O que se joga hoje no Mar da China?

«Se o Governo do Império do Meio seguir uma política desfavorável, será o pânico em Roma»  Marco Túlio, séc. I 1.Na obra agora lançada em Portugal Destinados à Guerra – Poderão a América e a China Escapar à ‘Armadilha de Tucidides?’, Graham Allison revela o compromisso secreto entre o Presidente Kennedy e o Presidente Krustchev…

«Se o Governo do Império do Meio seguir uma política desfavorável, será o pânico em Roma»
 Marco Túlio, séc. I

1.Na obra agora lançada em Portugal Destinados à Guerra – Poderão a América e a China Escapar à ‘Armadilha de Tucidides?’, Graham Allison revela o compromisso secreto entre o Presidente Kennedy e o Presidente Krustchev que evitou por um triz o apocalipse nuclear na crise dos mísseis em Cuba. Não é esse provavelmente o risco que ‘hoje’ se corre, mas seria – será – o de um abalo sísmico numa dimensão apocalíptica. Terá a generalidade dos portugueses, dos comentadores, uma noção do que está em jogo ‘agora’ no Mar da China? Ou preferem colocar-se na posição da ministra da Saúde e da DGS que no início da epidemia, quando tudo já indicava (ou que não indicasse…) o que seria, disseram que muito provavelmente não chegaria cá? Posição tão irresponsável quanto simplesmente estúpida.
 
2. A proclamação ‘liberdade, igualdade, fraternidade’ não faz sentido no mundo chinês. Com o significado que lhe atribuímos a expressão, ‘liberdade’ não diz nada a 95% dos chineses e ‘igualdade e fraternidade’ cultivaram-nas muito antes de nós. Para os chineses, a divisa não foi ‘liberdade, igualdade, fraternidade’, mas ‘riqueza, poder e honra’. Honra, porque, depois de uma humilhação como não aceitarão nunca mais, querem que a sua civilização e o contributo dela sejam reconhecidos. Que seja respeitado o modelo político que entendam adotar. Se as interferências externas continuarem, a China fechar-se-á, porque pode fazê-lo. Mas, se o seu fechamento abalaria o mundo, afetaria também o seu próprio crescimento prodigioso e o regime cairia. 
 
3. Uma China a trabalhar obediente seria perfeito. Muitos americanos ainda pensam que a primazia económica é parte da sua identidade nacional, lembra Allison, mas a China ultrapassou os EUA. Representa 18% do PIB mundial. «Na China, a Revolução Industrial inglesa e a Revolução global da informação entraram em combustão simultaneamente, comprimidas não em 300 anos, mas em 30», disse um antigo primeiro-ministro australiano. E as coisas são ainda mais complicadas do que parecem, quer para a potência hegemónica, quer para a que lhe disputa a posição. Ambas são cada vez mais adversários em todos os aspetos; mas, ao mesmo tempo que a tensão aumenta, o comércio também.

Ambas fazem parte de uma economia mundial interdependente. Também entre a China e a Austrália se tem assistido a disputas crescentes, mas a compra de produtos australianos na China atingiu agora um máximo histórico.

Por isso, as analogias com a Guerra Fria não captam a natureza da competição atual entre as duas maiores potências. A URSS, na altura, mal existia no mapa económico do mundo livre – e o bloco comunista tinha poucas ligações económicas e turísticas ao Ocidente. Ora, a China tem hoje o maior número de turistas no mundo!

Há 20 anos, a maioria dos países comercializava mais com os EUA do que com a China. A situação inverteu-se. A China está integrada na economia mundial. É o maior produtor mundial. O maior parceiro comercial da UE e da Ásia. 

Mas se quiser que a economia continue a crescer, precisa dos consumidores americanos. Tal como as grandes empresas dos EUA precisam do mercado chinês. Mesmo a economia verde em expansão. E há a dívida dos EUA, que a China detém. Um bilião de dólares.

4. Como escreveu F. Zakaria, os EUA precisam de uma estratégia que enfrente a complexidade da relação com a China – em que são simultaneamente rivais, clientes e adversários. E não obrigue a Europa e os aliados políticos asiáticos a sacrificar os interesses económicos próprios. Os países querem ter boas relações comerciais com a China e laços geopolíticos com os EUA. Obrigá-los a escolher trará mais problemas do que resolverá. 

E se a China é forte, não quer dominar militarmente o mundo. E também enfrenta desafios. Envelheceu devido à herança do filho único. E ainda não provou ser capaz de evitar todas as armadilhas que se colocam às economias em ascensão. Sob a direção de que Xi Jinping é o rosto, está a alimentar o setor do Estado e a regular mais o privado. A nível externo, a política mais assertiva está a causar uma reação nos vizinhos. Índia, Japão, Austrália e Filipinas renovaram um acordo de defesa com os EUA que há muito estava previsto acabar.

Estará Washington à altura deste desafio? Enfrentar uma potência económica que, ao contrário da Alemanha, do Japão e da Coreia do Sul, não depende dos EUA para a sua segurança? Que não ocupou nem controla países, como fez Estaline (o que levou à Guerra Fria)? Que não é uma democracia e tem valores tão diferentes? Estamos perante algo mais complexo, talvez uma ‘Paz Fria’. 
 
5. Quanto a Taiwan, o problema são as interferências dos EUA. Sem elas a tensão desapareceria. Basta conhecer a História e confiar no tempo, ‘esse grande escultor’.