Gabriela Barros: “A Cultura é tão fundamental quanto a água”

É uma cara assídua nos ecrãs de televisão, atua na sétima arte, canta e pisa as tábuas de madeira. Diz que a constante procura por si própria a mantém viva e que a polivalência alimenta a alma. Com os seus cabelos ruivos, os seus olhos cor de avelã e o seu sorriso aberto e generoso,…

Quem é a Gabriela por trás da atriz/comediante/cantora e tudo aquilo que és enquanto profissional?

Uau! [sorriso] Isso podia ser uma pergunta para a entrevista toda… Gostava de dizer alguma coisa que não parecesse cliché… Sou uma mulher em constante procura de si, sem querer ter certezas de nada e sem querer solidificar nada. Acho que é isso que me mantém viva. Uma forma de sobrevivência minha é não querer que nada seja certo, não querer ter certezas de nada. É uma constante procura, mas não uma procura incessante. Ou seja, deixar o livro em aberto para o que venha. Depois, sou muito despistada, muito distraída, com o foco muito certo em coisas muito específicas que me interessam… Acho que isso também me descreve muito. E sempre com um pé aqui e um pé na lua. Tentei fugir dos clichés, mesmo tendo caído em alguns [risos]. 

E achas que se aos 19 anos tivesses acabado por ficar em Bruxelas, serias uma pessoa completamente diferente? Ao imaginares esse cenário, o que vês?

Acho que teria enveredado pelas artes da mesma forma, até porque o teatro lá é incrível. Só que quando sai de Bruxelas ainda não estava muito interessada em ver teatro, só fui mais tarde. Mas acho que sim, que me teria dedicado a isso também, ou feito ficção em França. Ah! E seria uma pessoa com muito menos vitamina D [gargalhada]. Isso muda muita coisa… Parecendo que não, somos um país solarengo e isso muda completamente o nosso espírito.  

És filha de mãe portuguesa e pai brasileiro. Como é que isso aconteceu? Quais as tuas raízes e o que fica da tua infância?

[suspiro] Fica uma mistura de muita alegria dentro de casa e, sobretudo, muita música. O meu pai é músico, sempre me mostrou muita música brasileira e a minha mãe sempre ouviu muita música francesa. Curiosamente ouvíamos pouca música portuguesa. Mas muita música, muitas festas com amigos dos meus pais, jantares em que eu e o meu irmão fazíamos performances para eles. Eu devia estar na cama a dormir e vestia-me de bailarina para ir para a sala fazer performances para os amigos da família. Foi essencialmente isso, uma infância muito bem disposta com muita cultura brasileira, misturada com a portuguesa. 

Isso significa que os teus pais, além de terem influenciado o teu caminho, sempre apoiaram as tuas escolhas profissionais?

Muito! A minha mãe não tem nada a ver com a música, trabalhava na Comissão Europeia, mas até hoje é uma grande apoiante do meu percurso e, das poucas vezes que, por desespero, achei que deveria mudar de rumo, ela sempre me manteve nas artes. Eu querer ser atriz era uma evidência para eles, não foi surpresa nenhuma! A minha profissão nunca foi uma estranheza.

E quando vinhas de férias a Portugal visitar a tua família, o que sentias? Era um sítio que imaginarias como sendo a tua futura casa?

Vinha muito! E sempre soube que viria parar aqui. Quando regressávamos de férias, eu perguntava sempre à minha mãe o porquê de termos de regressar a Bruxelas. Na altura, era muito infeliz a viver lá. Queria um país com sol, com gente bonita, gente simpática [risos]. Parênteses! Não é que em Bruxelas não exista isso tudo, gente bonita! [risos]. Eu sou suspeita, mas acho o povo português muito bonito e pronto, queria viver aqui. Achava fantástico vir de férias em abril e ver gente da minha idade na praia, depois da escola. Achava fascinante! Eu ia para os parques… Apanhar chuva! [gargalhada] Nunca foi uma descoberta, eu sempre soube que queria vir para cá. 

