O outono político…

Com a ligeireza que alivia algumas boas almas, entende-se por ‘equívocos’ uma desautorização pública inédita do ministro da Defesa 

Com a chegada do outono, raramente se assistiu e viveu na política à portuguesa um período tão fértil em episódios surpreendentes – ou, no mínimo, tão mirabolantes -, numa democracia que já tem idade para ser madura. 

Quando era suposto que, cumprida a sua importante tarefa, a ‘task force’ das vacinas ‘recolhesse a quartéis’, libertando o seu eficiente coordenador para outras missões – e poupando-o ao camuflado como ‘imagem de marca’ –, eis que ‘emergiu’ uma crise inédita entre o governo, a Armada e o Presidente da República, cujo desfecho, em duas linhas, foi explicado por ‘equívocos’.

Com a ligeireza que alivia algumas boas almas, entende-se por ‘equívocos’ uma desautorização pública inédita do ministro da Defesa – à saída da Casa do Artista, local menos apropriado para o Presidente se pronunciar sobre um assunto de Estado – ‘aviada’, depois, com um comunicado lacónico de Belém, e ponto final. 

Por acaso, o ministro desautorizado pelo Presidente não se demitiu em nome da sua dignidade, nem foi demitido, e a mudança na chefia da Armada ficou a marinar, até se escoarem os ecos da crise – o que não tardará – e a transição se fizer sem maiores engulhos.

Claro que salta à vista que deste imbróglio não saem bem o ministro, nem o primeiro ministro, nem o Presidente, nem sequer o vice-almirante Gouveia e Melo, que não merecia tal polémica no regresso à Armada, donde se ausentou para por nos eixos a vacinação, elogiada, até, pelo insuspeito New York Times, que não costuma gastar muita tinta com o que se passa por cá. 

Resumindo: seja ou não o próximo chefe da Armada, o vice-almirante não se livrou desta trapalhada, enquanto se percebe que o Governo o ‘abalroou’ sem necessidade.

Enquanto fervia tão insólita querela, um ex-banqueiro, com muitos ‘rabos de palha’ e condenação tramitada, apanhou tranquilamente um avião na Portela, e ‘pôs-se ao fresco’, algures, a bom recato, alegadamente, para se livrar da prisão «em legítima defesa».

Ao que parece, o nosso sistema judicial achou que era nulo o perigo de fuga e que, por isso, bastava aplicar a João Rendeiro um simples termo de identidade e residência, sem cuidar sequer de lhe retirar o passaporte. Santa ingenuidade.
Parece óbvio que esta assumida fuga não deixa a Justiça bem na fotografia, que já se confrontou, aliás, no passado, com cenas parecidas. Algo que a ministra encarou agora com ‘desconforto’, enquanto o Conselho Superior da Magistratura (CSM), citando a juíza responsável, se apressou a distribuir uma nota, na qual negou que «pudesse antever-se» [… ] um concreto perigo de fuga do arguido». A presunção merece um Óscar.

Depois, perante o avolumar de perplexidades, o CSM rendeu-se a um inquérito disciplinar aos juízes envolvidos.
Ao que consta, o foragido, antes de ‘dar corda aos sapatos’, ainda teve o cuidado de tirar informações sobre a qualidade da ‘hotelaria’ na serra da Carregueira, que o terá desiludido para ali passar os próximos anos de vida. 
Para quem foi um dos donos do BPP – o tal Banco do ‘retorno garantido’ (segundo, então, rezava a publicidade de página inteira na Revista do Expresso…) –, é natural que a avaliação tenha gerado nele, também, um sentimento de… ‘desconforto’.

Em linguagem naval, foi mais um tiro, em cheio, no ‘porta aviões’ da Justiça, já adornado e com visíveis rombos na sua credibilidade. 

Diga-se de passagem, que, entretanto, não faltam os casos mediáticos pendentes – nem os protagonistas com nome na praça – que servem, inevitavelmente, para emoldurar os discursos de abertura do ano judicial. 

É natural, por isso, que se especule sobre quem será o ‘senhor que se segue’, segundo o melhor catálogo de viagens, incluindo paragens tentadoras em destinos sem acordos de extradição para Portugal e com muito melhor oferta logística do que a Carregueira ou o estabelecimento prisional de Évora, reservados apenas para quem não consegue a tempo ‘um programa alternativo’…

No meio disto, a ministra da Justiça continua no seu posto, com o ‘conforto’ de um lugar de recuo cativo no Supremo; o ministro da Defesa, continua a despacho com a Armada, como se não tivesse acontecido nada; o ministro da Administração Interna ainda não tem, que se saiba, o relatório sobre o velocímetro do seu carro; o ministro das Infraestruturas, à falta de melhor, entrou em rota do colisão com o colega das Finanças por causa da CP, enquanto abona a TAP com milhões do contribuinte, sem reparar na Alitalia; o ministro do Ambiente diverte-se com o lítio e o hidrogénio, enquanto execra os combustíveis fósseis; o ministro da Educação não existe, embora nem dê por isso; e a ministra da Saúde finge que acredita que poderá ser a favorita de Costa na disputa da ‘herança’.

O desgoverno não fica por aqui. Donde se alguém achar que isto é uma farsa, um filme negro ou uma réplica europeia de qualquer ‘república das bananas’ é porque não está no seu juízo perfeito.