David Amess

Católico, conservador, branco e heterossexual, são características que não se enquadram no perfil de quem cujo assassinato possa motivar consternação por esse mundo fora.

Por Pedro Ochôa

O nome David Amess é, certamente, desconhecido para a generalidade das pessoas, que nunca dele ouviram falar. Apenas uma pequena minoria saberá de quem se trata.

Ou de quem se tratava, porque David Amess foi assassinado há pouco mais de uma semana.

E o facto de ter sido esfaqueado 17 vezes por um extremista islâmico não foi motivo suficiente para que a nossa imprensa a esse ignóbil atentado tivesse dado destaque, nem tão pouco um simples comentário de indignação se ouviu sair da boca de algum protagonista da nossa classe política, em particular por parte daqueles sempre lestos a chorarem lágrimas de crocodilo quando ocorre um homicídio que consideram de motivação racial ou religiosa.

À luz do pensamento único que nos tem sido imposto, compreende-se este silêncio, porque David Amess jamais preencheu qualquer um dos requisitos necessários para ascender à categoria de mártir, vítima de um fanatismo odioso.

Amess era de direita, deputado pelo partido conservador há quase quatro décadas; foi um católico convicto, tendo-se batido pelo papel das famílias na sociedade, opondo-se ao aborto e ao casamento entre pessoas do mesmo sexo; tinha uma família constituída, com cinco filhos; e, pecado dos pecados, foi desde sempre um eurocéptico, tendo sido um dos rostos do Brexit, defendendo a ideia de que a permanência do Reino Unido na União Europeia constituía uma perda da sua soberania parlamentar.

Católico, conservador, branco e heterossexual, são características que não se enquadram no perfil de quem cujo assassinato possa motivar consternação por esse mundo fora.

Se fosse muçulmano, ou socialista, ou negro ou homossexual, em particular com militância numa qualquer LGTB, ter-se-iam multiplicado as vigílias um pouco por todo lado e os dirigentes políticos, da esquerda à direita, teriam vindo a público enaltecer o seu carácter e exigir uma  justiça exemplar para os autores do crime.

E se tivesse sido morto por um católico, e não por um islamista radical, o repúdio ruidoso teria sido à escala global.

O nosso parlamento teria, obviamente, aprovado um voto de pesar, provavelmente por unanimidade.

Por cá, nem sequer aquele grupelho folclórico, que confunde pessoas com animais, teve uma reacção de desânimo pelo ocorrido.

Isto porque David Amess ficou igualmente conhecido pelas suas lutas em prol do bem-estar animal, sendo da sua autoria muitas das leis de protecção aos animais que hoje vigoram em Inglaterra.

Mas, claro, a defesa do meio animal é uma coutada da esquerda e não é admissível que alguém, fora desse círculo político, se possa advogar em defensor dos direitos dos animais.

Nem o facto do deputado britânico ter sido morto em serviço motivou qualquer gesto de solidariedade por parte dos seus pares europeus, os quais ignoraram por completo um crime dessa natureza.

Na verdade, David Amess foi barbaramente assassinado numa Igreja Metodista no sul de Inglaterra, quando estava estava em audiências com os eleitores do círculo de Southend West, que representava na Câmara dos Comuns desde 1997.

Sim, em Inglaterra os deputados têm esse costume de se reunirem com frequência com os eleitores que representam, à semelhança, aliás, do que se verifica aqui pelo burgo.

A diferença, naturalmente, é que os nossos parlamentares só o fazem de quatro em quatro anos, durante as campanhas eleitorais!

Este é o outrora admirável mundo em que vivemos, dominado por uma nova ordem mundial que reduz à insignificância quem se atreve a exprimir opiniões adversas às impostas pelo sistema.

Um mundo cheio de hipócritas, de crápulas sem escrúpulos, que tomaram de assalto todos os poderes instituídos.

E quem os ouse enfrentar, traça o seu destino. Acaba como David Amess!