Jean Moulin. Um herói da Resistência Francesa na Lisboa dos anos 40

Há 80 anos, Jean Moulin esteve cinco semanas em Lisboa. Um coletivo de cinco pessoas quis homenagear um dos líderes do movimento de resistência francesa à invasão nazi.

Em maio de 1940, os alemães invadiram a Bélgica, a Holanda e depois a França, obrigando centenas de milhares a fugir. Em Chartres, o autarca mais jovem de toda a França – com 38 anos – tenta conter o pânico das populações e toma uma atitude que alguns historiadores consideram o primeiro ato de resistência à ocupação nazi: recusa-se a assinar um protocolo apresentado pelos alemães, no qual é dito que as tropas coloniais francesas era responsáveis por massacres contra mulheres e crianças. Temendo ser forçado a assinar sob tortura, Jean Moulin – era esse o seu nome – tenta o suicídio cortando a garganta com um estilhaço de vidro. Sobrevive, mas acompanhado de uma marca que o fará andar para o resto da vida com o pescoço tapado.

Depois disso, Jean Moulin ainda ocupa o cargo durante alguns meses, mas em novembro é demitido pelo colaboracionista Governo de Vichy e muda-se para Saint-Andiol, no sudeste francês, aumentando os seus contactos com os movimentos de resistência emergentes. Aí começa por se dedicar à agricultura, mas para justificar as viagens frequentes que faz pelo país nas suas atividades clandestinas abre uma galeria de arte moderna chamada Romanin – o seu pseudónimo de artista. Arranja também um passaporte falso, usando um nome com as mesmas iniciais, Joseph Mercier.

Em setembro do ano seguinte, sai clandestinamente de Marselha a caminho de Londres, onde planeava encontrar-se com o general De Gaulle. Passa ainda por Barcelona e Madrid e ruma a Portugal. Chega a Lisboa no dia 12, onde permanecerá durante cinco semanas, até 20 de outubro, a preparar a sua viagem a Londres. Instala-se na pensão Algarve e no dia seguinte, encontra-se com um representante dos serviços secretos britânicos da embaixada do Reino Unido em Lisboa.

Da sua estadia em Lisboa pouco se sabe, à exceção do testemunho do escritor Jorge Reis, que relata no seu livro Memória Resguardada dois encontros com Moulin, um num alfarrabista da Rua da Trindade e outro no Jardim de S. Pedro de Alcântara.

Da vontade de resgatar do esquecimento este líder da resistência francesa, o “Coletivo Jean Moulin”, composto pelo ex-presidente da Câmara de Lisboa e ex-ministro da Cultura João Soares, o editor João Paulo Cotrim, o jornalista José Manuel Saraiva, o designer gráfico Jorge Silva e a escritora Manuela Rego, decidiu homenagear a figura de Moulin e celebrar os 80 anos da passagem do francês por Lisboa com a “Quinzena Jean Moulin”.

A iniciativa, que decorre até dia 10 de outubro em múltiplos espaços na capital, inclui duas exposições – na Casa da Imprensa e na Galeria Abysmo –, um ciclo de cinema no Ideal, o lançamento do livro Jean Moulin: A Sombra Não Apaga a Cor, de João Paulo Cotrim e Tiago Albuquerque, e ainda um debate com a participação dos historiadores José Pacheco Pereira e António Araújo e moderação de Ana Sousa Dias. Será também colocada uma lápide evocativa no Jardim de São Pedro de Alcântara no dia 5 de outubro.

Na inauguração da exposição Jean Moulin Lisboa 1941 na Casa da Imprensa, João Soares começou por dizer que esta é “uma iniciativa de portugueses, com recursos exclusivamente portugueses e numa base de voluntariado total”.

Ao início, o local para a exposição levantou algumas questões. “Pensámos em outros espaços. Pensámos em territórios que chamamos de território Moulin: ele esteve numa pensão muito próxima daqui – no Largo da Trindade – e foi aí que redigiu o histórico e célebre relatório para o general De Gaulle, que deu a voz na estratégia que depois foi seguida nas relações entre a França livre, Londres e a resistência do interior”.

Depois de seguir para Londres – onde recebe treino em técnicas de codificação e espionagem –, Moulin regressa a França, ficando responsável por unir as várias tendências dos movimentos da Resistência em torno dos “franceses livres” de De Gaulle, ficando como delegado na França de Vichy e na zona ocupada, com o objetivo de criar o Conselho Nacional da Resistência que integra todos estes grupos.

A exposição, descreve João Soares, “é um aperitivo para se apaixonarem por Moulin, como estamos todos” porque “não é só o grande herói da França, mas também da Europa, um homem simples, de esquerda, mas que não tinha partido, um homem que deu a sua vida”, salienta, expressando a sua “emoção imensa” pela celebração da passagem de Jean Moulin por Lisboa. No entanto, a par da emoção, também existe “uma grande frustração”: em Portugal este herói é pouco conhecido. Na Casa da Imprensa estão expostas pelo menos dez biografias de Jean Moulin, mas nenhuma está traduzida para português. *Com Gonçalo Morais