‘Um Presidente também chora!’

por Nélson Mateus e Alice Vieira

Querida avó,      

Tal como tu, gosto de celebrar as pessoas em vida.

Hoje, 18 de Setembro de 2021, seria o dia em que Presidente Sampaio completava 82 anos.

Morreu na passada semana e foi recordado por todos como um homem bom, generoso e inspirador.

Esteve uma década como Presidente da República. Mas esses dois mandatos não foram um mar de rosas, bem pelo contrário! Existiram muitos espinhos que foram ultrapassados com habilidade e determinação.

Sampaio foi um homem que sabia que na vida, e na política, nada se faz sozinho.

Recordo-o como um homem de causas.

Se hoje reconhecemos o Presidente Marcelo como o ‘Presidente dos Afetos’, penso que o Presidente Sampaio pode, e deve, ser reconhecido como o ‘Presidente das Emoções’.

Era um homem de lágrima fácil. Recordo-me de o ver inúmeras vezes a deixar as emoções tomarem conta dele. Não estávamos habituados a ligar a televisão e ver um político que nos entrasse pela casa adentro com lágrimas nos olhos. O Presidente Sampaio foi esse ‘Presidente das Emoções’.

Talvez a primeira vez que tenhamos visto essas emoções tenha sido mesmo antes de ser Presidente. Quando, em Coimbra, recordou os tempos das lutas académicas, as lutas contra a ditadura salazarista, e a voz começou a ficar embargada e as lágrimas surgiram.

Durante o primeiro mandato, Jorge Sampaio foi operado ao coração. Quando teve alta emocionou-se ao agradecer pelos cuidados médicos que lhe tinham sido prestados.

Claro que voltou a chorar aquando da independência de Timor. Podia Sampaio não ter chorado num momento tão emocionante como este?

Também o imagino, emocionado, em casa, a celebrar as vitórias familiares junto dos filhos e da mulher. Mas isso faz parte da privacidade familiar.

Jorge Sampaio será para sempre recordado como um homem muito emotivo, que chorava em público, pois um Presidente também chora!

Obrigado pelo legado deixado Presidente Jorge Sampaio.

 

Querido neto,    

Conheci o Jorge Sampaio em 1961, no início das greves académicas. Ele, já com o curso de Direito acabado, eu a começar o curso de Germânicas, na Faculdade de Letras.

Nunca me esqueço de o ver — ao lado do Medeiros Ferreira, do Eurico Figueiredo,  e muitos outros — sentado no alto do muro da Faculdade de Letras, a falar à multidão que ali se juntava, com alunos de todas as universidades. (Diz-se que foi nessa altura que o governo de então desistiu de pôr todas as Faculdades na Cidade Universitária, como estava previsto — muita gente junta era um perigo ,como se via…).

Os ‘creme nívea’ — carrinhos azuis da policia — andavam alameda acima, alameda abaixo, batiam no pessoal, o pessoal fugia e eles iam atrás a bater — mas pouco depois o pessoal já estava de novo lá em cima.

Uns foram presos, outros expulsos de todas as universidades do país.

Foram tempos muito complicados.

De resto sempre me lembro de estar ao lado de Jorge Sampaio em tempos complicados…

A seguir (mas muito depois, claro…) foi a causa da independência de Timor.

Penso que foi a primeira vez que todos os portugueses, absolutamente todos, estiveram unidos por uma causa. Ali não havia esquerda, direita, ou centro. Manifestações todos os dias, Jorge Sampaio sempre na frente — todos a cantarem a canção dos Trovante que ficou célebre: «Ai, Timor/ Se outros calam, cantemos nós».

Depois fomo-nos encontrando esporadicamente, até porque morava na mesma rua dos meus pais, e o irmão, Daniel Sampaio, tinha sido colega de liceu do meu irmão mais novo. E nunca me esqueci um dia, quando eu ia para a Feira do Livro, encontrei a Maria José Ritta com o filho (o André, ainda muito novinho) e falei-lhe, e ele perguntou-lhe quem eu era e ela respondeu: «é uma amiga que andou lá nas lutas com o teu pai…».

A minha primeira condecoração foi-me entregue por ele – o que me honra muito.

Era um grande homem, um grande presidente, e um grande amigo.