República Checa. Caos político no rescaldo dos Pandora Papers

O Presidente checo foi hospitalizado após saber da derrota do seu grande aliado, o primeiro-ministro Andrej Babiš, um oligarca envolvido nos Pandora Papers.

Num momento, o primeiro-ministro da República Checa, Andrej Babiš, parecia tão intocável, um homem a que nenhuma acusação colava, ganhando até a alcunha de “Babisconi”. Mas o ritmo da política muda muito rápido. Após a revelação de que Babiš estava implicado nos Pandora Papers, comprando uma mansão na Riviera Francesa por 19 milhões de euros, através de uma offshore, surgida nas vésperas das legislativas de sábado, o seu partido, a Aliança dos Cidadãos Descontentes (ANO 2011), acabou batido pelo SPOLU (Juntos, em checo), uma coligação dos seus rivais. As sondagens mostravam o SPOLU com menos 5% de intenções de voto que o ANO 2011, segundo o Politico. O resultado – tiveram 27,8% e 27,1% dos votos, respetivamente – surpreendeu tudo e todos. Sobretudo o grande aliado de Babiš, o Presidente Milos Zeman, que deu por si hospitalizado nos cuidados intensivos, pouco depois de saber da derrota do ANO 2011. 

A questão é que o Presidente de 77 anos, fumador compulsivo, que está numa cadeira de rodas, sofrendo de diabete tipo II e neuropatia periférica, é a grande esperança do primeiro-ministro, tendo prometido encarregar o líder do partido mais votado – coligações como o SPOLU, composto por três partidos de centro-direita, são uma “fraude”, declarou – de formar Governo. No que toca ao ANO 2011, até conseguiu eleger mais um deputado que o SPOLU, mesmo tendo ligeiramente menos votos, como tal Babiš teria a nomeação do seu amigo Presidente praticamente garantida.

No entanto, agora, por mais que o hospital assegure que as condições de saúde de Zeman estão estáveis, segundo a Reuters, ganham ímpeto os apelos para que o Parlamento o declare incapaz. E todos olham para a linha de sucessão, incertos quanto ao que esperar do futuro. Neste momento, quem ficaria com o poder de decisão seria o presidente do Parlamento, Radek Vondrácek, do ANO 2011, mas a oposição prepara-se para levar o seu cargo a votos até ao final do mês, mal os novos deputados tomem posse. 

Mesmo que Babiš consiga mandato para formar Governo, não tem nenhuma maioria óbvia à vista. Os aliados que se tinham coligado consigo, o Partido Social-Democrata ChecoČ(CSSD, na sigla checa) – visto com algum embaraço dentro do Partido Socialista Europeu, sendo muito mais conservador que os seus restantes membros – e o Partido Comunista da Boémia e Morávia (KSCM), que governou o país nos tempos da Cortina de Ferro, não conseguiram sequer obter a margem de 5% dos votos necessária para entrar no Parlamento. Subitamente, o ANO 2011 deu por si sozinho, a olhar em redor à procura de parceiros. Analistas apontam que, caso Babiš, receba mandato para formar Governo, a sua única opção é queimar tempo, apostar no desgaste, tentando pelo meio seduzir com promessas algum dos partidos que integram o SPOLU. 

 

Poder Quer Babiš se consiga manter no poder ou não, a República Checa não deverá vê-lo longe da vida pública tão cedo. “Não desisto, mesmo que acabe na oposição, ficarei no Parlamento”, declarou o primeiro-ministro, à Frekvenci 1. E, mesmo fora do Parlamento, Babiš mantém uma influência enorme. Afinal, falamos do segundo homem mais rico do país, com uma fortuna avaliada em quase 3,5 mil milhões pela Bloomberg, graças a um conglomerado de centenas de empresas alimentares, de produção de biodiesel ou fertilizantes, e dono de boa parte da imprensa checa, incluindo três dos títulos mais lidos, o Mlada fronta DNES, Metro e Lidové noviny, bem como a popular Radio Impuls. Babiš decidiu comprá-los após fundar o seu partido, em 2011, como o nome indica.

Estas publicações, subitamente, passaram a “regularmente ter uma cobertura simpática de Babiš, e críticas dos seus adversários”, notava a Foreign Policy, há uns anos, num artigo sobre como a República Checa, em tempos apresentada como modelo de integração europeia dos países do leste, se tornara numa fonte de preocupação quanto ao Estado de direito. “Depois de anos de genuína independência dos media, muitos checos falam de um regresso aos anos 1970, quando os jornalistas se alinhavam com a ordem política”, estranhava a revista, ainda antes do lider do ANO 2011 chegar a primeiro-ministro, em 2017. “Babiš quer controlar, não apenas transformar, a política checa”. 

Ironicamente, Babiš, descrito como um oligarca, chegou ao poder sob a bandeira do combate à corrupção, ganhando apoio quando uma investigação do Lidové noviny denunciou irregularidades nas privatizações efetuadas pelo então primeiro-ministro, Bohuslav Sobotka, do CSSD. Sendo que o próprio Babiš acabaria a governar ao lado dos seu antigos adversários sociais-democratas, enquanto era investigado pela União Europeia, por “uso indevido da sua influência, ao longo de vários anos, para multiplicar a sua riqueza pessoal através de programas da UE”, lê-se em comunicado – os críticos de Babiš dizem que chegou a ser o indivíduo que recebeu mais subsídios europeus em todo o país. 

A retórica de Babiš, com um tom populista, nacionalista e vendo os migrantes como o grande adversário pode soar familiar. “Trump disse, ‘make America great again’. Isso é o que eu digo também. Vamos fazer a República Checa forte outra vez”, declarou o primeiro-ministro aos seus seguidores, citado pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla inglesa), no artigo onde revelam a sua ligação aos Pandora Papers. 

Comparativamente aos escândalos anteriores de que Babiš fora acusado, este até parecia coisa pequena, mas talvez tenha tido algum papel na sua derrota deste sábado. A imagem que deixa não é bonita, tendo o autoproclamado homem do povo utilizado uma rede offshore para comprar em segredo o Chateau Bigaud, com cinco quartos, com três hectares de terreno, entre ruínas medievais e floresta, perto de Mougins, a aldeia no topo de um monte onde Picasso foi morrer. 

Agora, a derrota de Babiš pode tornar-se também um problema para um dos seus grandes aliados internacionais, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, que foi à República Checa em plena campanha apoiar o seu amigo.

À partida, são aliados improváveis. Babiš é apoiado por partidos do Partido Socialista Europeu, o partido de Orbán integrou o Partido Popular Europeu. O primeiro-ministro checo nasceu numa região que à época era conhecida por “Alta Hungria”, e que faz parte dos sonhos de uma “Grande Hungria” de Orbán. A República Checa é um dos países menos religiosos da Europa, a Hungria é governada por um Executivo que quer ser a ponta de lança da “identidade cristã”. Mas, na prática, Babiš, Orbán e o seu homólogo polaco tornaram-se o eixo de um bloco conservador cada vez mais em confronto com Bruxelas – e que pode perder um dos seus pilares, com a República Checa em convulsão política no rescaldo dos Pandora Papers.