Protagonistas improváveis

A campanha eleitoral, por culpa de António Costa e de Rui Rio, ‘nacionalizou-se’. Mas não deixou de ter muitos pontos de interesse locais e vários protagonistas inesperados.

Em 308 Câmaras Municipais, o mesmo número de Assembleias Municipais, e 3092 freguesias é expectável que alguns candidatos se façam destacar por uma razão ou por outra. Apesar destas eleições autárquicas terem ganho uma dimensão ‘nacional’ sem precendentes — muito por culpa da participação ativa do primeiro-ministro na campanha eleitoral, e de permanentemente ter introduzido questões nacionais nas suas intervenções (particularmente o PRR) e de Rui Rio ter também admitido que estava também em jogo a sua continuidade na liderança do PSD não deixaram, porém, de ser terreno fértil para que várias personalidades tenham ganho destaque na vida política,seja por força do protagonismo assumido nos seus concelhos, seja em virtude de uma campanha mais agressiva em termos de marketing político, nomeadamente nas redes sociais ou através de outdoors. Das campanhas autárquicas saem frases, imagens e ideias que ficam para a história, por vezes pelas melhores razões, e por outras nem por isso.

Moedas no terreno

Em Lisboa, Carlos Moedas foi mesmo uma surpresa quando se confirmou que trocava o seu confortável lugar de administrador da Fundação Gulbenkian para ser o rosto da oposição a Fernando Medina, funcionando como cabeça de lista da mega coligação à direita na capital do país (PSD, CDS-PP, PPM,MPT e Aliança). O antigo comissário europeu (entre 2014 e 2019) aceitou o desafio de se lançar à Câmara de Lisboa e, apesar de saber muitoi difícil e remota  a possibilidade de uma vitória, tem como principal objetivo superar a fasquia dos 32%alcançados, em conjunto, em 2017, pelo PSD e pelo CDS-PP.

De resto, a campanha não sorriu da melhor forma ao candidato do PSD, que viu os media, os comentadores e analistas castigarem-no nos debates autárquico, designadamente por ter afirmado que um T3 em Lisboa custaria 250 mil euros – valor que corresponderia a uma autêntica pechincha digna do antigo vereador bloquista Ricardo Robles.

Seja como for, a coragem de ter avançado em Lisboa contra Fernando Medina valerá sempre a Carlos Moedas ter sido, em qualquer dos casos, uma das principais figuras destas eleições autárquicas de 2021. E poderá sempre reivindicar o mérito de ser o carrasco da maioria absoluta do socialista na autarquia, se este, tal como em 2017, falhar este objectivo.

Porto e Gaia com dúvidas

Mais a Norte, na cidade do Porto, o que não faltam são também protagonistas destas eleições autárquicas. O possível boletim de voto portuense esteve em dúvida até poucos meses antes das eleições autárquicas, começando pelo próprio Rui Moreira, autarca eleito em 2013, que manteve o suspense sobre se se recandidataria ou não, em parte graças ao seu envolvimento judicial no caso Selminho. Muito se especulou e debateu, mas Moreira acabou por oficializar esta recandidatura, à procura do terceiro mandato consecutivo.

Já o PS foi também protagonista de uma dança das cadeiras, onde se chegou a falar do nome de José Luís Carneiro e de Manuel Pizarro para a candidatura à presidência da autarquia portuense, bem como de Eduardo Pinheiro, secretário de Estado da Mobilidade, que chegou a ser oficializado como candidato do PS. A candidatura de Eduardo Pinheiro, no entanto, durou menos de 48 horas, acabando por ser retirada. Já as possíveis candidaturas de Carneiro e de Pizarro não passaram dos rumores. No fim, os socialistas acabaram por avançar com Tiago Barbosa Ribeiro, líder da concelhia do PS/Porto.

Do lado do PSD, uma situação semelhante se desenvolveu, na margem sul do rio Douro. Os sociais-democratas anunciaram a candidatura de António Oliveira, antigo selecionador nacional de futebol, para a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, mas a mesma não durou muito, acabando retirada por desentendimentos entre o candidato e o partido.

Santana Lopes de volta

Um dos nomes mais interessantes destas eleições autárquicas é também o de Pedro Santana Lopes, antigo primeiro-ministro e, agora, candidato independente à Câmara Municipal da Figueira da Foz, depois de ter presidido já esta autarquia entre 1998 e 2002.

Santana Lopes é o cabeça de lista do movimento Figueira A Primeira, com uma candidatura independente à autarquia do distrito de Coimbra, e passou por várias dificuldades burocráticas para legalizar a sua candidatura, que chegou a estar sem símbolo e sem nome por erros dos tribunais. Isto para não contar com as tentativas de impugnação por parte do PSD da Figueira da Foz.

