Novo edifício de Serralves ‘serpenteia’ entre as árvores

A Fundação de Serralves prepara-se para pôr mãos à obra na construção do novo Edifício Poente, desenhado, tal como o museu, pelo arquiteto Álvaro Siza Vieira.

4.204 metros quadrados de área de construção bruta formam o Edifício Poente, a mais recente marca deixada pelo arquiteto Álvaro Siza Vieira na Fundação de Serralves, onde as suas obras estão por toda a parte. Aumentando em 40% a área expositiva do Museu de Serralves (de 4.484 metros quadrados para 6.280), o Edifício Poente servirá, principalmente, para que a Fundação possa exibir – de forma rotativa – as obras da sua coleção, bem como aumentar o espaço de armazenamento e arquivo do seu acervo.

O concurso público para a ampliação do Museu de Serralves foi publicado em Diário da República, na segunda-feira, e conta com um valor-base estipulado de 8,2 milhões de euros, dos quais quatro serão assegurados através de financiamento comunitário, aprovados há duas semanas.

A ‘serpentear’ por entre o arvoredo da clareira a poente do Museu, o novo edifício – que terá um total de três andares (dois para exposições e um para armazenamento e arquivos) – não é um anexo do atual, mas sim uma extensão, que poderá também funcionar individualmente. Nesta nova obra, a palavra-chave é, sem dúvida, flexibilidade. As salas são dinâmicas, podendo ser retiradas e reconfiguradas as paredes das mesmas, de forma a melhor se adaptar às diferentes exposições. As janelas, essas são poucas, mas as suficientes para poder vislumbrar os jardins do Parque de Serralves. A ‘ponte’, que, na realidade, é uma galeria suspensa, é o elo de ligação, e o Edifício Poente, é, em simultâneo, um novo Museu, capaz de ser independente, e um novo membro do atual Museu de Serralves, que sofre já com as suas dores de crescimento, e que poderá ver assim a sua área expositiva crescer.

Aliás, o próprio arquiteto Siza Vieira definiu este conceito de uma forma muito simples: «O que eu não queria era ter um museu e depois um anexo. E, portanto, quis fazer um todo dos dois, e essa parte de ponte ajudou muito nesse sentido.»

O edifício pretende ser orgânico, livre e independente, ao mesmo tempo que funciona como extensão e crescimento do atual Museu. Nele, notam-se os traços típicos e caraterísticos de Álvaro Siza Vieira, ou «assim umas ideias que se fixam», como o mesmo – que desenhou o Museu de Serralves em 1999 – as define. As janelas, por exemplo, são poucas, mas as suficientes, defende, para fazer a comunicação entre o Edifício Poente e os jardins envolventes, colocadas em pontos estratégicos do edifício. Já a geometria do prédio ‘dança’ e ‘serpenteia’ por entre a vegetação da clareira a poente do Museu de Serralves, e, explicou o arquiteto, «aquelas articulações não são um capricho dos projetistas», mas sim uma necessidade de adaptação ao espaço.

O novo edifício insere-se naturalmente no espaço livre da clareira, ligado ao Museu através de uma ‘ponte’, mas dotado de formas de trabalhar individualmente.

 

Verde e branco

Na manhã de quinta-feira, no mesmo Museu que o próprio Siza Vieira desenhou há mais de 20 anos, o arquiteto e Ana Pinho, presidente do Conselho de Administração da Fundação de Serralves, preparavam-se para revelar ao mundo o projeto do novo Edifício Poente, em todo o seu esplendor, localizado na grande clareira da zona poente do Parque de Serralves. Um local rodeado por vegetação, e que obrigou a algumas mexidas com o espaço envolvente. Mexidas que causaram preocupação aos membros do Núcleo de Defesa do Meio Ambiente de Lordelo do Ouro-Grupo Ecológico, que apontaram o dedo ao impacto da construção deste novo edifício na área verde envolvente do Parque de Serralves, e especificamente ao abate de um total de 13 azinheiras.

Sobre o assunto, no entanto, Ana Pinho esclareceu qualquer dúvida, recordando que as árvores passarão por um processo de «transplantação», sim, mas não serão abatidas. «A preocupação pela vida vegetal de Serralves foi sempre algo que teve a sua preocupação e do Arquiteto Álvaro Siza», continuou a mesma, antes de revelar que o edifício terá uma coberta verde, e utilizará um método de construção que permitirá salvaguardar as árvores, que «encareceu bastante o projeto», revela Ana Pinho, antes de garantir ser «fundamental fazê-lo, para proteger o Parque».

O próprio arquiteto, aliás, reforçou a preocupação com a área envolvente, vendo-se obrigado a mexer com o corpo do edifício, de forma a «não ferir determinadas árvores». Um desafio que, ainda assim «deu autenticidade e razão de ser à forma do edifício». Palavras que o mesmo viria a repetir mais tarde, em declarações à imprensa. «Ou se faz essa ginástica com muito cuidado, ou o projeto não é aprovado. É uma dificuldade, como acontece quase sempre com as dificuldades, bem-vinda, porque obriga a resolver de uma maneira caracterizada em relação ao contexto», declarava o mesmo, pondo um sorriso nos pontos dos ‘is’ que marcaram as dificuldades de conciliar a arquitetura com o ambiente envolvente.

