Um liberalismo sustentável (II)

Medina teve de aceitar a colagem da campanha estilo ‘dono disto tudo’ que Costa fez, reforçando-se a ideia de que era um alter ego dele. Um ‘beijo da morte’, idêntico mas este deliberado, como o que agora tentou dar ao almirante Gouveia e Melo, atirando-o para CEMA depois da anunciada demissão autocrática do atual titular.

Prossigo a reflexão sobre o liberalismo, agora com Claude Gamel, professor de economia da Universidade de Aix-Marseille, respigando (sem aspas) uma entrevista sua a Le Point.

Gamel propõe um ‘liberalismo sustentável’ baseado na igualdade de oportunidades e de trabalho.

«Deixado por conta própria, o liberalismo autodestruir-se-á lentamente», disse o radical marxista Slavoj Zizek. Uma afirmação que Gamel cita para a refutar. Mostra, designadamente, como os princípios apresentados por John Rawls em Teoria da Justiça podem inspirar políticas públicas sustentáveis.

Retém de Rawls os três princípios desenvolvidos na Teoria da Justiça – ‘liberdade igual’, ‘igualdade justa de oportunidades’ e o ‘princípio da diferença’ – e reorganiza-os para os adaptar em termos de políticas públicas.

Estende o princípio da ‘liberdade igual’ ao económico e ao social, e desenvolve a ideia de ‘escolha do trabalho’. Como outros, defende a flexibilização do mercado de trabalho, de forma a dispersar os riscos por ele gerados entre o maior número de pessoas possível. E esta equalização deve ser acompanhada pela liberdade de escolha. Que, para ele, só será possível com um subsídio de rendimento básico universal, que oferecerá ao trabalhador poder de negociação, permitindo-lhe não aceitar qualquer emprego. É a adaptação do ‘princípio da diferença’ de Rawls, segundo o qual as desigualdades «devem ser concebidas para maior benefício dos indivíduos menos privilegiados da sociedade».

Mesmo o mais reputado filósofo neomarxista contemporâneo, G.A. Cohen, aceita uma desigualdade justificada para ajudar a melhorar o quinhão de todos (ver Socialismo Porque Não? Gradiva). Repare-se, a propósito, como o igualitarismo na escola gera sempre maior desigualdade na sociedade.

Mas esse ‘subsídio universal’ não é o mesmo que subsidiar as pessoas para não fazerem nada? – perguntar-se-á.

Segundo Gamel, experiências em países (‘normais’…) em desenvolvimento, sem um Estado-providência, onde as pessoas recebem algumas dezenas de dólares por mês de fundos privados, mostram o oposto. Um exemplo: as mulheres usam isso como uma ferramenta de autonomia quando compram uma máquina de costura para depois venderem o que produzem.

Da atualidade: Medina admitiu uma «derrota pessoal e intransmissível». Foi digno e decente dizer isso (ele revelou-se sempre uma pessoa decente) mas não é verdade. Independentemente dos méritos de Moedas, a derrota foi de António Costa. Medina teve de aceitar a colagem da campanha estilo ‘dono disto tudo’ que Costa fez, reforçando-se a ideia de que era um alter ego dele. Um ‘beijo da morte’, idêntico mas este deliberado, como o que agora tentou dar ao almirante Gouveia e Melo, atirando-o para CEMA depois da anunciada demissão autocrática do atual titular.