Como se deu essa mudança?

Foi tudo muito natural. O meu irmão acabou o 12º ano e veio para cá estudar. Quando terminei, fiz o mesmo. Vim viver para a casa da minha avó na altura e acabei por ficar… 

Achas que és feita de um bocadinho das três nacionalidades? Por mais que só tenhas duas delas?

[risos] Somos tanta coisa, não é? Acho que da portuguesa e da brasileira, o facto de ser muito desenrascada. Da portuguesa a nostalgia, sempre a reviver momentos bons e maus do passado, por mais que os maus não sejam assim tão agradáveis de revisitar. Da brasileira, a música, a dança, a desenvoltura, a lata se calhar [risos]. E da belga, sem querer puxar muito a brasa à minha sardinha, a educação (não é que o português não seja educado, atenção!), mas a educação é muito diferente… Mais nórdica, o seguirem muito as regras… 

Se calhar o foco de que me falaste há pouco, em coisas muito específicas, submerge daí…

Sim! Se calhar… O andar muito na linha. Em Bruxelas tu não podes deixar um carro em segunda fila. Só em Portugal é que isso existe. «Vou só ali à padaria, buscar o pão! Já volto!», e a pessoa que está à espera para tu tirares o carro da segunda fila, é compreensiva porque sabe que amanhã pode ser ela a fazer-te o mesmo. Em Bruxelas isso é impensável. É muito mais rigoroso. Precisam de regras para se sentirem vivos, talvez.

Vives a paixão pela representação e pela música em paralelo. O que é que cada uma dessas coisas desperta em ti?

Na representação há um fascínio de tentar encontrar vida para as personagens, um fascínio de tentar perceber como é que eu lhes posso dar essa vida, tentar encontrar os ganchos para cada uma delas. A forma delas estarem, de falarem… De nos tentarmos rever noutras vidas, poder ter essas experiências. A música… A música eleva-me a outro sítio que não a terra firme. Acho que é isso que me faz. E conversa com o corpo todo, é uma coisa muito engraçada, quando se canta, quando se gosta. É mesmo um bálsamo para a alma! Estou a dizer muitos lugares comuns hoje… [risos] Mas é mesmo! Parece que foste fazer uma sessão de reiki. Às vezes, quando estou assim mais introspetiva, mais triste eventualmente, canto e… Mais um cliché: Quem canta seus males espanta, mesmo! E, se calhar, a música também me remete muito para uma infância bonita, para muitos momentos com o meu pai… Uma purga para a alma! 

O que é que a série Morangos com Açúcar te ensinou?

Os Morangos com Açúcar foram um ano da minha vida. Ensinaram-me tudo aquilo que eu sei tecnicamente como atriz. Foi a minha base para fazer ficção, porque no espaço de uma semana nós tivemos de saber o que é que eram câmaras, o que é que é fazeres-te à luz, à marca, não tapares o colega. Enfim… Tudo o que era técnico. Abanam-te e tu, no espaço de uma semana, tens de apanhar o comboio que já está três paragens à frente. Isso foi espetacular. Ensinou-me toda uma prática do trabalho que trago até hoje. O que é que é passar texto? Quais são os tempos da maquilhagem? Chegares, não chegares… Foi uma escola mesmo. Eu vinha do Conservatório onde andávamos a estudar Tchekhov, onde fazia exercícios de corpo no chão e, pelo menos lá, não há a prática das câmaras, do dia a dia. Além de me ter ensinado muito nesse campo, começou a formar-me. Foi lá que comecei a perceber o que é que eu não quero para o meu percurso profissional, porque éramos muito miúdos. Hoje em dia, com 33 anos, já me formei mais profissionalmente e já sou mais crescida para dizer as coisas que quero e não quero que aconteçam. Mas foi essencial! Abriu-me as portas todas para o meu trabalho. Deu-me a conhecer ao público… Só tenho a agradecer. Foi muito duro, porque eram muitas horas, mas muito bom.

