KU KLUX KLAN. Os mais valentes dos cobardes!

Defensores da supremacia da raça branca norte-americana, os membros do KKK puseram durante anos o sul dos Estados Unidos a ferro e fogo e mantiveram-se ativos até aos anos 60. Sempre de cara tapada por detrás de uma máscara cónica branca.

Só o nome causa borborigmos no estômago e deixa-nos à beira do vómito. Há quem diga que a sua origem vem da palavra grega kyklos (kuklos), que significa círculo, a que se acrescentou o termo klan (clã). Kuklos klan, portanto. E se julgam que a organização não passou de um grupo de canalhas que se escondiam cobardemente por debaixo de capuzes brancos para incendiar cruzes de cristo e perseguirem comunidades negras ou que aceitassem os negros como iguais, estão muito enganados. O Klan tem raízes muito profundas na sociedade norte-americana com metástases odiosas ao longo das décadas, de tal forma que os historiadores, dividem a sua existência e três fases distintas, a primeira nos primórdios da Guerra Civil Americana, a segunda surgida na Geórgia na década de 20 do século passado e a terceira emergindo em grupos dispersos na década de 50.

O princípio (ou, neste caso, a ausência completa dele) que levou à criação do KKK é tão básica que qualquer animal privado da maior parte do cérebro seria capaz de o absorver sem esforço: a supremacia branca americana em relação a qualquer outra raça ou grupo, desde negros a judeus, esquerdistas, imigrantes, homossexuais, muçulmanos e ateus. O seu objetivo era, também, essencialmente prático: proceder à purificação da raça branca americana sem olhar a meios. O terrorismo era aceite como um desses meios.

Foi na cidade de Pulaski, no Tenessee, que o Klan foi criado. No dia 24 de Dezembro de 1865, seis antigos oficiais do Exército da Confederação (o grupo dos Estados do Sul, derrotados na Guerra Civil), juntaram-se para fundar um clube de fraternidade tendo por inspiração a antiga Ordem de Malta. O nome dos seis pulhas acabou esquecido nas entrelinhas da História: Frank McCord, Richard Reed, John Lester, John Kennedy, J. Calvin Jones and James Crowe.

Se na declaração oficial da fundação se utilizou a expressão «promover o divertimento dos membros do Klan», rapidamente começámos a perceber que tipo de divertimento tinham em mente. 

Poucos meses mais tarde, mais precisamente em Abril, já algumas dezenas de pequenos grupos de outras cidades do Estado seguiam os caminhos do Klan original. E já eram visíveis as sórdidas intenções de gentalha como o veterano de guerra John W. Morton que formou um conjunto de vigilantes em Nashville para começar a perseguir e a ameaçar antigos escravos que tinham conquistado a liberdade, bem como todo o tipo de pessoas que mantivesse relações com eles. A morte não tardou a espalhar-se. As vítimas estavam sinalizadas: além de negros, nortistas politicamente ativos e sulistas que defendessem o direito dos homens serem livres. O extremismo chegou a tal ponto de violência que o governo dos Estados Unidos teve de fazer aprovar os Enforcement Acts, destinados a combater os atos sórdidos das gentes do KKK. A verdade é que, pelo caminho, o Klan já tinha provocado um ambiente de terror que fizera com que muitos políticos afro-americanos e brancos com ideias democráticas tivessem abandonado as suas carreiras. O medo levara a melhor.

Os filhos do KKK

Era igualmente clara a intenção dos membros do Ku Klux Klan e dos seus simpatizantes em criarem um tal movimento de violência e extremismo que abrisse espaço ao renascer da independência dos Estados do Sul.

