Reino Unido. Pede-se mais proteção para os deputados britânicos

A cultura de encontros cara a cara entre deputados e eleitores, pilar do sistema britânico, está ameaçado por ameaças contra políticos. O assassinato do conservador David Amess veio reforçar isso. 

Os britânicos estão de luto por sir David Amess, de 69 anos, pai de cinco filhos, um deputado conservador morto à facada esta sexta-feira, num ataque terrorista, quando se reunia com os seus eleitores na igreja Metodista Belfairs, em Leigh-on-Sea, no sudeste de Inglaterra. É a segunda vez em cinco anos que ocorre uma tragédia deste género, após o homicídio da deputada trabalhista Joanne “Jo” Cox, também assassinada num encontro com os eleitores, a tiro e à facada. Agora, com ambos os nomes numa placa comemorativa, lado a lado, em Westminster, multiplicam-se os apelos para que se seja dada melhor segurança aos deputados britânicos. 

A questão é que o modelo político britânico não torna a tarefa tão fácil como seria de pensar. Trata-se de um sistema muito personalista, onde os deputados vão a votos em pequenos círculos eleitorais e o vencedor fica com o posto, esperando-se que representem diretamente os interesses da região. Daí que haja uma longa tradição de se manterem contacto próximo e regular com os seus eleitores, com encontros cara a cara, em locais públicos como igrejas ou bibliotecas, a que chamam de surgeries. Ou seja, deixando os deputados expostos a ataques – foi neste tipo de encontros que foram mortos tanto Amess como Cox. 

Logo após o crime, a ministra do Interior, Priti Patel, “pediu a todas as forças policiais que revejam os protocolos de segurança para deputados, com efeito imediato”, declarou um porta-voz, citado pelo Evening Standard.

De momento, os deputados britânicos gozam de uma segurança apertada em Westminster, que está nas mãos de uma unidade da polícia britânica especializada como guarda-costas, com detetores de metais e revistas à porta. No entanto, o problema parece ser quando saem de lá, para regressar aos seus círculos eleitorais. Aí, dispõem apenas de um botão de pânico, fechaduras melhoradas e um sistema de segurança na sua casa e escritório, bem como iluminação adicional na sua rua. O gasto neste tipo de medidas aumentou de uns 170,5 mil libras (mais de 200 mil euros) em 2015 para 4,5 milhões de libras (5,33 milhões de euros) após o homicídio de Cox, segundo a BBC – mas claramente não chegou. 

 “Tragicamente, perdemos o nosso amigo David Amess, os nosso pensamentos estão com a sua família”, lamentou o presidente da Câmara dos Comuns, Lindsay Hoyle. “Temos de aprender com isso”, continuou, em declarações à BBC. “Temos de perceber que medidas funcionaram e que medidas não funcionaram”, explicou, prometendo que os protocolos de segurança seriam revistos, mas pedindo aos deputados que usem os que já existem. “Servem para vos proteger, os vossos funcionários, a vossas famílias”.

Algumas vozes já se levantam para exigir que os deputados britânicos tenham acesso a proteção policial nas surgeries. Contudo, mesmo para lá destes encontros, é suposto que os deputados tentem manter contacto frequente com os seus eleitores, seja em ações de campanha ou atividades de associações locais. Ou simplesmente em eventos como o popular “Pint With Your MP” (qualquer coisa como “caneca com o teu deputado”), promovido pelo trabalhista Stephen Morgan, do círculo sul de Portsmouth, com o propósito de ouvir as preocupações da população e estimular a industria cervejeira local. A questão é se existe capacidade para proteger toda esta atividade de 650 deputados. 

“Temos de proteger a democracia, temos de proteger os deputados das pessoas que odeiam os nossos valores”, acrescentou presidente da Câmara dos Comuns, defendendo a sua decisão de manter a surgery que tinha marcado para sexta-feira, em Lancashire. “Os meus eleitores precisam de acesso a mim, dei-lhes esse acesso”, justificou. “Não podemos, nem devemos, desistir”. 

 

Terror Ali Harbi Ali, um britânico de 25 anos, com origem somali, que viajou mais de 80 quilómetros de comboio, a partir de Londres, para assassinar Amess, está detido ao abrigo da Lei de Terrorismo de 2000. O jovem, filho do conselheiro de um antigo primeiro-ministro somali, disse aos funcionários do deputado britânico que tinha acabado de se mudar para Leigh-on-Sea, antes de avançar, puxar de uma faca e esfaqueá-lo 17 vezes, segundo o Sun. Após um ataque frenético, mas planeado, Ali limitou-se a esperar calmamente a chegada da polícia.

Parecia “morto atrás dos olhos”, descreveu um dos paramédicos no local. “Foi um ataque tão selvagem pessoas estavam em lágrimas, porque não havia nada que ninguém pudesse fazer por ele”, contou ao tabloide britânico. “O atacante já estava algemado, sentado no chão”, continuou. “Ele não disse nada”. 

Ali não estava na lista de suspeitos de terrorismo do MI5, as secretas domésticas britânicas, avançou a Sky News, mas surgira na lista de prevenção da radicalização do Governo britânico. A indicação para tal pode vir de professores, profissionais de saúde, membros do público – o problema é que essa lista tem mais de seis mil nomes só em Inglaterra e no País de Gales, segundo a BBC, 43% deles por radicalização no seio da extrema direita, 30% por extremismo islâmico, estando a ser ponderada uma revisão do programa. 

Seja como for, tornou-se claro que há um clima de crescente violência contra os deputados britânicos. Desde darem por si a serem seguidos até casa, gritarem-lhes o nome da escola que os filhos frequentam, tentativas de agressão, o receio é constante, denunciou o deputado conservador Charles Walker.

“Viver com medo tornou-se uma parte rotineira da vida de muitos dos meus colegas”, lamentou, em declarações ao Guardian. “Muitos têm a capacidade incrível de compartimentalizar essa parte das suas existências, mas não deveria ter de ser assim”. Entretanto, cada vez mais deputados anunciam a intenção de ir viver fora dos seus círculos eleitorais, por motivos de segurança, ou de diminuir o número de surgeries. Pondo em risco a proximidade com os eleitores que sempre marcou a democracia britânica.