Como é que lidaste com essa fugacidade, esse excesso de trabalho?

Lidei até mal, porque deixei de ter vida. Toda a gente sabia que quem protagonizava a série deixava de ter vida. Eu passei mais tempo com aquela família do que com a minha. Eu vi-os aos domingos e meio a dormir, porque era o único dia de folga que nós tínhamos. Ainda fizemos os Morangos Musical, portanto as horas extras que tínhamos de descanso eram para gravar músicas, treinar coreografias… Eu estava muito, muito, cansada durante o tempo todo.  

Como é que se dá o pulo depois disso?

Claro que a série foi uma grande montra… Toda a gente sabia que quem entrava para os Morangos tinha essa vantagem. Eu trabalhei muito a pensar que se fizesse bem o meu trabalho se podiam interessar em chamar-me para outras coisas. Foi pouco tempo depois de terminar que me começaram a chamar para novelas… Ainda voltei para o Conservatório, depois chamaram-me e gradualmente foi acontecendo. O nosso trabalho [atores/atrizes] é muito ingrato… Muito ingrato, mas ao mesmo tempo muito prazeroso em muitas coisas. Mas não é um trabalho certo, para além de ser um trabalho emocionalmente muito difícil. Somos trabalhadores independentes. Às vezes há, outras vezes não há. Felizmente não me posso queixar, é uma mistura de sorte com muito trabalho, mas tenho tido bastante. Foi tudo muito gradual. 
 
Achas que a profissão de ator/atriz tem alguma missão intrínseca?

Eu acho que podemos ter e é ótimo se o tivermos. Mas também acho que se um trabalho específico não for para ter, também está tudo certo. Pode servir apenas como entretenimento. É óbvio que, se cumprir uma função e uma mensagem social, é maravilhoso. O teatro e a arte em geral servem para nos fazer pensar, nos questionarmos sobre as coisas, nos revermos noutros mundos. É para sairmos do nosso quotidiano, seja para um lado fantástico, uma realidade que não seja de todo a nossa… O importante é sentir. Ainda ontem estava num jantar com amigos e estava lá o meu namorado, que encenou há pouco tempo o espetáculo Alice no País das Maravilhas o Outro Lado que fala muito da história da própria Alice Liddell que inspirou a história da Alice no País das Maravilhas, do Lewis Carroll… Ele tinha uma paixão assolapada por ela e, portanto, escreveu esse livro. Estamos a falar de um homem de 30 e tal anos que era apaixonado por uma miúda de 8 e há fotografias muito comprometedoras, etc. Há aqui rumores de pedofilia. O meu namorado ainda ontem me estava a contar que houve uma rapariga que foi ver o espetáculo e que, de repente, começou a chorar baba e ranho porque a peça a transportou para uma fase da vida dela que meio que tinha posto debaixo do tapete… E pensámos: Olha como a arte serve o seu propósito… 

Em 2009 frequentaste o curso de formação atores da Escola Superior de Teatro e Cinema (ESTC). Ao longo do tempo, de que forma mudaste a tua perceção daquilo que tu és enquanto atriz?

Uau…  Do meu trabalho? Acho que tenho muito mais certezas, continuo a não ter uma fórmula certa para ele, ou seja, não tenho um método certeiro que me seja útil, porque acho que em cada trabalho que vem tu chegas à personagem de forma diferente… Mas acho que tenho isso muito mais resolvido comigo. Antes sentia-me mal por não ter um processo, um método, ou por não sublinhar o texto e não ter 20 marcações ao lado… 

Porque achavas que tinhas de ter?

Sim, ou porque me sentia mal por nunca ter terminado o Conservatório e isso me fazia sentir meio coxa nesse sentido… Pensava que teria de lá regressar para me sentir mais validada como atriz. Hoje em dia já estou muito mais descansada em relação a isso! E muito mais descansada por ter percebido que cada ator, de facto, terá um método que funciona para ele. Já tentei métodos diferentes a representar e já percebi que a teoria, para mim, é muito bonita, mas na prática é tudo muito diferente. É isso. Sinto-me muito mais segura relativamente ao meu ‘não-método’ enquanto atriz. 

