Miguel Arrobas: “A Direita deve assumir sempre a relação de amor naquilo que faz”

Miguel Arrobas é o novo deputado do CDS-PP. Atleta olímpico e nadador de ultramaratonas, é contra o casamento homossexual e diz que o CDS deve assumir-se de Direita.

Entrou no Parlamento como número 9 por Lisboa. Quando foi convidado para as listas, alguma vez pensou que entraria para esta casa?

Nunca. Quando fui convidado a integrar as listas, o número 9 seria algo bastante inalcançável. Sobretudo atendendo ao resultado que tivemos nas legislativas em 2019 – o que me afastou ainda mais da possível eleição como deputado.

E agora que aqui está, de que forma pensa que poderá enriquecer o Parlamento?

Para já espero ser uma cara nova, alguém que se habituou a estar lá fora a viver em sociedade, em comunidade, alguém que se habituou a ouvir Assembleia da República pela televisão.  Espero pelo menos trazer algo de novo, uma imagem nova, um sangue novo.

E depois tenho outro currículo: como atleta e como pai de uma família numerosa, e isso também poderá dar aqui um aporte positivo. Que vejam também que possa dar boas sugestões, que possa ser um contributo válido para o CDS e para o grupo parlamentar.

Vive com burros, cães, galinhas, patos, é nadador olímpico e competidor de supermaratonas. De que forma é que o seu perfil se enquadra como o do ‘clássico político’?

Sou alguém que viveu várias experiências e que quer trazer essas experiências para a Assembleia da República. Corrigindo, eu já tive os patos, galinhas e burros: hoje tenho apenas os cães, que são mais dois membros parte desta ‘miniempresa familiar’. É toda esta experiência, todos estes conhecimentos, toda esta maneira diferente de ver a vida, não diria tão como um político de carreira, mas como alguém que chega e quer fazer diferente.

E de que forma, por exemplo, poderá marcar essa diferença através das suas experiências?

Posso vir a dar ideias que possam não ter estado na agenda do partido, assim como posso trazer uma forma diferente de ver as coisas. Creio que, acima de tudo, trago uma enorme vontade de contribuir com as minhas ideias, com a minha vitalidade e com a minha alegria de viver para uma instituição que, como sabemos, não é sempre bem vista.

Voltando às listas: quem é que o convidou para as integrar em 2019?

Na altura integrei as listas no número 9, que era atribuído à concelhia de Cascais. Os primeiros 6 foram escolhidos pela própria presidente do partido na altura, Assunção Cristas, e depois através das concelhias mais representativas. Fui, portanto, indicado pela Comissão Política da concelhia de Cascais.

Tem 7 filhos: isso será um desafio extra para conciliar a sua vida pessoal com a sua nova vida como deputado?

Creio que não. Os 7 filhos, obviamente, tiram-me muito tempo, mas sempre soube organizar a minha vida. Daí que também nunca tenha posto em causa a família – ou seja, toda a estrutura e organização familiar, fundamental para quem quer ter uma família unida e bem organizada: em que os filhos cresçam felizes e com a família, sempre com pai e mãe ao lado.  Sempre consegui conciliar, não só com os cargos que tive até agora na Câmara Municipal de Cascais – que me envolveram muito tempo –, mas também com toda a minha carreira desportiva: não esquecer que continuo a querer ter muitos projetos no âmbito das ultramaratonas e da natação em águas abertas.

E pensa que será possível conciliar esses projetos com a sua vida política?

Creio que sim. Vou dizer a verdade: esta semana e meia – atenta também a novidade desta experiência – não consegui fazer nada de desporto. Mas obviamente que já me estou a organizar e futuramente conseguirei fazer tudo, obviamente abdicando de outras coisas. Há situações que entendo que não são fundamentais na vida e, portanto, algumas vou ter que dizer que não para poder encaixar esta responsabilidade enorme de assumir o cargo de deputado em exclusividade na Assembleia da República.

Tem 7 filhos e é católico. Pertence a alguma associação ‘discreta’, nomeadamente o Opus Dei?

Não, não pertenço ao Opus Dei.  Mas faço parte de equipas de Casais de Nossa Senhora, por exemplo, e sou um membro ativo nas minhas comunidades, como a minha paróquia, sempre que posso.

Quão nuclear isso e a Família são na maneira como vê a política?

A política está muito mal vista: não se ouve falar bem de políticos lá fora, a ideia geral é que quem é político apenas olha para o seu próprio umbigo.  Há 8 anos, quando fui convidado para ser candidato a vereador na Câmara de Cascais, tive algumas dúvidas em aceitar: tinha a minha carreira de advocacia, trabalhava numa autoridade pública – Autoridade Nacional de Comunicações – e, portanto, a minha tendência natural foi dizer que não. Disse, inclusivamente, que não tinha grande experiência política (que era verdade).

