Um faz de conta

Cada medida ambiental que os Governos impõem é um pingo de água no oceano do aumento constante da poluição. 

Todos os dias vemos apelos à defesa do ambiente. Discursos lancinantes dos responsáveis políticos. Denúncias. Incentivos à separação dos lixos e ao uso de materiais reciclados. Convites à produção ‘sustentável’, à poupança de água e energia.

O reitor de Coimbra proibiu a venda de bifes de vaca nas cantinas porque a criação de vacas produz muito carbono. 

A Gulbenkian abandonou os petróleos, a sua fonte de rendimento desde sempre, para apostar nas energias renováveis.

Nos supermercados foi proibida a oferta de sacos de plástico. 

Ora, quase tudo isto é uma hipocrisia. É um faz de conta. No mínimo, é uma ilusão: são medidas tendentes a pôr esta sociedade de bem com a sua consciência.

Porque, ao mesmo tempo que isto acontece, diariamente surgem novos hábitos, são implementadas novas medidas que vão em sentido diametralmente oposto.

Diz-se que as novas gerações são mais sensíveis às questões ambientais. Teoricamente, sim. Em termos de conversa, de discurso, é verdade. Mas em termos de comportamento as novas gerações serão menos poluentes do que as ‘velhas’?

Há 50 anos, os jovens consumiam pouquíssimo. Praticamente não comiam fora de casa, compravam pouca roupa, não viajavam para o estrangeiro ou viajavam de comboio, não tinham carro.

Hoje os jovens são uns grandes consumidores. Comem muitas vezes fora de casa, compram imensa roupa, têm computador e telemóvel, deslocam-se de carro, viajam regularmente de avião. E tudo isto tem óbvios custos ambientais.

Se os estudantes não podem comer bifes na universidade, vêm regalar-se com eles cá fora, nas tascas e restaurantes.

Tal como os alunos que não podem comer bolos nas escolas vêm comprá-los cá fora.

E agora é tudo embalado. Nos supermercados, um bolo é vendido dentro de uma caixa enorme de plástico. Aquilo que antes se vendia à unidade ou a granel, ao peso, hoje vem embalado. Os bolos, o pão, as bolachas, a carne, o chouriço, os legumes, o arroz, o açúcar, o azeite, a água, tudo vem dentro de uma embalagem. 

Os supermercados deixaram de oferecer sacos de plástico para transportar as compras, mas as suas prateleiras estão cheias de embalagens de metal e de plástico.

Uma família ‘normal’ – mãe, pai e dois filhos –, se comer em casa, acumula ao fim do dia uma quantidade gigantesca de embalagens.

Desde a nascença, os meninos, mesmo os de famílias humildes, têm hoje pertences que não se comparam com os de há duas ou três gerações. Roupa que nunca mais acaba, fraldas descartáveis, infindáveis brinquedos. Tudo isto é produzido industrialmente (ao contrário do que sucedia antes), com os correspondentes custos para o ambiente – desde a extração de matérias-primas até ao processo de fabrico. 

Hoje, a partir dos 18 anos, muitos jovens já não se deslocam de autocarro ou elétrico, como no passado – deslocam-se de carro. E nas férias viajam de avião, muitas vezes para destinos longínquos. Ora, pensemos na monstruosidade que representa, a nível ambiental, a simples descolagem de um avião comercial. 

Planeia-se substituir todos os carros a gasolina por carros elétricos. Mas será essa a solução? Troca-se uma poluição por outra. Desde a extração do lítio para o fabrico das baterias, ao lixo tóxico que elas vão causar depois de obsoletas (e as baterias são altamente poluentes), vamos ter um rosário de problemas. E o consumo de energia elétrica crescerá muitíssimo.

Aliás, o consumo de energia elétrica – bem como de água – não tem parado de crescer. Ao mesmo tempo que se clama contra o desperdício de energia, apelando aos particulares para não deixarem lâmpadas acesas em casa, as luzes dos monumentos públicos estão abertas pela noite dentro, até horas mortas. São milhares de poderosos holofotes acesos sem qualquer utilidade. 

Quanto à água, faça-se apenas este exercício: compare-se o consumo de uma das modernas torneiras de alavanca com o das velhas torneiras de manípulo de enroscar. Agora, o movimento normal é abrir a torneira no máximo; antes, ia-se abrindo a torneira progressivamente – e muito raramente se chegava ao máximo. Feitas as contas, são milhões de litros a mais.

Há uma relação direta entre o aumento do nível de vida das populações e a poluição. Por isso, este problema é insolúvel. Todos querem aceder à sociedade de consumo, e esta é por natureza altamente poluente. Cada medida dita ambiental que os Governos impõem é um pingo de água no oceano do aumento constante da poluição.

Neste campo, andamos sempre a correr atrás do prejuízo. A única solução seria consumir muito menos. Mas essa é a solução que ninguém quer. Não querem os políticos, pois a sua função é prometer o aumento do nível de vida. Não querem os empresários, pois o seu negócio é vender mais. Não querem as pessoas, porque nesta sociedade em que se perderam objetivos espirituais o grande objetivo é ganhar mais para consumir mais.

Estamos num beco sem saída. O discurso ambiental é um fingimento. Um faz de conta. Quem o faz sabe que é impossível parar o aumento da poluição – até porque há cada vez mais gente no Globo a aceder à sociedade de consumo (veja-se a China). 

No tempo em que se comiam bifes na universidade, e em que se ofereciam sacos de plástico nos supermercados, havia menos poluição do que há hoje. E hoje há menos do que haverá amanhã.