O que é que mudou mais?

Consigo identificar muito mais rapidamente os problemas dentro de uma produção, de um platô… Consigo proteger-me muito mais, consigo delinear uma estratégia de como driblar esses obstáculos muito mais rapidamente do que há 10 anos atrás. E sinto-me muito mais segura enquanto mulher também. O feminino em ficção é uma coisa que ainda se está a trabalhar muito aqui em Portugal. Agora sinto-me mais à vontade com o meu corpo, com a minha imagem, perceber que não tem de ser uma limitação. Também acredito que o mundo está a mudar e que vemos cada vez mais uma diversidade de corpos, de caras, de raças que eu acho que a mim me favorece muito. O panorama há uns anos era muito mais afunilado. 

Alguma vez te sentiste limitada por isso?

Sim, claro! Ou por ser baixa demais, ou por não ter o corpo ‘de protagonista’. Essas coisas existem em ficção. Graças a Deus tenho trabalhado sempre e tenho tido oportunidades maravilhosas! Até parece que eu me sinto um camafeu… Não me sinto nada disso, sou uma mulher muito bonita! Mas muitas vezes nós acabamos por nos colocar numa perspetiva que não é nossa. É só dos outros… Como se nos auto sabotássemos. Hoje em dia sinto-me muito mais confiante.

Passas pelos ecrãs de televisão, atuas na sétima arte, cantas e pisas as tábuas de madeira. O que é que mais te fascina? De onde surge essa polivalência?

[risos] É exatamente isso que me fascina! A polivalência!  Ultimamente têm-me conotado muito ao humor e atenção, fico muito feliz, sou muito grata e quero continuar a fazê-lo. Mas tratam-me, muitas vezes, como comediante, ou como atriz de humor, e eu não gosto de rótulos. Enquanto eu poder navegar por todo o tipo de formato vou ser feliz. Alimenta-me a ambição, não é só como ser humano, mas como atriz também. Acho que uma das piores coisas que me podem fazer é meter-me numa caixa.  

Com um currículo tão diversificado e personagens tão diferentes, qual o trabalho que mais te meteu à prova?

Foi o último. Acabei de gravar na semana passada uma série para a Opto, chamada Vanda, que vai estrear no ano que vem. Acho que foi assim um dos maiores desafios que já tive como atriz. Eu protagonizo a série, que é baseada em factos reais. Foi muito árduo, não só o chegar ao tom certo da série, à verdade, como encontrar a personagem que é bastante distante de mim. Tive de trabalhar algumas coisas que em ficção ainda não tinha feito. Foi um processo duro. Eu acho que o mais difícil é tentarmos distanciar-nos de nós o máximo possível e é isso que um ator deseja. Mas dando-lhe uma verdade, uma verdade que também não é de todo nossa. E onde está esse limiar onde existe a Gabriela e um bocadinho de Vanda, neste caso? Essa linha ténue que está certa e que traz verdade à personagem… 

Essa polivalência leva-te de papéis extremamente cómicos, para outros dramáticos. Tens algum género que mais gostes de representar?

E não é que não tenho mesmo? [risos] Gosto de ter acabado o Vanda a semana passada e hoje à noite ir ao Herman, fazer uma coisa completamente diferente… Adoro!

