve consultas de Psicologia e de Psiquiatria e os mesmos aconselharam-na a “dar tempo e espaço” à família.

“Não podia viver com um homem que quase me levou à morte. Cheguei ao fundo do poço. Tenho uma doença de origem nervosa que me afetou a audição. Os meus filhos vivem perto, mas não me cruzo com eles. Se calhar, se me veem, escondem-se. Já tentei aproximar-me, mas não consegui. Tenho um perfil falso de Facebook para conseguir ver as publicações deles, mas mesmo assim só os amigos estão autorizados. Eles permitem que o pai, que basicamente esteve preso em casa, esteja com os filhos e os netos. Passou de besta a bestial”, revela com tristeza, contando que “sem procurar nem pensar” encontrou “o homem que qualquer mulher gostaria de ter” e que a trata bem.

Mais de 1000 agressores sujeitos à medida No passado mês de agosto, um total de 1.421 agressores por violência doméstica estavam com pulseira eletrónica, perfazendo mais de metade das pessoas sujeitas a este sistema de vigilância eletrónica, revela o último relatório da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

O número de pessoas sujeitas a esta medida tem vindo a aumentar. “Em agosto de 2021, a vigilância eletrónica por crime de violência doméstica, com 1.421 casos em execução, representou 56,89% do total, continuando a aumentar o número de medidas em execução face a dezembro de 2020, ou seja, mais 196 casos e um crescimento de 16%”, é referido.

O relatório realça que, a 31 de agosto, estavam em execução em todo o país 2.498 penas e medidas fiscalizadas com recurso à vigilância eletrónica, representando 3.938 pessoas monitorizadas diariamente, entre arguidos, condenados e vítimas, um crescimento de 9,08% quando comparado com os 2.290 casos em execução no período homólogo de 2020.

“Arrastava o meu marido até às reuniões dos alcoólicos anónimos, frequentei um grupo de ajuda para familiares e amigos de alcoólicos durante muito tempo. Mesmo assim, durante quatro anos, ele bebeu pouco, mas continuou a ser um bêbedo seco, ou seja, não bebe, tem vontade de beber e comporta-se como se bebesse”, admite Anabela.

“Antes de ter estado em prisão domiciliária, durante um ano e meio, chegava do trabalho, comia qualquer coisa à pressa e fechava-me à chave no antigo quarto de um dos meus filhos. Obrigava-me a ter relações sexuais sem vontade, massacrava-me. Não sei se fui violada, só sei que fingia que gostava e compactuava com ele para que tudo corresse bem. Porque, senão, ele não parava de me incomodar”, relata a vítima, finalizando que “a violência doméstica desgasta a cada dia, provoca doenças do foro psicológico”. O panorama descrito pelo relatório não a surpreende porque “infelizmente, as famílias estão cada vez mais desestruturadas e as pessoas afastam-se”.