Defendem alguns dos estudiosos que tal só não veio a acontecer porque faltava ao Klan uma autêntica organização e liderança interna, espalhado com estava em grupelhos que advogavam pura e simplesmente atos miseráveis de violência pura e dura. Criaram de tal forma um clima de terror que o Klan foi oficialmente extinto, dando lugar a outros revoltosos grupos paramilitares como a White League, criada no Louisiana em 1874 e os Red Shirts, surgidos no Mississippi, com tanta ou tão pouca expressão popular que fizeram eleger Wade Hampton como Governador da Carolina do Sul, logo ele que, vindo de uma rica família de terratenentes era, como se calcula, defensor do trabalho gratuito, mais conhecido pelo nome de escravatura. Os Red Shirts tinham-se tornado no braço militarizado do Partido Democrata e faziam questão de ser reconhecidos como tal.

Em 1915, o Ku Klux Klan  renasceu. William Joseph Simmons, um pregador natural de Harppersville, no Alabama, uma inteligência medíocre que nunca foi capaz de concluir o curso de Direito, juntou uma série de fraternidades e, no Dia deAção de Graças, juntou um grupo de quinze imbecis como ele para subir ao alto deStone Mountain e restaurar o Klan. Descreveria mais tarde, numa série de testemunhos  bacocos, uma espécie de movimento sobrenatural que enfrentara o gelo de temperaturas negativas para erguer no alto do monte uma cruz que simbolizava a defesa da raça branca e das suas qualidades incomparáveis. Era um aldrabão. No dia em causa, uma suave tarde morna dera lugar a uma noite que não baixara dos sete graus positivos. Mas Simmons realizara a sua peça de teatro e autointitulou-se, a partir daí, como  Imperial Wizard of the Invisible Empire of the Knights of the Ku Klux Klan. Tão pomposo quanto grotesco.

Fraco como líder, Simmons não suportou as acusações de violência de que os membros do Klan foram acusados nos anos subsequentes e negou sempre qualquer envolvimento neles, de tal forma que perdeu o respeito dos seus seguidores e acabaria substituído no cargo de Feiticeiro Imperial por um dentista do Alabama chamado Hiram Wesley Evans que, mal chegou ao poder, liderou o rapto e a tortura de um homem negro de Dallas e lutou para transformar a organização numa força política, juntando, para isso, mais de 200 mil pessoas numa manifestação de puro racismo como nunca se vira até então. A sede do KKK foi transferida para Washington e o momento comemorado com uma manifestação que invadiu a Avenida Pensilvânia com cerca de 30 mil apoiantes.

Era impossível ignorar uma agremiação ideológica com tal popularidade. Felizmente para os Estados Unidos em particular e para a Humanidade no geral, o Klan era governado por um grupo de loucos sem o mínimo de senso. Em 1925, deu a si próprio um golpe fatal quando David Curtis Stephenson, conhecido por Steve, tido como o homem mais poderoso do Estado de Indiana e figura do topo do Ku Klux Klan, raptou, violou e assassinou uma rapariguinha chamada Madge Oberholtzer. O caso teve impacto nacional e fez cair a ideia de que os dirigentes do Klan eram pouco menos do que imputáveis. As divisões que se sucederam a nível interno abalaram por completos os alicerces da maldita organização e afastaram milhares dos seus apoiantes. O KKK estava de novo moribundo.

A última vida do Klan

Perceba-se que o nome de Ku Klux Klan foi utilizado livremente por dezenas de grupelhos, muitos deles insignificantes, que aproveitavam a força da sigla para tentarem ser ouvidos. Durante mais de dez anos o verdadeiro Klan manteve-se adormecido, considerado pelo governo dos Estados Unidos como uma organização subversiva e terrorista. Dezenas dos seus membros foram levados a tribunal, julgados e sentenciados por rapto e assassínio de indivíduos de raça negra e seus simpatizantes. A sua fama asquerosa pairava sobre a sociedade americana como um golpe profundo na ideia de Democracia de um país que se considerava o ideal dessa mesma Democracia.