E algum género é mais difícil do que outro? Dizem que a comédia é extremamente complicada…

Acredito que depende muito de cada projeto e cada personagem em si. Eu esta semana posso ir ao Herman fazer uma coisa que me é mais fácil e, para a semana, vou fazer outra personagem que ele me vai propor e que me obrigue a atirar-me completamente para fora de pé. Acho que tem tudo a ver com a personagem. Mas sim! É difícil fazer rir os outros, é uma ciência nada exata. Na verdade, é difícil para mim falar do humor… Tens fatores muito importantes como o texto ser muito bom, tens de conjugar os tempos cómicos e acredito que tens de ter naturalmente alguma graça. Pode-se trabalhar o humor, mas eu acredito que tu já tens de ter um pézinho de humor na tua vida, no teu quotidiano e que depois, sim, pode ser trabalhado fazendo-te ganhar vários alicerces que te façam ter mais timings de comédia, saber dar a graça ao outro e devolver, trabalhos de escuta. Mas acredito mesmo que tem de existir uma base… 

Como foi começar a trabalhar com grandes nomes como o Herman José, Ana Bola, Joaquim Monchique e todos os outros artistas com que partilhaste os cenários dos Donos disto Tudo? Como começou toda essa experiência?

Tem sido espetacular! Começou há muitos anos num programa chamado Breviário Biltre, o meu primeiro projeto de humor, em 2013. Pouco tempo depois fui fazer o Ano Novo do Herman, que eram as 14 badaladas na RTP. Foi a primeira vez que vi um sketch meu. Lembro-me dele estar a ver ao meu lado, se há júri mais assustador para uma miúda de 23 anos era esse… Mas ele foi tão generoso, tão simpático e acolhedor que nunca senti medo. Sempre me senti muito abraçada por esta equipa toda. Foi gradual, mas sempre muito convidativo. E claro que também é uma grande escola. Estar em platô a ser dirigida pelo Herman e teres a contracena da Maria Rueff… Acho que não há melhor escola que essa. 

E há espaço para a improvisação?

Muito! E Adoro! Adoro! Adoro! É onde eu me sinto mais feliz. Adoro que me coloquem assim à prova, que me deem espaço e liberdade de querer tentar impressionar quem está ali à tua frente. No fundo é esse o jogo do humor e do improviso… É um taco a taco de respostas inteligentes ao outro. 

E nesse lugar? Tu sentes que te superas?

Tento! Às vezes é uma falha tremenda! O improviso tem isso de glorioso e de inglório. Tu podes meter o pé na poça a sério! A dificuldade do humor é que se espera uma resposta imediata que é o riso. O drama não tem isso. Podes não estar a chorar tão bem e podes não emocionar a pessoa, mas podes não estar errada. O humor tem um barómetro certo… Tu lanças a piada e se a pessoa não riu, foi nota negativa [risos].

E os musicais como o Chicago? Quais as maiores exigências que sentes? É complicado conciliar o canto com a representação e dança?

Eu acho que nós em Portugal estamos cada vez mais a evoluir no mundo dos musicais. Portanto, para mim, o Chicago foi uma superação e uma aproximação do que é que se faz na Broadway: canto, dança e representação. O Avenida Q era mais humor, música e representação, a dança estava um bocadinho de lado. No Chicago tive de me dedicar a isso. Não sou desajeitada, mas há uma exigência grande. Tem de haver.  

Foste uma das protagonistas da nova série da RTP, Pôr do Sol. A produção chegou a reunir meio milhão de espetadores no canal um e é a série mais vista de sempre [em streaming] na RTP Play. Como começou esta aventura?

Acontece a partir de um grupo de três homens por quem eu sou profissionalmente apaixonada, o Manuel Pureza, o Henrique Dias e o Rui Melo. Juntaram-se durante a pandemia em FaceTime entediados a pensar qual seria o próximo projeto que realizariam. «Ao que é que vocês querem brincar?», perguntou um deles. E surgiu a ideia de se realizar uma sátira às novelas. Uma série com todos os clichés de novela, uma espécie de homenagem a isso… É um mundo tão rico para se brincar. Em dezembro ligaram-me a perguntar se eu não queria fazer um piloto e eu só de saber que era com eles, aceitei. Em abril tivemos a confirmação que a série seguiria para a frente e pronto! Foi maravilhoso!

A comédia em forma de sátira não te assusta?

