14,2%! ou 14,2%? Poupança ou poupança forçada?

O que sucederá quando, no dia 30 deste mês de setembro ou, no limite, 31/12, terminar o benefício da suspensão de pagamento de créditos (moratória) e as prestações do empréstimo aumentarem? 

Por José Manuel Azevedo, economista

Um outro semanário nacional divulgava, na edição de 10/9, um indicador que nos terá deixado estupefactos – a taxa de poupança das famílias portuguesas tinha sido de 14.2% no final do 1º T de 2021, nível nunca antes visto!

No mesmo texto dizia-se que ‘o investidor português sempre foi muito conservador, e a pandemia veio dar ênfase a esse perfil’, o que levou a que me interrogasse, e a procurar algumas respostas, sobre três questões.

1. Quem é ‘o investidor português’?

Uma pesquisa na web levou-me primeiro a uma publicação da CMVM, de 2009, e depois a um estudo da Comissão Europeia, de março de 2021, divulgado por aquele regulador em Maio, sob o tema ‘Financial literacy for investors in the securities market in Portugal’.

Sabendo que a poupança a que aludo acima deriva sobretudo da aplicação em depósitos a prazo e depósitos à ordem (com remunerações nominais ridículas ou nulas), sendo negligenciável o investimento dos portugueses no nosso mercado de capitais, a verdade é que ambos os estudos chegam a conclusões muito semelhantes, apesar de tão distantes no tempo.

Com efeito, escalão etário, nível de escolaridade, profissão e, obviamente, rendimento são as variáveis que mais influenciam a capacidade de investir ou poupar dos portugueses, seja no mercado de capitais (ações, obrigações, fundos, títulos de dívida, etc.) seja nas aplicações tradicionais disponibilizadas pela banca ou seguradoras. A relação é direta: quanto maiores são os valores dessas variáveis, maiores os índices de investimento e/ou de poupança.

O que me levou a concluir o óbvio: não é com o rendimento bruto mensal médio de € 1 473 (dados do INE de dezembro de 2020) que os portugueses poderão fazer poupança ou ‘dar-se ao luxo’ de investir; não com o custo de vida actual, em que preços da habitação, da alimentação, da energia, sobretudo a eletricidade, dos combustíveis, etc. são o que são…

2. O que está por detrás deste acréscimo da poupança?

São dois os principais motivos que justificam o acréscimo da poupança, nomeadamente em tempos de crise: a designada poupança forçada, resultante da acumulação de fundos devida às restrições às atividades de consumo e a poupança por motivos de precaução.

Qual deles mais influenciou a situação específica em Portugal, julgo empiricamente não estar errado ao afirmá-lo, terá sido o primeiro: o consumo, um dos impulsionadores de qualquer economia, foi fortemente afetado pelos sucessivos confinamentos em que temos vivido desde março de 2020, quando o primeiro caso de covid-19 se registou em Portugal.

O teletrabalho colocou grande parte da população em casa, o comércio encerrou ou teve horários de funcionamento muito limitados, os números do turismo, interno e externo, desceram a níveis impensáveis em 2019, as deslocações aéreas também, enfim, tudo circunstâncias que contribuíram para que, apesar dos layoff simplificados e por consequência menores níveis de rendimento, os portugueses que podiam ‘não tivessem onde gastar o dinheiro’…

3. Será isto que mostram os números oficiais? 

De acordo com o Banco de Portugal, sim! O consumo privado aumentou 2.6% em 2019 mas decresceu 4.5.1% no 4.º T de 2020 (5.9 % no ano), tendo esse decréscimo sido de 6.6% no 1.º T de 2021. Apesar de o meu texto se referir a este último período, será ainda assim justo dizer que tal consumo privado aumentou 17.5% no trimestre findo em junho de 2021, refletindo a progressiva abertura da atividade económica em geral.

Mais uma vez recorrendo à SIBS, o que se conclui? Que, até ao início do primeiro estado de emergência, em 18/3/ 2020, o consumo (medido pelo valor total de operações de compras físicas, compras online e levantamentos) aumentou 6.8% face ao período homólogo de 2019; e que, desde então, dependendo das restrições e respetivos levantamentos, decresceu sempre (chegou a 40,4%!), cifrando-se, entre 15/1 e 17/3/2021, em 19.2%. 

Pergunta: o que sucederá quando, no dia 30 deste mês de setembro ou, no limite, 31/12, terminar o benefício da suspensão de pagamento de créditos (moratória) e as prestações do empréstimo aumentarem?