Houve, a partir de 1950, diversas tentativas de ressuscitar o Klan, mas o FBI foi contrariando essa terceira existência do KKK à medida que desfazia grupos terroristas como os que mataram dezenas de crianças com uma bomba colocada na 16th Street Baptist Church em Birmingham, em 1963, ou o dos Cavaleiros da Verdade, em Dallas, uns tontos que vinham espalhando por toda a parte que estavam à beira de fazer explodir um complexo de gás natural, embora ninguém fizesse ideia de onde ficava. O advento das novas plataformas comunicacionais permitiu que, como vermes, se fossem infiltrando anónimos seguidores das ideias segregacionistas do Klan um pouco por toda a América, embora as autoridades fiscalizadoras calculem que não irão para além dos cinco a os oito mil indivíduos, incluindo aqueles que atuam no submundo da darknet.

Definitivamente, é hoje em dia impossível que o KKK tenha a liberdade de atuar que possuía na fase do pós-guerra civil. Nesse tempo, encorajados por velhos generais sulistas que não suportavam a ideia da derrota, muitos Estados do sul estavam verdadeiramente a ferro e fogo, rara sendo a cidade que não exibia as suas cicatrizes de casas queimadas ou destruídas e de negros dependurados nas forcas das árvores. As estatísticas, tantas vezes incómodas, apontam para mais de 20 mil vítimas mortais durante esse período terrível que durou entre 1867 e 1871.

O cinema foi, por seu lado, um propagador eficaz das ideias odiosas do Klan e muitos foram os filmes que encheram as telas com cenas macabras de uma ferocidade ultrajante. Quando D. W. Griffith’s dirgiu The Birth of a Nation, em 1915, montou algo que se pode considerar uma glorificação do Ku Klux Klan e a sua vida ficou marcada por isso. Se o consenso sobre a sua qualidade como diretor foi tão grande que o próprio Alfred Hicthkok o apelidou de mestre de todos os seus pares, The Birth of a Nation ainda provoca repulsa em muitos dos que foram vítimas da crueldade desmedida dos membros do Klan. Baseado no livro The Clansman: A Historical Romance of the Ku Klux Klan, de Thomas Dixon Jr.’s, publicado em 1905, o filme não condena a escravatura dos Estados doSul, defende a recuperação do trabalho gratuito para os que tinham recebido a sua carta de alforria e mostra os membros do Klan como homens de princípios que se limitam a querer recuperar as suas ideias políticas do antebellum, ou da fase anterior à Guerra Civil Americana. A National Association for the Advancement of Colored People (NAACP) e outra associações da mesma estirpe fizeram os impossíveis para impedir a distribuição da película, mas a verdade é que ela viria a ter muita popularidade embora ainda hoje apelidada de «the most controversial film ever made in the United States» ou «the most reprehensibly racist film in Hollywood history», com os seus personagens negros (muitos deles brancos enfarruscados de negro) exibindo uma luxúria descarada para com todas as mulheres brancas e os simpatizantes do KKK surgindo como heróis dos filmes de cavalaria para proteger as suas damas.

1915 acabou por ser o ano do reaparecimento do Ku Klux Klan e ninguém pode negar a importância que The Rebirth of a Nation teve nesse acontecimento. Ainda por cima trazendo à boca de cena uma imagem que perdurou para sempre, embora não tenha feito parte dos códigos iniciais do KKK – a cruz a arder, retirada da velha cultura saxónica da Escócia quando um clã fazia arder uma cruz para anunciar ter entrado em guerra com outro. O impacto foi tão forte que não tardou a espalhar-se pela mente dos membros do Klan, sempre abertos a adotar ações agressivas e ameaçadoras. A cruz que ardia marcava a desgraça de uma família. Algo que teria certamente desagrado ao escritor Sir Walter Scott, que reconstitui a cerimónia no seu poema The Lady of the Lake. E trazia consigo, logo atrás, um grupo de canalhas cobardes, vestidos de branco, com as caras tapadas por uns cones também brancos com buracos para os olhos. A cobardia era a maior das valentias para os homens do Ku Klux Klan.