Siza Vieira e Serralves são sinónimos. Afinal de contas, foi o arquiteto que desenhou o Museu da Fundação, que nasceu há mais de duas décadas, bem como a recém-inaugurada Casa do Cinema Manoel de Oliveira, que guarda em si traços do arquiteto de Matosinhos. «Aquilo em que pensei, no imediato, foi que continuam a confiar em mim – Serralves, pelo menos», confessou o arquiteto em declarações aos jornalistas, mostrando-se feliz por  voltar a trabalhar com a Fundação. «Não pensei nisso. Pensei mais, ‘já tive esta bela experiência, estou muito grato, e agora se calhar nunca mais me chamam’,  e aconteceu de forma diferente», completou Siza Vieira.

O novo espaço do Museu de Serralves terá, aliás, uma área dedicada à arquitetura, guardando parte do acervo de Siza Vieira. Uma novidade na Fundação que muito agradou o arquiteto. «Já desde há algum tempo que a Fundação de Serralves achou por bem considerar como parte importante, integrante da sua coleção, a arquitetura e espero que isso se desenvolva, porque a maioria dos museus de arte contemporânea têm um setor dedicado à arquitetura», explicou o arquiteto, antes de confessar achar «muito importante chamar a atenção para a importância da arquitetura, e a importância para o conforto das pessoas; para a boa organização da cidade, de uma maneira precisa, que contrarie aquela ideia de que a arquitetura é um capricho de gente com dinheiro, elitista, e por aí fora».

Siza Vieira ultrapassou já os 88 anos de idade, e tanto tempo na Terra permite-lhe ter uma visão diferente, experiente e privilegiada sobre os assuntos. Quando questionado sobre aquilo que faria as pessoas dizer ‘isto é um edifício do Siza’, uma vez que a obra esteja terminada (estima-se que seja em 2023), o arquiteto fez contas à vida, e atirou: «Se calhar já não vou ter tempo para ouvir isso.» Um sorriso tímido desenhou-se na sua cara, e rapidamente o arquiteto recompôs a sala, que pareceu ficar mais fria nesse momento. «A construção de um edifício leva uns anos, não é? Portanto, não sei», continuou Siza, que deixou a sua marca um pouco por toda a cidade do Porto, desde a Avenida dos Aliados até às próprias estações do Metro da cidade. Um histórico nada fácil, cheio de críticas e apontamentos que o arquiteto, mesmo aos 88 anos, não deixa de realçar. Falando sobre a sua intervenção conjunta com o arquiteto Souto Moura na Avenida dos Aliados, onde fizeram desaparecer os tradicionais jardins desta avenida portuense, Siza recorda um episódio caricato: «Ouvimos as piores coisas que se possam imaginar, curiosas, porque a obra estava tapada, a obra não se via. No dia em que tiraram os taipais, fui lá de manhã cedo, clandestinamente, com medo de apanhar com alguma pedra, e estavam só duas pessoas e tal a olhar. Eu fui ver e ouvi um deles dizer para o outro: ‘afinal, não é tão feio como diziam’, e pronto, voltei para carro, voltei para o escritório.»

 

De Serralves para o mundo

Durante a apresentação deste projeto, Ana Pinho, a mulher que está à frente do Conselho de Administração da Fundação de Serralves, liderou as hostes na revelação à imprensa deste novo projeto, e não poupou nos elogios, tanto ao mesmo e à Fundação, como ao próprio arquiteto Siza Vieira.

«Nos últimos anos temos vindo a reforçar muito o trabalho em volta da Coleção de Serralves e temos vindo conseguir a atração de vários depósitos e coleções, e a Coleção é sem dúvida a alma do museu e precisa de espaço para estar exposta em permanência», referiu Ana Pinho, enquanto se regozijava pelas dores de crescimento do Museu, que passou assim a exigir uma nova ala para albergar as mais de 4 mil obras do seu acervo, das quais cerca de 2 mil são da sua propriedade. Afinal de contas, é uma certeza que o Museu está a atingir o seu limite físico, sendo organizadas exposições em espaços como a sua biblioteca, o foyer ou mesmo o seu auditório, o que simboliza a urgente necessidade do espaço em desenvolver novas áreas expositivas.

«A concretização deste novo edifício será um marco histórico que terá um impacto bastante significativo no Porto, na região e no país», começou por explicar Ana Pinho, fazendo questão de realçar que «quando o Museu começou, teve 90 mil visitantes, e em 2019 teve quase 1 milhão e 100 mil visitantes». Este é «um projeto sonhado há vários anos», e, três décadas depois da abertura da Fundação, e duas décadas depois da abertura do Museu, «a ampliação é fundamental para que Serralves mantenha a dinâmica que pretende ter». Uma ampliação que  colmatará a «manifesta falta de espaço das instalações, face ao crescente número de atividades que se têm realizado ao longo dos anos», conforme a própria Fundação revelou em comunicado.

Assim, e novamente pelas mãos de Álvaro Siza Vieira, a Fundação de Serralves passará a ter um novo edifício no seu universo, pronto para receber mais arte, mais arquitetura e, acima de tudo, mais visitantes.