Aeroporto e OE 2022– o ótimo é inimigo do bom!

Quem anda com as finanças públicas depauperadas, sobretudo com uma dívida pública calculada em 135% do PIB, pode dar-se a estes luxos?

1.Um dos maiores problemas das últimas décadas reside na construção do ‘novo’ aeroporto de Lisboa. Desde 1972 que se discute a sua localização, sem nunca se chegar a nenhuma conclusão, o que nos deveria fazer corar de vergonha por andarmos a ‘engonhar’ durante quase 50 anos sem decidir, apesar dos sucessivos governos e múltiplos estudos onde se gastaram ‘rios de dinheiro’.

Houve vários momentos ao longo destas décadas em que se deveria ter avançado, sobretudo quando a dívida pública rondava os 60-70% do PIB (ex: 1995-2004). Mas os sucessivos governos continuaram a adiar, não tomaram decisões em tempo oportuno e, em 2019, a realidade era de que não havia ‘slots’ disponíveis e os aviões faziam fila no ar à espera de aterrar (além da falta de espaço de parque). 

Veio a pandemia e o problema do aeroporto atenuou-se, em resultado da quebra mundial da aviação. Mas não ficou resolvido, bem pelo contrário. As previsões do movimento futuro oscilam entre o otimismo de em 2023 termos um movimento idêntico ao de 2019 e as pessimistas, algures por 2024/25, pelo que urge minorar as inevitáveis consequências, catastróficas para a economia nacional. 

Sendo assim e porque nada adianta ‘chorar sobre leite derramado’, a decisão sobre a sua localização torna-se cada vez mais urgente, pelo que aqui segue o meu contributo. Prevendo que (i) a legislação que obriga à obtenção de parecer favorável das autarquias irá ser ultrapassada (em nome do interesse nacional) e (ii) que os pareceres ambientais a obter serão favoráveis ou neutros na opção a escolher, vamos tentar ser pragmáticos, para avançar. 
Começo por referir que, na minha opinião, hoje, só haverá 2 (duas) alternativas: Alcochete (a substituir a Portela) ou Portela + 1 (Montijo). Deliberadamente ignoro Alverca, Ota e Beja, porque 50 anos a hesitar já são demais, além de que os inconvenientes técnicos, operacionais e distância, citados por especialistas, os retiram, em meu entender, de ser opção. 

Nenhuma dúvida que manter um aeroporto dentro da cidade de Lisboa tem diversos riscos, como o de aterrar ou levantar, além da poluição ambiental e sonora, pelo que optar por Alcochete para substituir a Portela seria a solução ideal. No entanto, apresenta alguns inconvenientes: (i) a construção irá demorar largos anos, mesmo que faseada, e (ii) o seu custo ser várias vezes superior ao da alternativa Montijo. Quem anda com as finanças públicas depauperadas, sobretudo com uma dívida pública calculada em 135% do PIB, pode dar-se a estes luxos?

Olhemos então para o Montijo, opção ‘possível’ desde o tempo de Passos Coelho e que o PS não questionou. Um aeroporto mais pequeno, sem capacidade para receber aviões de grande porte, bom para voos ‘ponto a ponto’, fundamentalmente para companhias low cost que buscam aeroportos baratos. Uma construção, no máximo em 4 ou 5 anos, seguramente uns anos menos que Alcochete e garantidamente bem mais económica. 

Como ‘não há bela sem senão’, a Portela teria de continuar para servir os passageiros provenientes de voos transatlânticos (de maior porte), muitos dos quais fazem escala por Lisboa. Dada a ligação de ou ao Montijo ser, no mínimo, desconfortável, a TAP teria de continuar na Portela (com a vantagem de não ter de transferir toda a sua manutenção para Alcochete que custaria, por baixo, uns Eur 100 M).

Fosse eu a decidir, como o ótimo é inimigo do bom, não tenho qualquer dúvida que hoje, 2021, me decidiria pelo Montijo, por ser uma solução bem mais económica, pensando na colossal dívida pública que já vamos legar aos filhos e netos, bem como na possibilidade de termos já em 2027 a solução Portela + 1.

2.Impossível nesta altura não falar das negociações do OE 2022 entre o PS e os seus parceiros – PCP e Bloco. Uma situação preocupante neste enquadramento internacional, entre uma pandemia que não se percebe se terminou e uma crise energética sem fim à vista. 

Em discussão, estão propostas na legislação laboral, na Segurança Social e na Saúde, muitas de índole populista, a tentar retirar benefícios políticos da conjuntura, sempre com o fito de desfazer o legado da troika. A dramatização de Marcelo ao alvitrar eleições antecipadas e relembrar os seus elevados custos, sem certezas de resultados clarificadores, só lhes veio reforçar a convicção de tudo poderem exigir para algo obter.

Na hora da verdade, creio que o PCP irá salvar o OE, mesmo a ‘engolir uns sapos’ em troca de algo que lhe permite ‘salvar a face’. Claro que nestes jogos da política todos sabem que Leão, a posteriori, irá fazer as cativações que precisar para o PS ter ‘as contas certas’, mas o problema, por ora, fica resolvido e sobra a certeza de os mercados financeiros continuarem anestesiados. 

Mesmo assim, dadas as consequências destas reiteradas cedências à esquerda, tenho de perguntar: se fossemos para eleições, seria assim tão mau? 

Umas convicções eu tenho: (i) a esquerda radical (PCP e Bloco) iria confirmar ou acentuar as perdas das autárquicas, (ii) o PS continuaria o mais votado, beneficiando até das perdas dos radicais, mas sem chegar à maioria absoluta. À direita do PS, a possibilidade de novas lideranças, sobretudo no PSD, poderá reanimar a oposição, incrementando os seus votos, provenientes tanto do PS como da direita moderada e dos abstencionistas.

Ponderando de um lado as cedências ora prometidas para aprovar o OE 2022 que fazem lembrar 1975 e do outro a realidade de termos de esperar seis meses por novo Governo, mesmo desconhecendo a sua composição, é caso para dizer ‘venha o diabo e escolha’. Mas, nesta conjuntura internacional, perante o cutelo da dívida pública, só nos resta, por ironia, esperar que seja o PCP a salvar este OE 2022.