Na altura, apesar de ter pertencido à Juventude do partido nos anos 90, não era filiado no CDS, ou seja, assumiria a luta como independente. Nessa minha fase de decisão, vi o Papa Francisco a dizer que os que os católicos ‘deviam envolver-se na política’. Essa foi a palavra de conforto e de força para me poder lançar naquilo que era um desafio político. Acabou por não acontecer, fiquei com um cargo político na Câmara e fui chefe de gabinete do presidente da Câmara durante alguns meses.

E isso [do Papa Francisco] foi um bocadinho a minha reviravolta. Portanto, um católico deve envolver-se na política. Não sou, felizmente, o único exemplo e quero assumir, também, com esses valores, esta imagem na política e aquilo que pretendo fazer nela.

A Esquerda arroga-se de ser quem representa o amor, a bondade e o cuidado com o próximo. A Direita cada vez mais é vista como sectária e que olha sobretudo aos interesses individuais. Como olha para isto?

Não me parece que isso corresponda muito à verdade. Aliás, o primeiro dos amores tem que se ver na nossa vida do dia a dia. Aquilo onde o amor é visto como primeira representação é na Família, é nas nossas relações pessoais, em comunidade. Eu vejo a Esquerda como destruidora de muitos desses valores da Família, como célula nuclear da sociedade, como primeira representação do amor entre pessoas de onde crescem e se lançam bases para o futuro. Acho que a Direita, principalmente a nossa – democrata-cristã, conservadora, do CDS –, deve assumir sempre essa essa relação de amor em tudo aquilo que faz.

Somos um partido humanista, que tem a pessoa como principal objetivo, como principal causa da nossa atuação e da nossa ação política, e como tal, essa é a grande representação de amor. A Esquerda, obviamente arroga-se a esse direito porque recorre àquela velha máxima do ‘não julgarás’. Obviamente que nós não devemos julgar ninguém. Tenho amigos em todas as áreas políticas, dou-me com todos, damo-nos bem nas diferenças. Agora, desde que as mesmas não ponham em causa aquilo que é a sociedade como um todo.

O CDS deve afirmar-se de Direita, Centro-Direita, Centro ou até Centro-Esquerda?

Direita.

E esta Direita deverá ser uma alinhada com os Tories, que celebram o dia LGBT, ou deverá ser uma Direita que procura manter as estruturas familiares e antigas como centro da sociedade e, consequentemente, não dar rampas a este tipo de movimentos?

Pego aqui nas suas palavras. De facto, não deve dar rampas a este tipo de movimentos. Entendo uma direita como conservadora, democrata-cristã, que acolhe liberais naquilo que for a possibilidade de acolher liberais. Que não sejam, acima de tudo, destruidores da célula natural que é a Família, dos valores da Família, que são a base de tudo aquilo que acontece.

Nós só trabalhamos hoje para deixar um futuro bom para os nossos filhos, sejam eles da direita, católicos, tradicionalistas – o que lhes quiser chamar: os de todos. Nós aqui olhamos para a pessoa como um todo, indiferentemente daquilo que representa. Defendo uma Direita que pode acolher todos, mas que deve ter as suas bases bem assentes na Terra e os seus pilares fundamentais bem públicos e salvaguardados.

Uma das críticas que fazem a Rodrigues dos Santos é ele estar calado sobre as questões dos direitos LGBT.  Falando de políticas públicas, seria a favor do casamento entre pessoas do mesmo sexo?

Não.

No início do ano explicava à Laurinda Alves que tinha ‘muitos filhos por ter muita esperança no futuro’. Pergunto-lhe se essa esperança no futuro passa também por uma esperança no CDS. 

Completamente. É o partido político onde estou ligado já desde a juventude. Vejo no CDS o partido que defende os valores e ideias que entendo serem as de futuro para Portugal. Portugal é um país que passou por muito. Tem uma história importantíssima, tem valores muito bem cimentados ao longo dos séculos. Fomos pioneiros em muita coisa. Fomos, aliás, pioneiros na defesa de muitos direitos que na altura nem sequer existiam ou nem sequer eram pensados. Quero, acima de tudo, que isso continue. Isso devem ser as bandeiras do CDS. O CDS faz muita falta no espectro político de Portugal e faz muita falta a muitos portugueses.

Acha que o CDS já faz falta ou que fará falta?

O CDS agora parece que não faz falta, mas há de fazer muita falta e daqui para o futuro vamos perceber a importância que o CDS teve na história democrática portuguesa.

Vê o CDS em declínio?

Infelizmente, vejo. O CDS passa por um momento – mais um! – difícil. Obviamente que também é uma das lutas que eu quero levar adiante: demonstrar o valor que o CDS tem e puxá-lo para cima. Agora, vivemos tempos muito difíceis.

De que forma é que o poderá puxar para cima, em novembro, no Congresso?

Em novembro iremos ter uma discussão de ideias que é sempre importante. É importante que se assumam essas ideias, essa discussão. Que não se desça a nenhum nível, mas que percebamos como partido e como um todo que estamos ali por um bem comum: o do CDS. E, pelo bem do CDS, sermos o bem de Portugal.

