Acidente com carro de Cabrita aconteceu há quatro meses. “O senhor ministro tinha a direção efetiva do veículo, é o responsável”

“Esta família tem direito a que os tribunais não distorçam a lei”, declara José Joaquim Barros, advogado da família de Nuno Santos. O profissional garante pedir o levantamento do segredo de justiça em dezembro se nada mudar até lá.

Quatro meses depois do acidente que envolveu a viatura oficial do ministro Eduardo Cabrita, na A6, e que resultou no atropelamento mortal de Nuno Santos, de 43 anos, o advogado da família deste revela ao i que ainda não existem novidades significativas acerca do inquérito de natureza criminal dirigido pelo Departamento de Investigação e Ação Penal de Évora.

“Tenho mantido uma guerra processual – não posso dizer em que sentido –, mas da parte do senhor procurador e do senhor juiz de instrução o refúgio é sempre este patético segredo de justiça”, começa por explicar José Joaquim Barros, não entendendo “como é que a filha de 19 anos, assistente no processo, quatro meses depois do pai ter sido atropelado, não sabe sequer se foi feita uma autópsia porque desconhece completamente o relatório da mesma”.

“Por vezes, aparecem determinadas pessoas a dizer que o segredo de justiça existe na maior parte dos países, mas não tem nada a ver. A interpretação e a aplicação são distintas. Em França, por exemplo, se porventura o juiz entender que um processo não pode sequer ser do conhecimento do advogado antes das investigações, tem de se apressar as mesmas, porque passado um mês o advogado tem acesso a tudo aquilo que foi feito”, esclarece o profissional que exerce há 37 anos, realçando que “o segredo de justiça é patético”, pois “não existe, muito menos neste caso, para proteger a investigação e não existe para proteger os interesses da parte – nem sabemos sequer se foi constituído um arguido – e os direitos da assistente não estão protegidos”.

“Quando chegar a altura, não sei o que será decidido, mas entendo que o senhor ministro tinha a direção efetiva do veículo, é o responsável. Não quer dizer que seja responsável criminalmente, mas também pode ser. O Estado é responsável”, avança aquele que foi Assistente na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa durante 13 anos.

Para o advogado, esta “era uma ótima ocasião para os tribunais dizerem: o senhor ministro eventualmente quer que isto esteja ocultado, mas vamos tornar isto transparente, pelo menos, para os intervenientes do processo”.

“Vamos ver aquilo que vai acontecer. Quando se aproximarem os seis meses, ou antes disso, peço levantamento do segredo de justiça, mas pode haver uma prorrogação de três meses”, indica, referindo-se ao facto de que, no Código de Processo Penal, está estipulado, após essa janela temporal, “o assistente e o ofendido podem consultar todos os elementos de processo que se encontre em segredo de justiça, salvo se o juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público, que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez” no âmbito de determinados tipos de criminalidade e por um prazo que seja considerado absolutamente necessário para completar a investigação em curso.

“Os senhores juízes adoram o segredo de justiça e os procuradores muito mais”, lamenta José Joaquim Barros, garantindo, porém, que a viúva e as duas filhas “continuam com força para lutar” apesar das adversidades.

“Confiam muito em mim, graças a Deus, e querem continuar. A mais nova ainda está com uma reação mais difícil, está mais reservada, mas a mais velha e a mãe estão a reagir muito bem. Esta família tem direito a que os tribunais não distorçam a lei”, assevera o advogado que, em declarações ao Nascer do SOL, há um mês, disse que “a Justiça ou é feita a tempo e horas ou nunca é Justiça”, tendo rematado que “os tribunais são o último grito dos cidadãos”.

“O senhor ministro mente a propósito de tudo” Na passada sexta-feira foi chumbada, pela Assembleia da República, a proposta do Chega para a constituição de uma comissão parlamentar de inquérito à atuação do Ministério da Administração Interna (MAI) e das forças sob a sua tutela no caso deste acidente.

A proposta foi chumbada com os votos contra do PS, PSD, BE, PCP, PAN, PEV e da deputada não inscrita Joacine Katar Moreira. CDS e Iniciativa Liberal votaram a favor. As vozes que se opuseram a este procedimento, no debate que antecedeu a votação, fizeram-no recordando que há inquéritos em curso, nomeadamente do Ministério Público, da Investigação Criminal de Acidentes de Viação (NICAV) da GNR de Évora e do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) sobre o acidente e, deste modo, não se justifica a proposta apresentada pelo partido liderado por André Ventura.

Contudo, no final do debate, o dirigente acusou a Assembleia de República de “enorme e descarada cumplicidade perante o abuso do Estado no acidente que vitimizou uma pessoa”.

Além deste último acontecimento, aquilo que mais revolta José Joaquim Barros, assim como a família de Nuno Santos, é o comunicado que o MAI emitiu no dia seguinte à tragédia. “Não havia qualquer sinalização que alertasse os condutores para a existência de trabalhos de limpeza em curso” na autoestrada, podia ler-se, sendo que foi escrito que o veículo “não sofreu qualquer despiste” e “circulava na faixa de rodagem, de onde nunca saiu, quando o trabalhador a atravessa”.

“O trabalhador atravessou a faixa de rodagem, próxima do separador central, apesar de os trabalhos de limpeza em curso estarem a decorrer na berma da autoestrada”, afirmou à época.

O advogado defende que “o senhor ministro tem de responder pelos seus atos, mas mente a propósito de tudo e estamos habituados. No primeiro comunicado, até disse que as obras não estavam sinalizadas”, elucida acerca das declarações que terão levado a seguradora, numa primeira instância, a não pagar nada até que a investigação do Ministério Público esteja terminada. “Já mentiu, não acredito nele e não quero conversas com ele”.

Porém, volta a elogiar a forma como a seguradora Caravela encarou a situação. “Tem-se portado bem e a família recebe a pensão provisória que está a pagar sem ter havido um acordo”, revelou há um mês, rematando que “se sancionamos quem age mal, devemos falar também de quem tem um bom comportamento”.

“A Caravela acordou comigo, mesmo antes do tribunal marcar a conferência, pagar a pensão. Para a viúva, são sensivelmente 270 euros e para as miúdas 170 para cada uma. Entretanto, a Segurança Social, por várias razões, para tentar responder aos nossos constantes requerimentos, parece já ter decidido sobre a pensão de sobrevivência”, assinala, adicionando que aquele que é um dos serviços centrais da administração direta do Estado “já depositou algumas verbas”.

“Mas, curiosamente, estamos sempre a enviar-lhes emails e eles a responderem de forma incorreta. Queremos perceber que verbas são aquelas. Admitimos que tenham a ver com coisas atrasadas porque segundo as nossas contas, é de facto uma miséria”, constata o profissional que continua a lutar para que seja feita justiça pelo chefe da equipa que realizava os trabalhos de manutenção e limpeza a cargo da empresa Arquijardim, assim como pela esposa e filhas deste.

“Não tem a ver com o vencimento do Nuno Santos à data da sua morte, mas sim com a pensão que receberia se eventualmente se reformasse. O Nuno trabalhou desde sempre, mas a verdade é que tinha 43 anos”, conclui, esperando que haja desenvolvimentos positivos brevemente.