Pandora. Ondas de choque

A quantidade de políticos envolvidos no escândalo é enorme, mostrando porque é tão difícil controlar os offshores, consideram analistas.

Pandora. Ondas de choque

Um pouco por todo o planeta, dirigentes políticos expostos nos Pandora Papers tentam justificar-se ou varrer o escândalo para debaixo do tapete. É que se fugas anteriores, como os Panamá Papers ou os Paradise Papers, já tinham mostrado a escala da ‘industria dos offshores’, esta última fuga deixou clara a sua extensa influência em quadrantes políticos, com um rol dirigentes a beneficiar diretamente destas práticas. E talvez isso explique porque é que os esforços para quebrar ou regular esta rede subterrânea, por onde é canalizada boa parte da riqueza global, têm sido tão complicados, notam muitos daqueles que agora procuram soluções. 

«A grande novidade dos Pandora Papers em relação aos escândalos anteriores é a quantidade de políticos envolvidos», considera Susana Coroado, presidente da Transparência e Integridade (TI-PT), braço português da ONG Transparency International, ao Nascer do SOL. «Quando vemos nesta lista o ministro das Finanças dos Países Baixos [Wopke Hoekstra], quando vemos também o primeiro-ministro checo [Andrej Babiš], percebe-se porque é que não há acordo nem vontade política para mudar isto».

Claro que, como no rescaldo de fugas de informação anteriores, rapidamente se viu uma reação. Uns dias depois, no caso do Parlamento Europeu, seria aprovado por maioria esmagadora – 506 eurodeputados votaram a favor,  99 abstiveram-se e 81 votaram contra  – uma resolução exigindo regras mais estritas no que toca a riqueza escondida em paraísos fiscal. O problema é que se trata de uma decisão não vinculativa, ficando a cargo dos Estados membros. Já no que toca a medidas com impacto mais concreto, o sinal de Bruxelas foi no sentido contrário, tendo retirado da sua lista negra de paraísos fiscais as ilhas Seicheles, apesar deste país africano surgir nos Pandora Papers como um dos principais destinos de dinheiro oculto. 

A verdade é que discutir o fluxo de dinheiro para offshores a nível da UE nunca foi tarefa fácil, enfrentando o bloqueio de países como a República Checa de Babiš, ou de países europeus que funcionam como paraíso fiscal. «Notava-se um boicote assumido», assegura Ana Gomes. O problema é que «aprovar questões fiscais em particular, que têm muita relevância neste contexto, exigem unanimidade dos Estados membros. É assim, um Estado membro boicota, e uns escondem-se uns atrás dos outros», explica a  ex-eurodeputada. 

Entretanto, durante ao debate sobre offshores no Parlamento Europeu, tanto o PS como o PSD asseguraram estar decididos a combater a prática. «É uma realidade que nos envergonha, onde alguns escolhem as regras que cumprem e os impostos que pagam. Infelizmente não é novidade», declarou o eurodeputado socialista Pedro Marques, citado pela Lusa, pedindo o fim do direito de veto em questões fiscais, lembrando o caso de Babis, contra o «absurdo de ter hoje veto no Conselho de um dos protagonistas dos Pandora Papers». Já Lídia Pereira, eurodeputada social-democrata, recusou-se a «enterrar a cabeça na areia», acrescentando: «Em cada um dos nossos Estados – e, no meu, isso é flagrante – os governos olham para o lado. Não lhes falta apenas ambição, mas empenho na aplicação da legislação europeia». 

Foco no centro 

Em Lisboa, o PS e o PSD estavam a tentar lidar com o embaraço de serem o partidos dos três políticos portugueses implicados nos Pandora Papers, uma investigação do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla inglesa) a uma fuga de 11,9 milhões de documentos, vindos de 14 empresas especializadas em offshores, no total de 2,94 terabytes de informação.

Os políticos portugueses implicados, segundo apurou o Expresso, parceiro do ICIJ, são Manuel Pinho, ministro da Economia entre 2005 e 2009, antigo administrador do BES, bem como Vitalino Canas, advogado, deputados entre 2002 e 2019, em tempos secretário de Estado e porta-voz do PS, e Nuno Morais Sarmento, atual vice-presidente do PSD. 

Este último caso, o único de um político português ainda no ativo, ainda para mais o número dois do principal partido da oposição é uma «oportunidade obrigatória» para Rui Rio se pronunciar a sua posição quanto a esquemas de offshores, considera João Paulo Batalha, consultor de políticas anticorrupção. Mas não parece que isso vá acontecer – Morais Sarmento já foi à TVI24 dizer que nem sequer falou do assunto com o presidente do PSD e que este não pediu quaisquer explicações. 

O que é certo é que i vice-presidente do PSD foi beneficiário da Magalia International Limited, uma offshore registada nas Ilhas Virgens Britânicas. A justificação que deu foi que usou a empresa apenas como maneira de contornar os impedimentos legais moçambicanos que então existiam à propriedade de empresas e imóveis por estrangeiros, para comprar uma escola de mergulho.  

«Morais Sarmento, pela sua própria explicação, assume que criou uma offshore para contornar uma lei moçambicana», lembra Batalha. «Há uma responsabilidade política do presidente do PSD em responder se acha isso aceitável e se mantém a confiança política numa pessoa que violou deliberadamente a lei de um país aliado como Moçambique».

«A opinião pública pode até enfastiar-se com mais uma revelação de documentação de offshores. Mas deveria ser um sinal de alarme ensurdecedor,  termos políticos e membros da máfia a usar os mesmos mecanismos, os mesmos expedientes, a serem clientes dos mesmos escritórios de advogados», critica o consultor anticorrupção. «No caso português, é de estranhar como é que políticos, que estão simultaneamente nos negócios, usam esses mecanismos com toda a naturalidade».

Do outro lado da bancada parlamentar, o PS também não saiu imune às críticas. O nome de Manuel Pinho, acusado de receber uma avença milionária do BES e da esconder num saco azul em offshore, voltou a surgir na praça pública – «parece ser o típico caso de um político corrupto a usar offshores para fazer circular o seu dinheiro», resumiu Batalha – e ainda há o caso de Vitalino Canas. 

Importante lembrar que Canas, apesar de ter saído do Parlamento, manteve-se destacado no PS, que ainda o ano passado o indicou para uma candidatura ao Tribunal Constitucional. Acabaria torpedeada por dirigentes socialistas como Manuel Alegre ou Ana Gomes, enquanto criticos internos descreviam canas como parte da «tralha socrática», à Sábado.

Dos três políticos mencionados nos Pandora Papers, o caso de Canas é o mais obscuro, tendo este não sido o beneficiário direto de uma conta offshore, mas recebido uma procuração para usar esses fundos em nome dos clientes, a Secucom International Holding Limited. A sugestão é de que a teria representado num julgamento por corrupção no Malawi, mas o caso levantou alguns sobrolhos.