E apoiará Francisco Rodrigues dos Santos ou Nuno Melo?

O meu apoio já é público. Eu tive no lançamento da candidatura do Nuno Melo. É engraçado que o próprio presidente do partido, no Conselho Nacional a que muitos tiveram acesso, teve uma atitude muito simpática, dizendo-me que, independentemente do candidato que eu viesse a apoiar, ele teria sempre respeito por mim. Como eu o respeito a ele. Já no Congresso em que ele foi eleito, defendi que vi sempre o Francisco (porque já o conhecia do Conselho Nacional) como líder de futuro, mas não neste futuro próximo. Defendi que ele devia poder estar logo numa estrutura de direção, fazer a sua vida lá fora, e que o seu futuro era este – só não era agora.

E por que não neste futuro próximo?

Ser líder de um partido pressupõe muita experiência, pressupõe experiência também lá fora – ou seja, noutras áreas da sociedade – e acho que faltam estas experiências não só ao líder do partido mas também a muitos daqueles que o rodeiam (não todos, obviamente). Vejo o Francisco como alguém muito inteligente, muito dinâmico e com muita vontade de fazer diferente. Agora, no momento atual – atendendo àquilo em que o partido se está a tornar e à quebra perante o eleitorado –, não é aquilo de que o CDS precisa. 

Acha que ele é novo?

Houve outros líderes tão ou mais novos que assumiram a presidência do partido e, portanto, não se mede por aí.

Isso passa com a idade….

Exatamente. Eu acho que lhe falta, sobretudo, experiência e alguma maturidade.

O que achou de ele ter marcado o Congresso do CDS paralelamente ao do Chega?

Achei logo que seria um timing péssimo. Para fazermos aquele debate de ideias que referi há pouco precisamos de tempo. Precisamos de estar com mais tempo para haver esse debate e não haver apenas uma luta para o poder dentro do partido. Mais ainda quando isso iria ocorrer a cerca de um ou dois dias depois das votações finais do Orçamento de Estado, documento enquadrador de toda a ação política do Governo e, portanto, fundamental para a vida dos portugueses e para levantar Portugal. Logo aí, havemos de estar em campanha quando devíamos estar muito focados nas nossas contribuições para o orçamento de Estado: ideias que possamos dar, valores que pretendamos levar. Assim, creio que não vai acontecer nem uma coisa nem outra.

Que razões pensa ter Rodrigues dos Santos usado para marcar Congresso para estas datas?

O Congresso, historicamente – e espero não estar a induzir em erro –, acontece sempre a cada 2 anos em janeiro, fevereiro. Sobre essa maior rapidez na marcação, é defendido que é para preparar as próximas legislativas. Não vejo por que entre novembro e janeiro ou fevereiro faça essa grande diferença. Vejo numa de, rapidamente, se tentarem distanciar de qualquer oposição – e isso começa logo com o pé errado.

Há umas semanas o Nascer do SOL noticiou que, caso Rodrigues dos Santos vencesse o Congresso, os deputados do CDS abandonariam o Parlamento. Se Rodrigues dos Santos vencer o Congresso, abandonará o Parlamento?

Não tenciono abandonar o Parlamento. Até porque, como lhe disse, trabalho com quem estiver. Creio que tenho muito a dar ao Parlamento. Obviamente que estou chegado há pouco mais de uma semana, e, portanto, há aqui muita coisa sobre a qual tenho que me inteirar, muita organização que tenho que meter na cabeça. Acima de tudo, creio ser um lugar que dignifica, que honra e que nunca procurei. Estarei, obviamente, pronto para trabalhar com quem estiver na liderança, esperando que essa reciprocidade também seja uma realidade.

Chega a deputado numa altura em que há duas frentes a disputar o CDS e em que o partido está com baixos níveis de saudabilidade política. Diz que trabalhará com os dois lados. Como é entrar no Parlamento numa altura frágil destas e com essa posição em particular?

Primeiro, dizer-lhe que entro num grupo parlamentar com quem estou totalmente alinhado. Nesse sentido, não sairei dessa rota. Assumirei que estou com esta liderança do grupo parlamentar, que foram aqueles com que eu – embora alguns até sejam mais novos do que eu, como a Cecília Meireles, o João Almeida ou o Pedro Morais Soares (o único mais velho é o Telmo) – me interessei na política e me interessei pelos trabalhos parlamentares. É com eles, para já, que estou totalmente alinhado.

Dizia há pouco que nos anos 90 andava pela JC. Que diferenças vê no CDS dos anos 90 para o CDS de 2021?

Parece que, nos anos 90, era um partido com os seus valores e com as suas ideias mais cimentadas. Hoje, embora tenhamos muitas ideias e muitos valores que são – ou deveriam ser – do conhecimento geral, sinto que naquela altura assumíamos muito mais aquele vestido. Aquela roupa cabia-nos na perfeição. Hoje, e apesar de eu pensar sempre no passado, parece que não sabemos muito bem o que o que estamos a vestir.