Acho que era uma conversa de bastidores, mas medo meu em particular, não. Eu só tenho medo quando a piada é levada a um ponto em que a ofensa é maior que a piada. Esse é um terreno pantanoso. Aqui não. Amanhã eu posso ir fazer uma novela, o Rui Melo estava a fazer uma novela, o Manuel está farto de realizar novelas… Nunca houve um sítio de soberania perante aquilo que é uma novela, pois todos nós as fazemos com prazer. Foi com esse olhar que eu sempre vi a coisa. Tive dúvida sobre a potencial graça do produto. Eu achava muita graça, mas diz-se muito no meio que aquilo a que nós achamos graça, o público normalmente não se identifica. Mas aqui aconteceu exatamente o contrário! Ontem jantámos juntos e estávamos precisamente a comentar esse facto. Que loucura! Há lojas online que vendem t-shirts, há pessoal a fazer posters… Isso é uma coisa dos EUA. Superou tudo. Quando começo a ver memes nossos, com frases… Fiquei muito feliz.  

Como contactaste com o texto e com as tuas duas personagens tão distintas?

A proposta sempre foi eu fazer o cliché da gémea boa e gémea má. A minha maior dificuldade, mais uma vez, foi encontrar o tom certo para cada uma delas. E eu acho que a Rita, que foi a nossa diretora de atores, juntamente com o Manuel, teve muita sensibilidade, muito tato e muito bom gosto. Isso foi a chave de ouro para a série resultar.  

Porque é que achas que a série teve o sucesso que teve nesta altura? As pessoas precisam de rir depois destes dois anos mergulhados na situação pandémica que parou o país?

Sim! Acho que nos fez bem a nós e às pessoas. O humor é sempre bem-vindo, ainda para mais depois de uma altura tão densa como esta. 

Como lidaste com a covid-19 e de que maneira esta influenciou o teu trabalho?

Fui muito sortuda, chamem-lhe sorte ou trabalho… Durante o primeiro ano de pandemia fiz sempre o Herman, mesmo em casa. Cada um fazia as suas partes. Foi dificílimo, fizemos tudo sozinhos, sem contracena. Mas fui uma sortuda do caraças! O ano inteiro em coisas diferentes, não posso reclamar. Este ano foi o Pôr do Sol, uma reposição do Chicago, e agora o Vanda… 

Ofereceu-nos outra maneira de olhar para o mundo?

Eu nunca me iludi muito quando diziam, no início da pandemia, que isto serviria para uma mudança social. Sempre acreditei que a vida iria voltar ao seu rumo natural… Devem existir pessoas que aprenderam e mudaram durante este período, mas são poucas. O ritmo da nossa vida está tão corrido que é difícil tu não apanhares esse comboio ou estares a essa velocidade híper acelerada.  

Qual a importância da Cultura e do que é que as pessoas se continuam a esquecer quando pensam nesta área?

A Cultura é fundamental para nós nos conectarmos com outras realidades, fazer-nos sair do nosso umbigo, abrirmo-nos ao imaginário, mexer com a criatividade. A Cultura é tão fundamental quanto água! E acho que, muitas vezes, é visto como um bem menor. Em tempos de pandemia, graças à Cultura, sobrevivemos um bocadinho melhor. É logo a nossa primeira saída para quando estamos tristes, para quando queremos relaxar… Eu sendo atriz sou suspeita, mas estamos sempre a tempo de tentar fazer com que a Cultura chegue a mais sítios, a tempo de dar melhores condições aos artistas e às pessoas que a veem. Cada vez mais o mundo lá fora está aberto a Portugal e a investimentos, estamos num momento de expansão, pelo menos na ficção. 

O que é que realmente gostarias de fazer e ainda não tiveste oportunidade?

Quero muito fazer um projeto, tanto no cinema como na televisão, lá fora. Com produções internacionais… Pôr em uso o meu francês, que é tão bom como o meu português. Eu quero representar lá fora. Adoraria!