Suzana Garcia na Amadora

A Amadora é o palco de uma das principais corridas autárquicas em torno do PSD e do CDS-PP nestas eleições. Os dois partidos juntaram-se ao Aliança, MPT e PDR para lançar Suzana Garcia como candidata à autarquia que é governada pelos socialistas desde 1997.

Garcia é advogada de profissão, e ganhou notoriedade graças à sua presença frequente em programas de televisão nacionais, onde se associou a propostas polémicas, como a castração química. A candidata chegou a ser associada ao partido Chega antes de oficializar a sua candidatura pelo PSD, e tem sido alvo de várias polémicas, entre elas o momento em que confessou, em entrevista ao apresentador Manuel Luís Goucha, esperar «que o Bloco de Esquerda seja exterminado», juntando logo de seguida à sua lista negra também o Chega.

Candidata da ‘vida’ em Oliveira de Azeméis

Uma das figuras improváveis destas eleições autárquicas é Carla Rodrigues, candidata da coligação entre PSD e CDS-PP em Oliveira de Azeméis. Advogada, ex-deputada e Presidente do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida, a candidata define-se, em comunicado, como «a mulher das ciências da vida que quer uma vida nova para Oliveira de Azeméis», e é a principal rival do atual autarca, o socialista Joaquim Jorge, que sucedeu a Hermínio Loureiro na presidência desta autarquia.

Ventura é ‘improvável’

André Ventura é candidato nestas eleições autárquicas à Assembleia Municipal de Moura, no distrito de Beja, mas a sua imagem aparece em praticamente todos os cartazes e outdoors das campanhas autárquicas do Chega, de Norte a Sul do país. 

É uma estratégia do líder do jovem partido, que faz questão de surgir lado a lado com todos os candidatos autárquicos do Chega, o que faz de Ventura uma figura presente no país inteiro.

Cabeceiras socialista

Em Cabeceiras de Basto, os socialistas governam desde 1993 e 2021 será um ano para reforçar essa liderança, ou é pelo menos essa a convicção de Francisco Alves, atual autarca, e de Joaqui m Barreto, presidente da Assembleia Municipal e recandidato ao lugar. Acontece que, se os socialistas dominam desde 1993, o ano de 2017 foi de luta renhida, pois Jorge Machado, antigo militante socialista, acabou por conquistar 45,64% dos votos neste concelho, com o movimento Independentes por Cabeceiras. Este ano, no entanto, os socialistas estão confiantes de que o antigo companheiro de partido cairá para o terceiro lugar das forças políticas neste concelho, reforçando assim este bastião do PS.

Dinossauros autárquicos

Estas eleições dirão adeus a alguns autarcas de longa data, e poderão dar mais quatro anos de mandato a outros. Em Viana do Castelo, por exemplo, José Maria Costa atingiu o limite de mandatos, e não poderá recandidatar-se ao lugar de presidente da Câmara, que conquistou em 2009.

Em Coimbra, por outro lado, Manuel Machado é candidato ao seu terceiro mandato consecutivo à frente da Câmara desta cidade ao centro do país. Caso vença, este será, no total, o sexto mandato de Machado em Coimbra, depois de ter governado este município entre 1989 e 2001, e entre 2013 e a atualidade.

Padre político

Como em todas as eleições autárquicas, o ano de 2021 está pleno de candidatos caricatos e improváveis, como o é Duarte Morgado, antigo Padre de profissão, que é  candidato à freguesia de Bucelas, no concelho de Loures, nestas eleições. Duarte Morgado candidata-se como independente, mas conta com o apoio da CDU, coligação que tem em Loures um forte bastião.

Candidato ex-FP-25

As Forças Populares 25 de Abril (FP-25) foram um movimento armado que funcionou entre 1980 e 1987, associado a uma série de atentados terroristas pelo país durante essa década. Ao longo dos anos, o movimento acabou por desaparecer, sem que os seus militantes, no entanto, tenham desaparecido da esfera mediática.

No Barreiro, na freguesia de Santo António da Charneca, Luís Gobern Lopes é 7.º na lista de candidatos efetivos do Bloco de Esquerda à Assembleia de Freguesia, depois de ter sido candidato principal, com as cores desse mesmo partido, nessa mesma freguesia, em 2017. O mesmo Gobern Lopes que foi um dos fundadores das FP-25, nos anos 80, e que chegou a ser condenado a 20 anos de prisão, acabando por cumprir 5. Em 2010, o mesmo candidato referiu não sentir arrependimento de fazer parte neste movimento. «Como eu sentia, como eu via as coisas, não posso dizer que me arrependa de nada. Não tenho de que me arrepender. Todas as coisas foram feitas com uma atitude consciente. Talvez o trajeto que depois levaram é que se desvirtuou», referia o atual candidato, na altura.