O Duelo pela Hegemonia

A grande diferença na liderança é que, depois de ter consolidado um poder único no Partido e no Estado, Xi tem vindo a mudar a percepção e a estratégia da RPC, que progressivamente está a abandonar a posição e imagem de “fábrica do mundo” e de grande poder económico, para se afirmar, também, como um…

 

Hegemonia – Sete Duelos sobre o poder global[1] é um novo livro de Jaime Nogueira Pinto que foi apresentado na terça-feira, dia 19 de outubro no “Corte Inglês”, em Lisboa. Na apresentação, houve um debate do autor com Luís Santos e Sérgio Martins Alves, dois especialistas sobre a economia e as finanças da República Popular da China. Luís Santos é um estudioso do investimento chinês na Europa e em Portugal e Martins Alves foi Secretário-Geral da Câmara de Comércio Portugal-China. A competição ou “conflito” Estados Unidos-RPC é tratada no último capítulo de Hegemonia, onde se faz uma análise da História da China nos últimos 200 anos, desde as guerras do Ópio, que marcaram o início do “século da humilhação”, até ao momento actual com a direcção de Xi Jinping.

Na discussão, os intervenientes concordaram que, nos últimos dez anos, a partir da ascensão de Xi Jinping, se verificou uma verdadeira mudança quer a nível do poder político quer a nível da grande estratégia da RPC. Esta mudança de estratégia teve a ver, também, com mudanças internas, na medida em que Xi alterou significativamente o sistema de liderança do Partido e do Estado chineses. Deng Xiao Ping tinha estabelecido, para evitar o aparecimento de uma nova tirania pessoal, à Mao Tse Tung, um sistema de liderança colectiva, em que o núcleo restrito da Comissão Executiva do Bureau Político do Partido – sete ou nove membros – exercia essa direcção em conjunto, e o Secretário-Geral e o Presidente da República era um “primus inter pares”, mantendo-se uma espécie de igualdade no topo da pirâmide.

Esta linha de chefia colectiva estava bem confirmada na medida em que os mandatos presidenciais eram dois e só dois, de cinco anos; quer Jiang Zemin, Secretário-Geral do PCC de 1989 a 2002, quer Hu Jintao, de 2002 a 2012, obedeceram à regra.

Xi modificou esta regra. Com ele vem-se observando uma progressiva concentração de poderes nas mãos de uma pessoa, assumindo o próprio Xi, sucessivamente, a presidência de todas as comissões importantes do Partido.

O novo Presidente afirmou-se como um líder diferente dos seus predecessores. “Ele tem aço na alma, muito mais que Hu Jintao; que subiu no partido sem passar pelas provas e dificuldades que Xi atravessou”, disse Lee Kuan Yew em 2012, quando Xi se tornou presidente.

O antigo fundador e chefe de Singapura falava com Graham Allison, o autor de The Thucidides Trap. Referia-se à atribulada adolescência de Xi, cujo pai foi vítima de Mao Tse Tung durante a Revolução Cultural. O próprio Xi, como é contado detalhadamente em Hegemonia, experimentou, na adolescência, a passagem dos privilégios de um filho da Nomenclatura, para um desterro numa comuna agrária, durante sete anos.

Quando vieram as reformas de Deng, depois da morte de Mao, no sentido de uma repressão menos feroz e de alguma abertura económica, o que esteve na base do futuro “milagre chinês”, Xi, como outros jovens quadros retomou o seu lugar e fez uma carreira notável no Partido.

A grande diferença na liderança é que, depois de ter consolidado um poder único no Partido e no Estado, Xi tem vindo a mudar a percepção e a estratégia da RPC, que progressivamente está a abandonar a posição e imagem de “fábrica do mundo” e de grande poder económico, para se afirmar, também, como um poder político-militar, retomando o seu papel como potência. O que, fatalmente, a leva a chocar-se com a potência estabelecida – os Estados Unidos.

Hegemonia, um livro que se ocupa dos duelos entre as potências ao longo da História, fecha precisamente com a análise dos dados deste conflito, que vai obrigar o resto do mundo, a começar pela Europa, a tomar partido.


[1] Jaime Nogueira Pinto, Hegemonia – Sete Duelos pelo poder global, Crítica (Planeta), Lisboa, 2021